Vitor Evangelista
O longa de estreia de Bahman Tavoosi não poderia ser mais sensível. Celebrando tanto os 50 anos da morte de Che Guevara quanto a vida e o legado da professora Julia (Barbara Flores), o filme funciona como uma homenagem às memórias de ontem. Os Nomes das Flores é parte da Competição Novos Diretores da 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
Meio século depois da morte do símbolo de revolução da América Latina, uma cidadezinha da Bolívia convida uma professora aposentada para falar no evento. Ela clama que ‘abrigou membros da guerrilha e serviu-lhes uma sopa de amendoim, enquanto Che recitava um poema sobre flores, poucas horas antes de morrer’. Só que tem um porém: outras mulheres aparecem contando a mesma história.
Julia então é (nada delicadamente) convidada a não voltar para o local, mas teimosa que só, ela não acata as ordens e caminha longas distâncias até o colégio, diariamente, com o buquê de flores e a panela de sopa em mãos. O roteiro, também responsabilidade do iraniano-canadense Bahman Tavoosi, usa de uma figura narradora para contar os passos da maestra aposentada.
A dona da vagarosa e poética voz é Susana Condori. Seu timbre e entonação transportam quem assiste à uma aura de conto de fadas, por mais que os acontecimentos em momento algum pareçam que terminarão num ‘felizes para sempre’. E, paralelo às caminhadas de Julia e um vizinho que a acompanha, o filme mostra os responsáveis pelo evento na busca da ‘real’ mulher para quem Che recitou a poesia das flores.
Flores essas que são marca registrada da cinematografia de Nicolas Taborga. Em harmonia com o ambiente desértico, os botões floridos são metáfora e beleza. A professora carrega o buquê próximo ao coração, junto da tigela de sopa, quase seu escudo e espada na defesa dos ataques. Julia também não encontra necessidade de bater boca ou contestar o que lhe é dito.
Os Nomes das Flores passa muito tempo em silêncio, deixando que as composições visuais falem mais alto. As nuvens montanhosas nublam a narrativa, que percorreu os 79 minutos desfazendo a comum e estereotipada associação entre pobreza e simplicidade. Julia vive num casebre de madeira, com poucos bens materiais mas com muita história no coração e no olhar, ela não precisa ostentar fisicalidades para nos convencer que não mente.
E, se estiver mentindo, não importa também. A coprodução entre Canadá, EUA, Bolívia e Catar não tem o objetivo de destrinchar a história da sopa ou culpabilizar alguém. Julia não argumenta, Julia não chora ou mesmo grita pela injustiça. Ao invés disso, Julia caminha, sem parar, perseverante e imponente, a verdade dela é a única que lhe cabe ou pesa.
Construindo a obra mais tocante que poderia realizar, o trabalho de Bahman Tavoosi é uma carta de amor à velhice, ao legado e às vovós. O semblante e porte de Julia se encaixam na figura clássica da ‘avó do cinema’, algo que Viva – A Vida é uma Festa e A Despedida já haviam feito alguns anos atrás. Os Nomes das Flores emociona justamente por tocar notas tão próximas às de casa, e ainda bem que o faz.