Verão de 85: ele só quer, só pensa em namorar

Cena do filme Verão de 85. Nela, dois adolescentes brancos andam em um parque de diversões à noite, eles se olham e sorriem um para o outro.
Além de ter sido parte da Seleção Oficial de Cannes 2020, o penúltimo filme do Festival do Rio 2021 concorreu a 12 prêmios César, o Oscar francês (Foto: FOZ)

Vitor Evangelista

Os anos da adolescência são responsáveis pelo florescer dos mais ardentes sentimentos, para o bem e para o mal. Numa França utópica dos anos oitenta, Alexis (papel do travesso Félix Lefebvre) conhece David (Benjamin Voisin), e o resto é história. História essa contada no danado Verão de 85, filme dirigido por François Ozon e presente na reta final do Festival do Rio 2021.

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Ainda Há Tempo: não precisamos perdoar pais monstruosos

Cena do filme Ainda Há Tempo. Podemos ver o pai Willis, idoso, e seu filho, John, adulto, sentados na sala brigando. Willis está com a mão próxima da cara de John e gritando. Ambos são homens brancos de cabelos claros. A sala possui arquitetura rural dos Estados Unidos dos anos 80.
Ainda Há Tempo é o filme em cartaz no décimo segundo dia do Festival do Rio 2021 (Foto: Perceval Pictures)

Jho Brunhara

Viggo Mortensen já é um rostinho conhecido em Hollywood. O ator estadunidense encarnou Ben em Capitão Fantástico, e Tony Lipp no terrível Green Book. Em Ainda Há Tempo, a primeira investida de Mortensen atrás das câmeras, somos apresentados para um filme não só dirigido por ele, mas também escrito, produzido, atuado e embalado por uma trilha sonora composta pelo mesmo. O longa chega de forma muito tardia ao Brasil por motivos pandêmicos (sua primeira exibição foi em janeiro de 2020), através do Festival do Rio 2021, e a qualidade da produção, infelizmente, não é suficiente para compensar a demora.  

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DNA e todas as outras coisas que compõem uma identidade

Cena do filme DNA. A imagem é retangular a mostra duas mulheres, dos ombros para cima. É de dia e elas estão numa estação de trem, que aparece no fundo desfocado. As mulheres se olham, uma de frente para a outra e de lado para a imagem, segurando os rostos uma da outra. Ambas vestem camisas jeans e têm os cabelos castanhos levemente ondulados. Elas sorriem.
Singelo e significativo, DNA é um dos destaques do Festival do Rio 2021 (UniFrance)

Raquel Dutra

O décimo primeiro dia do Festival do Rio 2021 ficou por conta da direção e protagonismo da cineasta francesa Maïwenn e seu DNA. Vindo da Seleção Oficial do Festival de Cannes 2020, o filme contempla aspectos da vida de sua criadora no centro de uma família que carrega a ascendência argelina de um amado avô, exilado no colonizador europeu e inflamado de saudade da sua terra natal. Pelo toque diretora, o drama se desenrola com vislumbres políticos e risos sagazes, indo em direção à uma obra rica em camadas que pulsa um desejo de compreensão de origem, herança, laços e identidade.

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A Boa Esposa: às vezes, é melhor ficar para titia

Cena do filme A Boa Esposa. Há duas mulheres na foto, em meio a um jardim de flores. A frente e à direita, uma delas está com os trajes de freira, segurando flores vermelhas e laranjas nas mãos. A outra está à esquerda e mais para trás, usando blusa e saia rosa com uma tesoura em uma mão e flores na outra.
Morno mas divertido, A Boa Esposa não chama muita atenção entre os escolhidos do Festival do Rio (Foto: California Filmes)

Caroline Campos

Pilar nº1: a boa esposa é, antes de tudo, a companheira do marido. Pilar nº 2: uma verdadeira dona de casa deve cumprir suas tarefas cotidianas. Pilar nº 3: ser uma boa dona de casa é saber manter seu orçamento, sempre de olho em uma constante economia. Pilar nº 4: ser dona de casa é ser guardiã da higiene corporal e doméstica de todos na casa. Pilar nº 5: primeira a se levantar, última a se deitar. Pilar nº 6: a boa dona de casa não consome bebida alcoólica. Pilar nº 7: saber que o trabalho representa para o homem, às vezes uma alegria, em geral uma obrigação. 

