A beleza de Pedro repousa no retrato bruto da vida

Cena do filme Pedro. Na imagem, o personagem Pedro, um homem indiano de cabelos e olhos escuros, aparece contemplando algo com um olhar longínquo. A suas vestes são tecidos de cores neutras como o marrom. O cenário é um matagal verde iluminado por uma chama no período noturno. A fotografia captura a cintura, sentado no matagal onde apoia as mãos para trás.
Originário da Índia, Pedro participa da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo na seção Perspectiva Internacional (Foto: Rishab Shetty Films)

Nathalia Tetzner

Obra do Cinema indiano, Pedro conta a história de um homem de casta inferior que se vê perdido ao acidentalmente matar uma vaca, símbolo sagrado da sua cultura. O ato somente ocorre porque o protagonista tenta incessavelmente encontrar o responsável pelo assassinato de seu cachorro e fiel escudeiro, em uma das tragédias envolvendo animais mais tristes desde a cadela Baleia de Graciliano Ramos. Estreia do diretor Natesh Hegde frente a longa-metragens, a obra foi exibida no festival IndieLisboa e, agora, participa da seção Perspectiva Internacional na 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.

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Leonor Jamais Morrerá usa a metalinguagem como poucos

Cena do filme Leonor Jamais Morrerá exibe uma idosa filipina parada em meio ao jardim de sua casa. Ela olha para cima, com os olhos fechados e a luz do sol batendo em seu rosto. Ela usa um vestido colorido. À esquerda, vemos uma cerca-viva repleta de plantas e à direita vemos mais plantas na parede da cada, com alguns vasos em cima de um balcão perto do canto inferior direito da imagem.
Leonor Jamais Morrerá faz parte da Competição Novos Diretores na 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Arkeofilms)

Caio Machado

O Cinema é capaz de mostrar mundos fantasiosos, realidades alternativas, novas perspectivas de grupos marginalizados da sociedade… As possibilidades são infinitas. No caso de Leonor Jamais Morrerá, produção filipina que faz parte da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, a Sétima Arte é utilizada como meio de reconciliação entre mãe e filho. 

Na trama, Leonor Reyes (Sheila Francisco) já foi uma figura consagrada do cinema de ação filipino, responsável pela criação de uma série de filmes de sucesso, mas agora sua família sofre com dificuldades para pagar as contas. Após ver o anúncio de um concurso de roteiros no jornal, ela decide continuar um esboço inacabado sobre a jornada de Ronwaldo (Rocky Salumbides), que busca vingança pelo assassinato de seu irmão. Enquanto a imaginação ajuda Leonor a escapar das dificuldades da vida real, um acidente envolvendo a queda de uma televisão a deixa em coma, transportando-a para dentro da obra inacabada. Agora, ela pode descobrir o melhor final para a história.  

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Carvão queima o retrato da família tradicional brasileira

O enredo explosivo de Carvão faz parte da lista da seção Mostra Brasil da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Pandora Filmes)

Jamily Rigonatto 

Quão falsas podem ser as interações da família que vemos todos os domingos com suas bíblias e crucifixos em mãos? Essa e outras reflexões similares são a proposta de Carvão, filme brasileiro dirigido por Carolina Markowicz. Entre tons hiperbólicos e reviravoltas, a produção se debruça sobre as contrariedades da moral humana. Parte da seção Mostra Brasil da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, o longa desmonta a farsa do conservadorismo e a transforma em cinzas. 

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A Terceira Guerra Mundial começa e acaba na impotência

Mais um dos nomes vindos do Festival de Veneza, Terceira Guerra Mundial integra a lista da seção Perspectiva Internacional da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Iranian Independents)

Vitória Gomez

A História não se repete, mas costuma rimar.” A sinopse de Terceira Guerra Mundial, por mais extensa que seja, sequer provoca para a experiência completa da obra. Candidato ao Oscar 2023 pelo Irã e parte da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo na seção Perspectiva Internacional, o filme segue Shakib, um trabalhador braçal, sem-teto e sem família, que, ao ser envolvido contra a sua vontade na produção de um longa-metragem, tem uma oportunidade de recomeço. Quando Ladan, a mulher com que se relaciona, vem a seu encontro em busca de ajuda, uma sequência de acontecimentos testa as relações de poder da vida do protagonista.

