Genius Loci é um pesadelo confuso em uma noite de encontro espiritual

Imagem do filme Genius Loci. Ao centro, o desenho de uma mulher careca, preta e com brincos; ela uma uma regata branca. Ao fundo, é possível ver triângulos recortados em retângulos, formando um caminho.
Presente na categoria de Melhor Curta-Metragem de Animação no Oscar 2021, a alucinação perturbadora de Reine é quase como um sonho agradável para o público (Foto: Reprodução)

Larissa Vieira

Quem nunca teve um sonho confuso, em que formas geométricas, cores e diálogos aleatórios tomam conta de sua noite e fazem você passar o dia, se não a semana, inteiro tentando decifrá-lo? Genius Loci trouxe a vida todos esses sentimentos caóticos durante uma noite na cidade parisiense. O curta-metragem conta a história de Reine, uma jovem francesa, que vive uma viagem metafísica e descobre, em meio ao caos urbano, uma entidade viva que se torna o seu guia espiritual pela noite. 

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Euphories e a exaltação nostálgica dos anos 80

Capa do álbum Euphories. Mostra uma mulher branca de cabelos castanhos soltos, que usa uma camiseta e shorts brancos, abraçando por tás um homem, também branco e de cabelos castanhos curtos, que usa uma blusa de mangas compridas e uma calça, ambas brancas. Ao fundo vemos uma janela, cortinas, uma cômoda e um relógio na parede, todos brancos. A capa é iluminada por luzes rosa e azul neons. No topo da imagem está escrito Videoclub em letras garrafais azuis e logo abaixo está escrito Euphories em branco.
“Não quero cair no seu esquecimento/ Deixe-me vagar por suas noites” (Foto: Reprodução)

Ana Laura Ferreira

Nos últimos anos, vimos explodir uma aura nostálgica que cerca a década de 1980. De influências musicais à moda e cinema, a estética da época é reaproveitada aos montes numa tentativa de trazer toda a sua magia para o momento atual, o que por vezes não passa de uma cópia barata do que funcionava anos atrás. É certo que alguns artistas conseguem refrescar suas influências e apresentar obras primas como After Hours, de The Weeknd, enquanto outros apenas se perdem em meio a referências. Para a nossa sorte, Euphories sabe onde pisa e desfila pela década com a confiança necessária para entregar algo novo e ainda old school

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Lupin é uma reinvenção com charme e autenticidade de sobra

Foto promocional da série Lupin. Assane, um homem negro interpretado por Omar Sy, se apoia contra uma escrivaninha. Assane usa um casaco escuro e uma boina que se mesclam com o fundo. Uma única fonte de luz fria o ilumina diagonalmente. Atrás dele há uma estante com livros e alguns papéis presos contra a parede.
Protagonizada por Omar Sy, a nova versão do clássico entrou para o catálogo da Netflix em 8 de janeiro de 2021 (Foto: Reprodução)

Gabriel Oliveira F. Arruda

Uma quasi adaptação dos livros publicadas por Maurice Leblanc entre 1905 e 1935, a nova série francesa da Netflix busca tanto resgatar a figura misteriosa do infame ladrão de casaca, Arsène Lupin, quanto reinventá-la. Quem assume o manto nessa versão da história é Omar Sy, interpretando não o personagem homônimo, mas um ladrão igualmente astuto chamado Assane Diop que se inspira nos contos escritos por Leblanc para elaborar suas próprias escapadas mirabolantes.

Há um elemento de autoconsciência em Lupin que a separa de premissas similares, como Sherlock, da BBC. A existência das obras de Leblanc serve de um ponto chave na narrativa tanto pelas referências que ela proporciona quanto pela importância que o personagem original tem para Assane. Assim, é aberto um caminho para que os roteiristas busquem inspiração no texto original ao mesmo tempo em que tecem uma narrativa autêntica ao redor de um novo personagem.

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Walden arma uma arapuca sentimental

Walden, presente na 44ª Mostra de SP, defende a máxima de que a memória engrandece o homem, ou a mulher (Foto: Divulgação Imprensa)

Vitor Evangelista

Não tem jeito, somos nossos maiores inimigos. Jana, a calejada protagonista de Walden, prova dessa verdade da pior maneira possível, a do coração quebrado. Ela se lembra do antigo namorado da época da adolescência, e cria um escudo ao redor da memória desse amor, mantendo-se obstinada à voltar para sua terra de origem, de onde esteve exilada por trinta anos. Parte da seção Perspectiva Internacional da 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, Walden é um filme simples de dor e arrependimento.