Parece algo saído diretamente do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos de Damares Alves, não é? Na verdade, essa é a base curricular da Escola de Moças Van der Beck, internato no interior da França administrado pelo senhor Robert Van der Beck e sua belíssima esposa, Paulette. De lá, saem apenas jovens moldadas para se tornarem donas de casa esplêndidas e dedicadas exclusivamente à suas famílias; a verdadeira nata da sociedade. Direto da Alsácia para a Cidade Maravilhosa, A Boa Esposa foi o décimo filme exibido no Festival do Rio 2021.

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As experiências visuais do 5º Festival Ecrã

Entre longas, médias, curtas, videoartes, artes imersivas e games, Julho de 2021 nos trouxe as experimentações artísticas e sensoriais do 5º Festival Ecrã (Arte: Vitor Tenca/Texto de Abertura: Caio Machado e João Batista Signorelli)

Depois da jornada através do Cinema Fantástico que foi o Fantaspoa XVII, o Persona volta para o mundo dos festivais de Cinema, mas desta vez se aproximando ainda mais do experimental e incomum. A 5ª edição do Festival Ecrã de Experimentações Audiovisuais nos levou por caminhos dos mais abstratos, passando pelo intrigante, profundo, ou simplesmente incompreensível. De narrativas estruturadas à experiências puramente estéticas, o Ecrã foi online, gratuito e apresentou, além de longas e curtas, outras das inúmeras possibilidades proporcionadas pelo audiovisual: videoartes, performances, instalações, artes interativas e até mesmo games marcaram presença no festival que aceita tudo, menos o convencional e o conformista. 

O Festival surgiu timidamente em 2017, com apenas 10 obras ao longo de 2 dias, e cresceu a cada ano até explodir em 2020, em sua primeira edição online, quando deu a uma enorme quantidade de cinéfilos, órfãos das salas de cinema e sedentos por novidades, a chance de descobrir dezenas de obras audiovisuais inovadoras. Em sua 5ª edição, realizada de 15 a 25 de julho, o jovem festival permanece independente de patrocinadores e sem cobrar um único centavo de seus espectadores, o que significa que o evento precisa buscar meios alternativos para se manter financeiramente. Por isso, o Ecrã abriu uma campanha de financiamento coletivo para esta edição, com a qual é possível contribuir até o dia 15 de agosto. 

Através de uma plataforma própria, a quinta edição teve uma curadoria heterogênea como toda seleção de um Festival experimental deve ser. Trazendo desde obras de cineastas essenciais para o Cinema de vanguarda mundial, como James Benning e Ken Jacobs, à produções estudantis saídas diretamente das universidades brasileiras, o Ecrã ofereceu um panorama amplo de produções nacionais e internacionais das mais diversas, que buscam romper as fronteiras e arrebentar as caixinhas do tradicional e do óbvio. 

Das 120 produções presentes na programação do Festival, o Persona assistiu 40, todas comentadas a seguir por Caio Machado, Caroline Campos, Gabriel Gatti, Gabriel Oliveira F. Arruda, João Batista Signorelli e Vitor Evangelista. Nos 10 dias de Festival, vimos um pouco de tudo: filmes macabros, engraçados, surpreendentes, incômodos, ou apenas abstratos demais para serem descritos. Se você quer sair do óbvio e passar longe do previsível, pode ter certeza que logo abaixo encontrará material de sobra para se interessar. 

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De Volta à Itália? Era melhor ter ficado em casa!

Cena do filme Made in Italy. A cena mostra Liam e seu filho Micheál no carro, eles sao brancos e está de dia.
Até agora, o sétimo filme do Festival do Rio 2021 é o menos interessante da seleção (Foto: Ingenious Media)

Vitor Evangelista

De Volta à Itália, drama cômico que coloca pai e filho na vida real para contracenarem uma história quase biográfica, recebeu a cruel tarefa de se fazer presente na seleção do Festival do Rio 2021. Cruel pois, espremido entre os inquestionáveis, magnânimos e escaldantes Quo Vadis, Aida? e Dias Melhores, o filme de Liam Neeson soa como um exercício fracassado de emoção, entrega e conclusão. 

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Edifício Gagarine: as máquinas de demolição não destroem sonhos

Cena do filme Edifício Gagarine. Ao centro da foto está Youri, um jovem negro vestindo um macacão de astronauta. Ele é visto de cima, flutuando ao centro de uma escada quadrada em caracol. Ele olha para cima.
O drama francês é um dos 15 filmes da programação da Edição Especial do Festival do Rio 2021 (Foto: Haut et Court)