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Você Tem Que Vir e Ver: a conversa da vida com a arte

Cena do filme Você Tem Que Vir e Ver. Na imagem, os personagens Susana, Daniel, Elena e Guillermo estão juntos em uma varanda de concreto. Suzana, interpretada por Irene Escobar, é uma mulher branca de cabelos loiros escuros com pontas claras na altura dos ombros, ela veste uma camiseta rosa estampada de pequenas flores por baixo de um macacão bege. Daniel, interpretado por Vito Sanz, é um homem branco de cabelos ondulados castanho escuros, ele veste uma calça jeans com uma camisa cinza escura por baixo de um blazer azul marinho. Elena, interpretada por Itsaso Arana, é uma mulher branca com cabelos loiros claros amarrados com uma franja na testa, ela usa óculos arredondados e veste uma calça branca com uma camisa azul escura por baixo de um casaco amarelo. Guillermo, interpretado por Francesco Carril, é um homem branco de cabelos castanhos curtos, ele veste uma bermuda de tons esbranquiçados com uma camisa rosa de mangas longas. Os personagens aparecem na ordem em que foram apresentados da esquerda para a direita. O casal Elena e Daniel olha para trás, enquanto os outros dois estão com as cabeças voltadas para frente.
Participando da seção Perspectiva Internacional, Você Tem Que Vir e Ver é um dos dois filmes de Jonás Trueba na 46ª Mostra Internacional de Cinema, junto de Quem os impede (Foto: Bendita Film Sales)

Jamily Rigonatto 

Um piano emite sons leves que caracterizam todo o plano de fundo da cena com a suavidade misteriosa dos clássicos. A câmera se estabiliza nos rostos dos quatro personagens da história, e é com o foco nas feições brandas que Você Tem Que Vir e Ver revela ter algo para nos contar. Entorpecidos pelas notas musicais, Elena (Itsaso Arana), Daniel (Vito Sanz), Guillermo (Francesco Carril) e Susana (Irene Escobar) parecem virar o lar de todos os questionamentos do existir. O filme, dirigido por Jonás Trueba, faz parte da categoria Perspectiva Internacional da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, e desenhado em tons primaveris, se desmancha em um retrato cotidiano e intimista. 

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Para voar, basta Nezouh se decidir

Vencedor do Prêmio do Público da seção Horizontes Extra do Festival de Veneza, Nezouh participa da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo na seção Perspectiva Internacional (Foto: MK2 Films)

Vitória Gomez

Zeina, Mutaz e Hala são os últimos moradores de Damasco e têm horas para sair da cidade sitiada antes que esta seja invadida. A família composta por pai, mãe e filha permaneceu no local durante o cerco, mas encarou a decisão de deixar ou não seu lar quando um míssil abre buracos na moradia e os expõem ao mundo sem a segurança de suas quatro paredes. É através do olhar inocente e esperançoso de Zeina, de 14 anos, que acompanhamos o dilema do trio de Nezouh, que integra a seção Perspectiva Internacional da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.

