Desde que nos entendemos por gente, somos ensinados a não julgar um livro pela capa. Esse ensinamento é válido em diversos contextos, e um deles é o Cinema. Uma prova recente disso é a comédia Cidade Perdida, cujo pôster principal possui duas imagens pavorosamente retocadas e artificiais dos protagonistas Channing Tatum e Sandra Bullock na parte superior, além de uma colagem dos coadjuvantes Brad Pitt, Oscar Nunez e Da’Vine Joy Randolph em meio a um efeito de explosão que parece saído do pacote mais básico do Photoshop.
Não bastasse isso, seria fácil olhar com desdém para um filme como esse baseando-se em sua premissa, que já foi retratada diversas vezes no Cinema e cujas batidas se repetem: o romance desenvolvido em meio a uma trama de arqueologia, o casal que não se gosta no começo e vai se aproximando ao decorrer do filme, o vilão caricato, entre outros. De fato, Cidade Perdida não se distancia de nenhuma dessas convenções e nunca tenta reinventar a roda desse subgênero, assumindo-se como pleno entretenimento escapista do início ao fim; e é justamente por isso que funciona tão bem.
Pautada por mudanças bruscas de posicionamento e fervorosos embates políticos, a polêmica entre Disney e Pixar com a legislação americana pode dizer muito sobre o conteúdo que o estúdio produz
Enrico Souto
Em 25 de fevereiro de 2022, o Orlando Sentinel, principal jornal da cidade da Flórida, Estados Unidos, desvendou uma bomba. Legisladores do estado, envolvidos ativamente com uma proposta de lei homofóbica que tramitava no Congresso, receberam doações milionárias da Walt Disney Company, conglomerado multibilionário de mídia. Hoje, quase três meses depois, após a Disney já ter alterado seu posicionamento, a lei ter sido aprovada e outros escândalos revelados, uma questão continua acaçapada. O que uma empresa deste tamanho teria a ganhar financiando um projeto como este?
O quarto mês de 2022 nos trouxe muitos motivos para comemorar junto de um carnaval fora de época. Como de costume para o amplo espectro da Redação do Persona, estivemos seguindo os lançamentos, eventos, notícias e celebrações do mundo da Música, dentro e fora do Brasil, durante os últimos 30 dias. Então, acompanhados de uma Rita Lee curada, Anitta internacionalizada e Harry Styles emplacado, sonhamos com uma São Paulo primaveril e apresentamos o Nota Musical de Abril.
O sentimento de ambivalência talvez resuma muito bem aquilo que acompanhou Thom Yorke ao longo dos anos. Com o Radiohead, ele alcançou um status mainstream, mas a bem da verdade esse nunca foi o objetivo. É como se duas forças contrárias tivessem o levado ao topo, um possível reflexo de uma cultura que tende a glorificar os inconstantes. Sua indignação ganhou forma poética em canções dolorosas, mas ele nunca esteve sozinho. Ao seu lado, Jonny Greenwood serviu como força motora, dando vida através dos instrumentos aos ruídos melancólicos que Yorke vislumbrava; agora, anos depois, os dois se juntam em um projeto paralelo com Tom Skinner para dar vida ao The Smile, cuja estreia ocorreu em 13 de maio com o lançamento do disco A Light for Attracting Attention.
Se o mês passado esquentou as telonas com a versão em couro e tesão do Batman de Robert Pattinson, Abril foi marcado pelo verdadeiro estopim de múltiplos lançamentos imperdíveis. Mas, antes de destrinchar o amor perfeito de Heartstopper, as tragédias de Ozark, a potência de Medida Provisória e a resiliência de RuPaul’s Drag Race, é hora de nos despedirmos do Blue Sky Studios, propriedade adquirida pela Disney no ano passado e agora oficialmente extinto. Responsável por sucessos que iam de Rio à Era do Gelo, os animadores da empresa atingiram a jugular do público quando, no tchau, recompensaram o esquilo Scrat com a sonhada noz que movimentou uma saga de filmes jurássicos e gélidos.
“Aprendi desde cedo que fazer higiene mental era não fazer nada por aqueles que despencam no abismo. Se despencou, paciência, a gente olha assim com o rabo do olho e segue em frente.”
– Lygia Fagundes Telles
O mês de Abril de 2022 marca a data de falecimento de Lygia Fagundes Telles, uma das maiores escritoras do país. A autora é considerada uma referência na Literatura pós-modernista, e usou as vozes de personagens femininas e suas múltiplas nuances como protagonistas em muitos de seus escritos. Lygia foi a terceira mulher a ocupar uma cadeira na ABL (Academia Brasileira de Letras), recebeu o Prêmio Camões em 2005 e chegou a ser a primeira mulher brasileira indicada ao Prêmio Nobel de Literatura, aos 96 anos de idade.
