A serena onda de vida de La Parle

Cena do filme La Parle. A imagem é em preto e branco. Em uma cozinha, aparecerem, esquerda para a direita: Fanny Boldini, Simon Boulier, Kevin Vanstaen e Gabriela Boeri
Co-produzido pelas brasileiras Claraluz Filmes e Kinoteka, junto à francesa Les Films Bleus, La Parle é fruto da residência cinematográfica feita por Claude Lelouch – o diretor de Um Homem, Uma Mulher (1966) e de Os Miseráveis (1995) [Foto: Pandora Filmes]
Laura Hirata Vale

Lar de navegantes, marinheiros e piratas, os oceanos sempre tiveram sua importância para a Humanidade. Os sete mares foram protagonistas na compra de especiarias e temperos, em descobrimentos e guerras. Além de água, sal e matéria orgânica, eles são compostos por mistérios, histórias e lendas; sereias, tubarões gigantes e os mais diversos monstros habitam-nos. Porém, mesmo com suas peculiaridades obscuras, pode-se encontrar no mar um dos fenômenos mais belos da Terra: as ondas. Cristalinas e salgadas, elas são responsáveis pela trilha sonora e por parte da paisagem das praias.

E se as ondas existissem para nos lembrar de que ainda estamos vivos?

É com essa reflexão sobre as ondas do mar que começa o drama franco-brasileiro La Parle. Dirigido, roteirizado e protagonizado pela brasileira Gabriela Boeri, e pelos franceses Fanny Boldini, Kevin Vanstaen e Simon Boulier, o longa é situado em Guéthary, cidade na Costa Basca Francesa, e gira em torno da lenda de La Parle, uma onda mística, responsável por revirar sentimentos e emoções. Vivendo um verão litorâneo e europeu, cada integrante do quarteto tenta aproveitar o sol, saborear o sal e respirar a maresia de sua maneira. Gabriela reflete sobre saudades de seu país natal; Fanny teme e evita um resultado; Kevin tenta terminar a montagem de seu filme, enquanto Simon usufrui das diversões praianas, e torce para que os amigos se juntem a ele e consigam descansar.

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O que aconteceu com o brilho da Garota Radiante?

Cena do filme A Garota Radiante. A atriz francesa Rebecca Marder aparece no centro da imagem, e é uma jovem de pele clara, cabelos castanhos e olhos claros; ela usa uma blusa marrom e um casaco azul. Atrás da atriz, existe um caminho de árvores desfocadas.
Irène queria uma coisa: brilhar nos palcos dos teatros (Foto: Pandora Filmes)

Laura Hirata Vale

Em um tom alegre e cheio de espírito, A Garota Radiante (2021) retrata a história de Irène (Rebecca Marder), uma adolescente apaixonada por Teatro. Dirigido e roteirizado por Sandrine Kiberlain, o longa francês é ambientado no ano de 1942 e mostra como é a vida de uma família judia, expondo, pouco a pouco, as proibições e os impedimentos impostos pelo nazismo. O filme é leve, divertido, mas traz em seus detalhes e entrelinhas o terror da época, que assusta, de uma forma ou de outra, o espectador, alertando-o do que pode estar por vir. 

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Close nos aproxima da dor das rupturas

Cena do filme Close. Rémi e Léo estão olhando um para o outro. Léo é um garoto branco loiro de olhos azuis, ele está vestindo uma camiseta branca e tem uma mochila azul marinho nas costas. Rémi é um menino branco de cabelos e olhos castanhos, ele veste uma camiseta bordô e usa uma mochila verde musgo. Ambos têm feições sérias
Close é uma coprodução belga, holandesa e francesa, e concorre na categoria de Melhor Filme Internacional no Oscar de 2023 (Foto: A24)

Jamily Rigonatto 

Ceder a pressão social é fácil, quase um instinto do ser humano em busca de aceitação e, por vezes, sobrevivência. O ponto é que tudo pode ser desfigurado para que possamos caber nas caixas ditas como certas: roupas, cabelos e até mesmo os amores. Em Close, filme lançado em 2022 sob a direção de Lukas Dhont, os protagonistas figuram o ato de cortar os laços mais profundos como se fossem uma linha fina – rompem-se com facilidade, mas ficam as pontas esfarrapadas. 