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Nada de Novo no Front: um filme de guerra humanista em que falta humanidade

Cena do filme Nada de Novo no Front. No lado direito da imagem, temos um homem branco não identificado, vestindo blusa preta, touca cinza e uma máscara facial branca. Ele está abraçando o ator Felix Kammerer, um homem branco de expressão triste, vestindo um casaco cinza e um capacete preto. Ao fundo, temos algumas estacas e o resto do cenário está desfocado. A cena acontece durante o dia, mas a foto está tratada em preto e branco.
Na 46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, a nova versão de Nada de Novo no Front, exibida na seção Perspectiva Internacional, mantém a mensagem anti-guerra do material original (Foto: Netflix)

Nathan Nunes 

Nada de Novo no Front é um livro escrito por Erich Maria Remarque, baseado nas suas próprias experiências como veterano alemão na Primeira Guerra Mundial. Publicado em 1929, o texto não demorou a ser transposto para o Cinema, com a adaptação Sem Novidade no Front sendo lançada um ano depois. Dirigido por Lewis Milestone, o longa fez tanto sucesso que venceu o Oscar de Melhor Filme em 1931, consagrando-se como a primeira adaptação literária a conquistar essa honraria, bem como a primeira vitória conjunta da categoria principal com o prêmio de Melhor Diretor. Agora, 91 anos depois, o diretor Edward Berger (Patrick Melrose e Your Honor), em parceria com a Netflix, traz uma nova versão de mesmo nome do material base para o streaming, exibida na programação da 46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo na seção Perspectiva Internacional. 

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Inventário mostra a dificuldade do ser humano em se aceitar como falho

Cena do filme Inventário exibe a nuca de um homem branco que olha para apartamentos ao pôr do sol, que estão em um fundo desfocado. Ele veste uma jaqueta e tem cabelo grisalho.
Inventário, dirigido por Darko Sinko, faz parte da seção Perspectiva Internacional da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: December)

Caio Machado

A produção eslovena Inventário, presente na 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, possui uma premissa simples, mas instigante. E se, em um dia normal, alguém tentasse atirar em você, dentro da sua casa? É isso que acontece com Boris (Radoš Bolčina) em uma noite, enquanto lê um livro em seu escritório. Ele não se machuca, mas leva um grande susto. A partir daí, o homem de meia idade parte em uma jornada de obsessão, examinando todas as suas relações sociais para tentar descobrir quem foi o (ou a) responsável pelos tiros. 

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A Noiva não escolhe lados

A Noiva estreou no Brasil na seção Perspectiva Internacional da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: FAUX)

Vitória Gomez

O Cinema político sempre encontrou solo fértil no Brasil. Por aqui, não falta o que retratar: ditaduras, questões trabalhistas, de distribuição de renda, alimentos e moradia, golpes de Estado e por aí vai. Até um dos mais básicos processos democráticos, as eleições e os seus ecos na sociedade brasileira, têm sido tema de poderosas metáforas na produção nacional, com a crescente ameaça à democracia sob a premissa de defesa dos bons costumes e do patriotismo. Voltando os olhos para o outro lado do oceano Atlântico, Sérgio Tréfaut, cineasta brasileiro que viveu em Portugal e na França, joga luz sobre o fenômeno do recrutamento de jovens sobretudo franceses para se juntarem às linhas de luta do Estado Islâmico. Em A Noiva, que estreou no país na seção Perspectiva Internacional da  46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, o conflito é pincelado através da vivência de Bárbara, viúva de um jihadista.

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Os batimentos da mudança movem Corações Gentis

Vencedor na seção Generation 14plus do Festival Internacional de Cinema de Berlim, Corações Gentis encanta as telas brasileiras na Perspectiva Internacional da 46ª Mostra (Foto: Accattone Films)

Enzo Caramori

É possível que um sentimento de surpresa arrebate um espectador desavisado ao descobrir que Corações Gentis (2022), representante belga na Perspectiva Internacional da 46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, é um documentário. Essa surpresa, no entanto, está longe de afastar o gênero do longa-metragem dirigido pela dupla de cineastas Olivia Rochette e Gerard-Jan Claes. Nesse híbrido de sensibilidades ficcionais e documentais, o casal de jovens adultos Billie Meeussen e Lucas Roefmans são retratados à beira de transformações em suas aspirações pessoais, com uma emoção vertiginosa e delicada — um típico frio na barriga adolescente — acerca das expectativas sobre o futuro e suas incertezas.

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