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Na verdade, Casa de Antiguidades é um abatedouro

Depois de ‘passar’ por Cannes, o filme estreou em território nacional na 44ª Mostra Internacional de SP (Foto: Divulgação Imprensa)

Caroline Campos e Vitor Evangelista

O burburinho que cercou Casa de Antiguidades não veio de graça. Considerando que temas como regionalismo e horror de mal estar estão em voga desde a explosão de Bacurau, em 2019, quaisquer obras que resvalem nesse espectro sem dúvidas chamariam atenção do público brasileiro. Parte da Seleção Oficial de Cannes 2020 e exibido com exclusividade na 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, o primeiro longa de João Paulo Miranda Maria se mune de um misticismo tupiniquim para desconstruir e metamorfosear a vida e a humanidade de Cristovam, um homem abandonado pelo tempo e rejeitado pela comunidade em que habita.

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Notturno: as cicatrizes da guerra são profundas como a noite e nítidas como o dia

O documentário é parte da seção Perspectiva Internacional da 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Reprodução)

Raquel Dutra

Um jovem casal se encontrando enquanto tiros soam ao fundo, crianças desenhando seus traumas, pacientes psiquiátricos ensaiando uma peça de teatro como parte do tratamento. Num compilado de imagens cotidianas protagonizadas por quem viu e sentiu uma violência extrema, Notturno ressalta as marcas que os conflitos no Oriente Médio deixam em seus habitantes. Filmado durante os três últimos anos nas fronteiras do Iraque, Curdistão, Síria e Líbano, o documentário chega na 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo registrando a realidade material e psicológica de quem, inserido num cenário onde a guerra é uma companhia constante, tenta seguir em frente.

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Pai tem gosto de revolta

Nikola na sua caminhada presente na 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Divulgação Imprensa)

Caroline Campos

Existem filmes que deixam um sabor amargo na boca. Pai, do diretor sérvio Srdan Golubović, com certeza se encaixa nessa categoria. Coproduzido por seis países – Sérvia, França, Alemanha, Eslovênia, Croácia e Bósnia-Herzegovina -, o longa cria uma trama complexa e contida que trabalha um único personagem a partir de sua realidade brutal. Exibido na 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, dentro da seção Perspectiva Internacional, há momentos que é quase impossível conter a raiva e os gritos diante de tanta dor e injustiça que Golubović imprime em tela. 

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La Francisca, Uma Juventude Chilena e as variáveis do silêncio

Numa colaboração entre Chile, França e Bélgica, o filme traz silêncios cinzentos e jovens latino-americanos vibrantes para colocar pedofilia em foco na Competição Novos Diretores da 44ª Mostra de SP (Foto: Reprodução)

Raquel Dutra

Existe um problema sério em retratar atos desumanos explicitamente no cinema. Abordagens nessa direção revelam um caráter tão repugnante (que de fato, tais atos possuem) que a nossa resposta diante deles, na maior parte das vezes, é o distanciamento. Repelimos aquelas atrocidades da nossa realidade e esquecemos o local e a forma exata onde/como elas se concretizam, que infelizmente, é no ordinário. E quem concebeu La Francisca, Uma Juventude Chilena parece estar ciente disso. A coprodução francesa-chilena-belga é parte da seção Novos Diretores da 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo e usa um cenário comum para sussurrar observações necessária sobre pedofilia.

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O sangue é a moeda em Nova Ordem

O longa faz parte da categoria Perspectiva Internacional na 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Divulgação Imprensa)

Jho Brunhara

A expectativa que um filme gera é uma faca de dois gumes. No caso de Nova Ordem, um dos títulos mais hypados da 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, é uma lâmina cega e enferrujada, mas que faz estrago. O filme do diretor mexicano Michel Franco, Nuevo Orden no idioma original, é uma exibição de 1h30 que em pouquíssimos momentos rompe a violência gratuita e apontamentos óbvios sobre a luta de classes. 

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Cidade Pássaro: os desencantos da metrópole

Cidade Pássaro marca o retorno de Matias Mariani à Mostra de SP (Foto: Reprodução)

Vitor Evangelista

Tateando uma São Paulo incomum na grande mídia, Cidade Pássaro é um filme singular. Por quase duas horas somos conduzidos por uma cidade poluída, imunda física e espiritualmente pelo bafo do capitalismo e da pobreza. Imigrantes tomam o posto de protagonista e a seriedade de Amadi (O.C. Ukeje) é a régua moral da narrativa, na incessante busca pelo irmão Ikenna. Parte da Mostra Brasil da 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, Cidade Pássaro voa sem amarras, com a corrente do ar à seu favor.

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