Ruben Östlund não se preocupa em soar presunçoso ou em talhar o discurso com o intuito de mastigar a jugular que atinge. O sueco, que levou para casa sua segunda Palma de Ouro meses atrás, chega em Triângulo da Tristeza num patamar de sátira e escárnio para além do já apresentado em seu currículo no Cinema. Parte da Perspectiva Internacional da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, seu premiado filme está interessado em caçoar.
“A História não se repete, mas costuma rimar.” A sinopse de Terceira Guerra Mundial, por mais extensa que seja, sequer provoca para a experiência completa da obra. Candidato ao Oscar 2023 pelo Irã e parte da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo na seção Perspectiva Internacional, o filme segue Shakib, um trabalhador braçal, sem-teto e sem família, que, ao ser envolvido contra a sua vontade na produção de um longa-metragem, tem uma oportunidade de recomeço. Quando Ladan, a mulher com que se relaciona, vem a seu encontro em busca de ajuda, uma sequência de acontecimentos testa as relações de poder da vida do protagonista.
Um piano emite sons leves que caracterizam todo o plano de fundo da cena com a suavidade misteriosa dos clássicos. A câmera se estabiliza nos rostos dos quatro personagens da história, e é com o foco nas feições brandas que Você Tem Que Vir e Ver revela ter algo para nos contar. Entorpecidos pelas notas musicais, Elena (Itsaso Arana), Daniel (Vito Sanz), Guillermo (Francesco Carril) e Susana (Irene Escobar) parecem virar o lar de todos os questionamentos do existir. O filme, dirigido por Jonás Trueba, faz parte da categoria Perspectiva Internacional da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, e desenhado em tons primaveris, se desmancha em um retrato cotidiano e intimista.
Imagine a família Roy de Succession, mas ao invés de magnatas bilionários, eles são pobretões, sem um tostão furado no bolso e em constante pé de guerra pela mísera das migalhas. Essa é a ambientação do iraniano Os Irmãos de Leila, premiado com o louro da crítica em Cannes e apresentado na 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo na seção Perspectiva Internacional.
Zeina, Mutaz e Hala são os últimos moradores de Damasco e têm horas para sair da cidade sitiada antes que esta seja invadida. A família composta por pai, mãe e filha permaneceu no local durante o cerco, mas encarou a decisão de deixar ou não seu lar quando um míssil abre buracos na moradia e os expõem ao mundo sem a segurança de suas quatro paredes. É através do olhar inocente e esperançoso de Zeina, de 14 anos, que acompanhamos o dilema do trio de Nezouh, que integra a seção Perspectiva Internacional da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
Nada de Novo no Front é um livro escrito por Erich Maria Remarque, baseado nas suas próprias experiências como veterano alemão na Primeira Guerra Mundial. Publicado em 1929, o texto não demorou a ser transposto para o Cinema, com a adaptação Sem Novidade no Front sendo lançada um ano depois. Dirigido por Lewis Milestone, o longa fez tanto sucesso que venceu o Oscar de Melhor Filme em 1931, consagrando-se como a primeira adaptação literária a conquistar essa honraria, bem como a primeira vitória conjunta da categoria principal com o prêmio de Melhor Diretor. Agora, 91 anos depois, o diretor Edward Berger (Patrick Melrose e Your Honor), em parceria com a Netflix, traz uma nova versão de mesmo nome do material base para o streaming, exibida na programação da 46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo na seção Perspectiva Internacional.
A produção eslovena Inventário, presente na 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, possui uma premissa simples, mas instigante. E se, em um dia normal, alguém tentasse atirar em você, dentro da sua casa? É isso que acontece com Boris (Radoš Bolčina) em uma noite, enquanto lê um livro em seu escritório. Ele não se machuca, mas leva um grande susto. A partir daí, o homem de meia idade parte em uma jornada de obsessão, examinando todas as suas relações sociais para tentar descobrir quem foi o (ou a) responsável pelos tiros.
Sozinhos em um quarto escuro da noite paquistanesa e iluminados apenas pela luz neon em formato de flores e borboletas que beijam seus corpos, Haider (Ali Junejo) e Biba (Alina Khan) não conseguem encostar um no outro. A tensão que os envolve é forte demais para isso. Mas, quando o homem toma coragem e estica o braço a fim de pegar um copo d’água da mulher, uma faísca atravessa o ambiente, quebrando o vidro e, junto dos cacos, a barreira que existe entre ambos.
Essa é apenas uma pequena porção do que serve Joyland, filme presente na Competição Novos Diretores da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo e representante do Paquistão no Oscar 2023. Primeira produção do país a integrar a seleção de Cannes, ele foi além das expectativas e venceu dois prêmios em terras francesas: o Grande Prêmio do Júri da seção Um Certo Olhar e a Palma Queer, destinada a obras que articulam temas e personagens LGBQIA+ com maestria.
O Cinema político sempre encontrou solo fértil no Brasil. Por aqui, não falta o que retratar: ditaduras, questões trabalhistas, de distribuição de renda, alimentos e moradia, golpes de Estado e por aí vai. Até um dos mais básicos processos democráticos, as eleições e os seus ecos na sociedade brasileira, têm sido tema de poderosas metáforas na produção nacional, com a crescente ameaça à democracia sob a premissa de defesa dos bons costumes e do patriotismo. Voltando os olhos para o outro lado do oceano Atlântico, Sérgio Tréfaut, cineasta brasileiro que viveu em Portugal e na França, joga luz sobre o fenômeno do recrutamento de jovens sobretudo franceses para se juntarem às linhas de luta do Estado Islâmico. Em A Noiva, que estreou no país na seção Perspectiva Internacional da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, o conflito é pincelado através da vivência de Bárbara, viúva de um jihadista.
As transformações físicas, descobertas sexuais e emoções intensas que fazem parte da transição da infância para a adolescência povoam e intrigam o imaginário popular. Muitos artistas buscam examinar isso em suas obras, partindo de suas experiências íntimas. Em Das Tripas Coração (1982) – em inglês, Heart and Guts –, a cineasta Ana Carolina constrói um microcosmo que expõe aspectos dessa transição de forma cômica e teatral, valendo-se de uma narrativa onírica não-linear, declamações inflamadas e murmúrios fora de cena. Uma inclinação à rebeldia e à desobediência permeia o longa-metragem, que desenrola-se dentro de um colégio feminino, austero, religioso e falido. O filme compõem a seção Apresentação Especial na programação da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.