João Batista Signorelli

Em 1963, o astronauta soviético Yuri Gagarin, primeiro homem a realizar uma viagem espacial, foi à França com uma missão: participar da inauguração de um moderno conjunto habitacional que levava o seu nome, erguido pelo Partido Comunista Francês. Décadas depois, acompanhando o declínio do partido, o enorme edifício sem manutenção entrou em decadência, até vir a ser demolido entre 2019 e 2020, em um longo processo que durou cerca de 16 meses. Em meio à destruição, a dupla Fanny Liatard e Jérémy Trouilh encontrou a delicadeza, que tomou a forma de filme em Edifício Gagarine, filme francês exibido no quinto dia do Festival do Rio 2021

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Esquiando por temas frios, Slalom sobe ao pódio

Cena do filme Slalom. No canto direito temos Lyz. Uma garota branca de cabelos lisos e pretos. Ela está de lado e veste um uniforme azul. Ela está segurando duas pranchas de esqui. O fundo é uma montanha com neve branca.
Presente na seleção do Festival do Rio 2021, Slalom – Até o Limite retrata o abuso sexual no Esporte (Foto: Jour2fête)

Ana Júlia Trevisan

Estamos cada dia mais imersos nas Olimpíadas de Tóquio. A última vez que assistimos aos jogos, eles aconteciam em solo brasileiro, na Cidade Maravilhosa. Um dos grandes destaques do Rio 2016 foi a ginasta Simone Biles, que conquistou quatro medalhas de ouro, batendo recordes. Em 2018, ela revelou ter ser uma das mais de 100 vítimas de abuso sexual cometido pelo ex-médico da Federação de Ginástica dos Estados Unidos, Larry Nassar. É nesse pavoroso mundo onde a realidade se torna o pior pesadelo que é ambientando Slalom – Até o Limite.

Terceiro filme a ser exibido no Festival do Rio 2021, o longa integrou a Seleção Oficial do Festival de Cannes 2020, e marca com dor e talento a estreia da roteirista e diretora francesa Charlène Favier. A história da promissora esquiadora que sonha em chegar com seu esporte às Olimpíadas é, em partes, inspirada na própria biografia de sua criadora, que molda a garota com suas experiências pessoais. A atuação de Noée Abita merece, também, todo o destaque, pela coragem e força em encarnar essa personagem e defender seus anseios.

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Caros Camaradas!: o silenciamento das massas fala mais alto do que a injustiça

imagem em branco e preto de uma mulher loira com os cabelos presos, de perfil, com olhar triste, vestindo uma jaqueta. No plano mais a direita está escrito Caros Camaradas! Trabalhadores em Luta em preto. O fundo exibe imagens borradas e sombras de protestos.
Presente na seleção do Festival do Rio 2021, Caros Camaradas! traz em sua narrativa um dualismo documental (Foto: Production Center of Andrei Konchalovsky)

Gabriel Gatti

A Revolução Russa de 1917 ocorreu em dois levantes, sendo o primeiro em fevereiro, no qual os revolucionários lutaram contra a monarquia do czar Nicolau II. O segundo, que aconteceu em outubro, começou a implantar os ideais socialistas. Porém, o sonho da igualdade foi muito mais conturbado do que as massas russas poderiam imaginar. O aumento do preço dos produtos do dia a dia e a redução do salário fez com que milhares de trabalhadores fossem às ruas de Novocherkassk, no dia 2 de junho de 1962. É justamente a história desse protesto que Andrei Konchalovsky conta no filme Caros Camaradas!, presente no Festival do Rio 2021.

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A sensível narrativa de OMORI: depressão e trauma

A jornada pela mente fragmentada de um protagonista não-confiável e a busca pela superação

A imagem é um desenho e apresenta cores em tons pastéis. Em um espelho flutuante, é possível ver o reflexo do personagem Omori - o único que está em preto e branco, com uma expressão apática no rosto. À sua direita, Kel, um personagem com uma blusa quadriculada e colorida, cabelo nos ombros e um sorriso grande. À esquerda, Aubrey, uma menina, mais baixa que os outros e de aspecto fofo, com um sorriso tímido e um lacinho rosa no cabelo. Atrás de todos, Hero, com um sorriso carinhoso.
Um espelho flutuante; seus amigos sorriem carinhosamente atrás de você (Foto: OMOCAT)

Isabela Batistella

Com a produção do jogo datando desde 2014, OMORI foi publicado na Steam (plataforma de jogos online para PC/Mac) no dia 25 de dezembro de 2020, pela desenvolvedora e ilustradora independente OMOCAT. Baseado na webcomic da diretora, hikikomori – termo em japonês que se refere a um indivíduo que escolheu se isolar socialmente por extensos períodos de tempo – a história segue a trajetória de Sunny e seu alter ego Omori, explorando um mundo de sonhos surreais e a realidade.  

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