A destemida ideia de transformar em ficção o crime envolvendo a família Von Richthofen não poderia ser mais ousada. O conturbado cenário do Cinema nacional, que encontra no público do país um asco à qualquer obra que fuja dos “bons costumes” ou da comédia irreverente que a Globo germinou na última década, é carente de filmes corajosos o bastante para, na mesma moeda, adereçar temas sensíveis e fazê-lo ao alcance do grande público. Com isso, A Menina que Matou os Pais já nasceu com promessa de grandeza.
Como todo 2021 até agora, Maio foi um mês difícil. Dentro de casa, é impossível medir o tamanho da perda que foi o falecimento do brilhante Paulo Gustavo e das tantas vítimas da pandemia, ainda descontrolada no país. Partiu também a atriz Eva Wilma, face marcante da arte nacional, em decorrência de um câncer de ovário. Outra presença marcante e histórica do mês foi o centenário de Ruth de Souza, a primeira brasileira indicada a um prêmio internacional de cinema (Melhor Atriz em Veneza, por Sinhá Moça) e primeira atriz negra a atuar no Theatro Municipal.
Revelando o caráter frágil da manutenção da Arte no Brasil, a Suíça nos incluiu em um fundo para cineastas de países com democracia ameaçada, lado a lado com Sudão, Ucrânia, Irã, Iraque, Síria e Turquia. Enquanto o Governo tenta liquidar qualquer opinião que não concorde com a sua, o Cineclube Persona de Maio de 2021 segue na cruzada de defender a Arte e suas diversas manifestações. No texto abaixo, a Editoria e seus Colaboradores mergulharam no Cinema e na TV deste que é o último mês de elegibilidade para o Emmy, marcado para acontecer no meio de setembro.
Com fome do prêmio máximo das telinhas, a Netflix apostou em algumas frontes distintas. Halston retomou a parceria do streaming com Ryan Murphy, de praxe dando a Ewan McGregor o flamboyant necessário para elevar o drama histórico que entrelaça fama e Moda. Special finalizou sua sorridente trama, O Método Kominsky fechou as portas sem sua dupla dinâmica completa e Master of None deu um cavalo-de-pau e entregou uma trama diferente e ainda mais madura, com direito a subtítulo chique (Moments in Love) e um foco principal na personagem de Lena Waithe.
No Amazon Prime Video, Barry Jenkins se dedicou à The Underground Railroad, uma minissérie exorbitante, polida e bem cuidada, encabeçada por uma novata de ouro e um elenco de apoio que sustenta a trama violenta e poética. A HBO apostou em Mare of Easttown, seu programa semanal de domingo, que finalizou sua rodagem no fim do mês. Tem Kate Winslet, Jean Smart e a receita para ficar na boca do povo por um bom tempo. O suprassumo da TV ainda investiu em Oslo, telefilme com o charmoso Andrew Scott, também de olho no Emmy.
A parte 2 da temporada cinco de Lucifer finalmente foi disponibilizada, reafirmando o poder da Netflix em explodir em audiência suas franquias mais famosas. O gênero do true crime encontrou novidades em Os Filhos de Sam: Loucura e Conspiração e The Circle US ganhou uma nova leva de capítulos Castlevania continua impressionando no quarto ciclo, e o Volume 2 de Love, Death + Robots foi menor que o esperado, mas sem perder a acidez característica da antologia.
Na TV aberta dos Estados Unidos, This Is Us chutou a porta com o gancho que encerrou a quinta temporada, fazendo com que a audiência não pare de pensar em quem vai casar até 2022, data marcada para o retorno do sexto e último ano das crônicas da Família Pearson. Zoey e Sua Fantástica Playlist continua crescendo em audiência e falatório, carregada pelo talento de Jane Levy. O elenco de Friends se reuniu por quase duas horas, chorou o que tinha para chorar e deu adeus, ao lado dos mais diversos convidados, indo de Justin Bieber à BTS (vai entender).
O sucesso do mês foi a Cruella de Emma Stone, espevitada e elétrica, um show de qualidades e de looks icônicos. A Netflix acertou com o dramático Monstro, e errou feio com o Frankenstein A Mulher na Janela (Amy Adams, pisque duas vezes se você não estiver bem, por favor). Na correria de Maio, sobrou tempo para Zack Snyder brincar com zumbis e Angelina Jolie fugir de fogo.
No Brasil, teve produção excelente (Onde Está Meu Coração) e teve o fim do infinito Big Brother Brasil 21. O Persona dá um geral em tudo que teve de mais impactante nos últimos trinta e um dias, revelando os destaques e as bombas, com espaço reservado para o enaltecimento da melhor figura que 2021 nos deu: volte sempre, Gil do Vigor.
Não vou me prolongar falando da jornada – uso não intencional da palavra – e atitudes em detalhes da rapper Karol Conká durante a sua estadia relâmpago no Big Brother Brasil 21. Mesmo ficando apenas 4 semanas na casa mais vigiada do Brasil, a Mamacita ditou a dinâmica do programa, colocou em destaque personagens da edição e saiu sendo a segunda figura mais odiada do Brasil, título ainda segurado por governantes milicianos, eu espero. Mas o fato é que uma legião sedenta querendo o sangue da mulher preta guardava uma certa expectativa em saber o pós-confinamento de Karol, e isso foi alimentado com o documentário, que na minha humilde opinião, é precoce demais.
O título, quase satírico, A Vida Depois do Tombo foi lançado pelo Globoplay no dia 29 de abril, mas desde a sua primeira prévia, já deu o que falar. O ressentimento do Brasil ainda estava recente quando o documentário, feito às pressas, foi anunciado. A população nacional não estava preparada para uma narrativa redentora de Karol, na verdade não a queria. A posição de criticar seus atos reproduzidos em rede nacional, ameaçar sua família (que não possui culpa alguma), e regozijar do que parecia o declínio da intérprete da canção Tombei, era muito mais confortável.
Dizem as línguas que o entretenimento é uma subcategoria da cultura. Que reality show é a maior porcaria que a TV pode transmitir. Será mesmo? Em anos como 2020 e 2021, que fomos forçados a ficar trancados em casa, assistir um bando de subcelebridades, famosos e desconhecidos conviverem com todas as glórias e percalços da índole humana preencheu nosso tempo ocioso e nos devolveu um pouco do sentido de viver.
E é disso que se alimentam os realities: ninguém assiste mais pelos corpos sarados e os casais claramente calculados, muito menos esperando mentes brilhantes e evolução espiritual. Guillermo del Toro já disse sobre os monstros, eles são fascinantes e identificáveis pois não tem a obrigação de serem perfeitos. E é por esse mesmo motivo que assistimos os BBBs e Fazendas da vida, porque podemos transformar humanos reais em nossas próprias personagens.