Ciranda de Pedra, Verão no Aquário, As Meninas e Seminário dos Ratos são alguns dos títulos mais conhecidos da escritora, e apesar de sua destreza como romancista, os contos foram o grande destaque de sua carreira. Diante da grandeza de Lygia Fagundes e seu recente falecimento, a atual leitura do Persona não poderia ser diferente. Por isso, o escolhido da vez foi o compilado de contos A Estrutura da Bolha de Sabão. Publicado pela primeira vez sob o nome de Filhos Pródigos em 1978, o livro junta oito contos narrados por personagens variados, em que a grande brincadeira fica por conta das transições entre realidade e pensamento.
No único encontro do mês, os membros do Clube discutiram as entrelinhas do texto e tentaram desvendar os encantos por trás do ar enigmático da linguagem utilizada pela autora. Entre os comentários, a sutileza ao emparelhar o intrínseco dos personagens e o mundo externo a suas individualidades, os leitores do Persona destacaram a objetividade com a qual Lygia especulava a complexidade humana.
A capacidade de organizar as palavras como charadas condutoras de uma narrativa particularmente imprevisível e aberta a tantas possibilidades também foi um dos destaques da discussão. Além disso, as reflexões sobre o fator que unia tantas histórias diferentes em um produto só deu espaço para os leitores criarem suas próprias teorias. E seja pela tensão que ronda as relações interpessoais e intimistas ou pela certeza dos desenlaces decepcionantes, a conclusão foi que, se Lygia descobriu os segredos da estrutura da bolha de sabão, ela não pretendia deixá-la às claras.
A política e discussões socioculturais abraçadas pela obra não foram esquecidas, e os retratos de conflitos, preconceitos e desigualdade reafirmaram a imagem de uma autora ousada e sabiamente desafiadora. Ainda, a leitura de A Estrutura da Bolha de Sabão resgatou nas memórias as narrativas de Hilda Hilst e Clarice Lispector, mostrando como mesmo seus pontos em comum se exprimem com uma singularidade incomparável.
A leitura do mês expulsou a temida Lygia dos vestibulares e deu a sua obra um passe para a imortalidade. Nesse cenário tomado por despedidas e eternização, a Literatura não pretende deixar saudade, então fique agora com as indicações dos membros do Clube do Livro para o Estante do Persona de Abril.
“Como você imagina o futuro?”. Essa é a pergunta feita emC’mon C’mon ou Sempre em Frente, no título nacional, lançado em 2021 pela já consagrada produtora A24. No entanto, é o passado e a construção da memória que parecem permear o desenvolvimento da trama. O novo longa de Mike Mills dá continuidade à sua assinatura cinematográfica de teor sentimental, poético e autobiográfico. Enquanto filmes como Toda Forma de Amor e Mulheres do Século 20 são inspirados, respectivamente, nas figuras paterna e materna do diretor e roteirista, C’mon C’mon nasce de sua experiência cuidando do próprio filho.
Se você está procurando algo fofo e divertido, mas que tenha sua pitada de realidade e lição de vida, Red: Crescer é uma Fera é o filme certo. Mantendo uma estética focada nos anos 2000, a era dos tamagotchis e boy bands, a animação esbanja fofura, musicalidade e tradição. Lançado em março de 2022, o longa animado faz parte do conjunto de produções da Pixar com a Disney, assim como Luca, Soul e Viva: A Vida é uma Festa.
A juventude é a fase da intensidade. De dramas, sensações, desejos e sonhos. Nela, as amizades são eternas, os amores são infinitos num dia, efêmeros no outro, e os problemas são o fim do mundo. É a fase da rebeldia e das descobertas. Há 15 anos, Skins (UK), ou Juventude à Flor da Pele, explorou tudo isso de forma intimista, sob perspectivas de distintos jovens ingleses que tinham uma coisa em comum: a consciência de que crescer não é fácil, mas que amizades, família e empatia tornam o processo menos cruel.
Triângulos amorosos, traições, paixões não correspondidas, festas, pais controladores e jovens que desejam embarcar em suas próprias jornadas de autodescoberta. É a clássica receita de uma boa e trivial série teen que tem como pano de fundo as amizades e os amores vivenciados nos pátios do tão temido Ensino Médio. Em De Volta aos 15, as mesmas situações aparecem. No entanto, a configuração das narrativas escolhidas, e a forma com as quais são trazidas para a trama, mostram que a obra é bem mais que uma simples comédia romântica adolescente da Netflix.