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Sra. Harris Vai a Paris e a classe trabalhadora vai às ruas

Cena do filme Sra. Harris Vai a Paris. Na imagem está Ada Harris provando um vestido Dior. Ela é uma mulher branca de cabelos loiros presos em um lenço, o vestido é verde esmeralda com bordados dourados e uma saia irregular com estrutura de trapézio. Ao fundo estão Marguerite, Fabre e uma costureira analisando a prova da roupa.
30 anos depois, Sra. Harris Vai a Paris reescreve a história de Um Sonho em Paris e conquista um lugar no Oscar 2023 (Foto: Universal Studios)

Jamily Rigonatto

Arrumar a bagunça de patricinhas pomposas, fazer camas com edredons importados e esperar a boa vontade de megeras para receber o próprio pagamento são algumas das normalidades do dia a dia de Ada Harris (Lesley Manville). A viúva trabalha como faxineira e, apesar das inconveniências da rotina, leva a vida com um bom humor ímpar. Mas a satisfação com o mediano muda quando seu caminho veste toda a elegância da moda parisiense e a habitualidade dá lugar aos sonhos. Em uma aventura à francesa, Sra. Harris Vai a Paris costura entre rendas e bordados uma história brilhante. 

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Boy From Heaven desnuda a política por trás da religião

Vencedor do prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Cannes, Boy From Heaven integrou a seção Perspectiva Internacional da 46ª Mostra SP (Foto: Pandora)

Bruno Andrade

Há sempre um suspense em torno de tramas políticas. Talvez o mistério seja o formato mais funcional em atrair a atenção do público para o assunto – mais do que serena, a política é sempre mortalmente séria. Ainda assim, é através das eleições que os indivíduos percebem sua importância social; é a manifestação contemporânea que, apesar dos ataques, mais tem resistido às mudanças pós-modernas, mesmo que a maneira e os motivos pelos quais se vote sejam diametralmente outros. Em períodos normais, se vota pelo futuro; em momentos perigosos, se vota para cessar a destruição. Sob essa perspectiva, Tarik Saleh, diretor e roteirista do premiado Boy From Heaven, longa que integrou a seção Perspectiva Internacional da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, vislumbra como o mundo está constantemente inventando maneiras de garantir o resultado desejado.

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A morte é corporativa em Plano 75

Com uma menção especial do prêmio Camera d’Or na seção Um Certo Olhar do Festival de Cannes, Plano 75 integrou a Competição Novos Diretores da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Loaded Films)

Bruno Andrade

Em um Japão não muito distante, na tentativa de lidar com o envelhecimento da sociedade e aliviar o sufocamento econômico promovido pela política neoliberal, é criado um programa que encoraja cidadãos idosos a serem voluntários de eutanásia. A política em torno do projeto é simples: encurtar institucionalmente a vida dessas pessoas, oferecendo uma recompensa de 100 mil ienes pelo sacrifício, que podem ser gastos livremente com o objetivo de fornecer o necessário para um “último desejo”. Esse é o enredo de Plano 75 (Plan 75), a distopia necropolítica dirigida e roteirizada por Chie Hayakawa, que integra a Competição Novos Diretores da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.

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Em Triângulo da Tristeza, ricaços escrevem ‘Deus’ com ‘d’ minúsculo e caem em tentação

Cena do filme Triângulo da Tristeza, mostra um homem branco, sarado e sem camisa, tirando uma foto com um celular em posição horizontal. Ao fundo, vemos o céu e está de dia.
Depois de vencer Cannes com The Square, Ruben Östlund repete o feito com Triângulo da Tristeza, exibido na Perspectiva Internacional da 46ª Mostra de SP (Foto: Diamond Films)

Vitor Evangelista

Ruben Östlund não se preocupa em soar presunçoso ou em talhar o discurso com o intuito de mastigar a jugular que atinge. O sueco, que levou para casa sua segunda Palma de Ouro meses atrás, chega em Triângulo da Tristeza num patamar de sátira e escárnio para além do já apresentado em seu currículo no Cinema. Parte da Perspectiva Internacional da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, seu premiado filme está interessado em caçoar.

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Para voar, basta Nezouh se decidir

Vencedor do Prêmio do Público da seção Horizontes Extra do Festival de Veneza, Nezouh participa da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo na seção Perspectiva Internacional (Foto: MK2 Films)

Vitória Gomez

Zeina, Mutaz e Hala são os últimos moradores de Damasco e têm horas para sair da cidade sitiada antes que esta seja invadida. A família composta por pai, mãe e filha permaneceu no local durante o cerco, mas encarou a decisão de deixar ou não seu lar quando um míssil abre buracos na moradia e os expõem ao mundo sem a segurança de suas quatro paredes. É através do olhar inocente e esperançoso de Zeina, de 14 anos, que acompanhamos o dilema do trio de Nezouh, que integra a seção Perspectiva Internacional da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.

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O Estranho Caso de Jacky Caillou tropeça ao tentar espetacularizar o comum

Cena do filme O Estranho Caso de Jacky Caillou. Da esquerda para a direita na imagem, Loïc segura uma ovelha para Gisèle e Jacky Caillou cuidarem. A fotografia captura os três por inteiro. Loïc é um menino branco de cabelos e olhos claros, ele veste um colete azul sobre uma camiseta amarela e uma calça jeans. A ovelha tem a pelagem curta. Gisèle é uma mulher branca de cabelos e olhos claros, ela veste uma manta vermelha. Jacky é um homem branco de cabelos e olhos claros, ele veste uma jaqueta azul e uma calça cinza. Ao fundo, o cenário é um celeiro durante o dia.
O Estranho Caso de Jacky Caillou foi disponibilizado gratuitamente na plataforma do Sesc Digital durante a 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, como parte da seção Competição Novos Diretores (Foto: Best Friend Forever)

Nathalia Tetzner

Jacky Caillou é o protagonista ingênuo e pouco convincente do primeiro longa-metragem do diretor Lucas Delangle, O Estranho Caso de Jacky Caillou. Ambientado nos Alpes, a obra participa da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo na seção Competição Novos Diretores e, anteriormente, foi exibido no Festival de Cannes 2022. O filme francês, parte do rol nada seleto de títulos que se iniciam com “O Estranho Caso”, baseia a sua narrativa no poder de cura popular e na explicação do fantástico pela natureza, fato que o afasta do extraordinário e somente o aproxima do comum. 

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Um Homem: dores e masculinidade em pauta

Cena do filme Um Homem. No centro da imagem, temos o ator Dylan Felipe Ramirez olhando sua reflexão em um espelho. Dylan é um jovem pardo, de cabelos pretos escuros, tatuagens perto das orelhas e olhos castanhos. Ele está vestindo uma jaqueta azul escura com detalhes em branco, em cima de uma camiseta também azul escura. O espelho é revestido de madeira marrom, provavelmente embutido a um guarda roupa da mesma cor. O cenário é uma parede esverdeada e desgastada. A cena acontece durante o dia.
Um Homem é um dos participantes da 46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo na Competição Novos Diretores (Foto: Cercamon)

Nathan Nunes

A premissa de Um Homem , que participa da Competição Novos Diretores da 46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, é simples. Carlos (Dylan Felipe Ramiréz) quer comemorar o Natal junto de sua família, da qual ele é separado por viver em um abrigo para jovens no centro de Bogotá, na Colômbia. O problema é que cada um dos três integrantes está em um lugar diferente: sua mãe está distante e sua irmã trabalha como prostituta para pagar uma dívida que nem mesmo o jovem tem condições de quitar. Assim, acompanhamos o protagonista em seu dia a dia de angústia e sofrimento, forçado a se enquadrar em um perfil de masculinidade com o qual ele claramente não se identifica. 

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