Caio Machado
O primeiro Esquadrão Suicida foi lançado em 2016, ainda numa tentativa de construir um universo cinematográfico dos personagens da DC Comics para rivalizar com a Marvel. O filme dirigido por David Ayer foi um sucesso de bilheteria, mas um fracasso de crítica. Em 2018, o diretor James Gunn, conhecido pelos dois Guardiões da Galáxia, foi contratado pela Warner para fazer um novo filme do grupo de supervilões, com liberdade criativa para tomar rumos diferentes da obra de Ayer. Na época, a contratação ocorreu depois da Disney ter demitido Gunn da direção de Guardiões da Galáxia Vol. 3 devido à polêmica envolvendo tweets antigos do cineasta que faziam piadas de mau gosto envolvendo estupro e pedofilia. Em 2019, Gunn foi recontratado pela Disney, mas o diretor já estava envolvido na produção de O Esquadrão Suicida.
Agora, em 2021, o filme finalmente foi lançado e acerta em tudo que seu antecessor tinha falhado. Na trama, o governo dos Estados Unidos envia a equipe dos criminosos mais perigosos do planeta para a ilha remota de Corto Maltese, repleta de inimigos. Armados e acompanhados pelo Coronel Rick Flag (Joel Kinnaman), eles viajam pela selva numa perigosa missão para destruir um laboratório que abriga um experimento capaz de ameaçar o mundo como conhecemos.
A diferença principal entre O Esquadrão Suicida e o filme de 2016 está no tom. Aqui, há um deboche e ironia muito maiores. A direção de James Gunn, sempre inquieta com seus giros de câmera e zoom-ins bruscos, evidencia um contraste entre a bobagem e a seriedade ao colocar seus personagens para cometerem assassinatos violentos a mando do governo, vestidos com roupas tão chamativas que parecem prontos para o Carnaval e se comportando como adolescentes nervosos. O humor mais sujo, para combinar com a censura alta do filme, serve para deixar clara a consciência que Gunn tem do quanto os personagens e a situação na qual estão inseridos são ridículos e convida o público para rir deles também.
Para contrapor com a sujeira, O Esquadrão Suicida também faz alguns desvios na rota, desacelerando o ritmo e demonstrando uma sensibilidade maior quando não está acontecendo um banho de sangue na tela. É através desses momentos banais, como uma conversa num ônibus durante a noite ou uma gargalhada num barzinho, que o filme deixa de lado um cinismo maldoso para dar lugar à emotividade, oferecendo um vislumbre do passado dos membros do Esquadrão.
Nessas cenas tocantes, sabemos mais da vida difícil da Caça-Ratos 2 (Daniela Melchior) nas ruas, a relação abusiva de Sanguinário (Idris Elba) com o pai e o grande trauma que o excêntrico Bolinha (David Dastmalchian) tem com a mãe, o que faz com que a veja em todos os lugares. Até mesmo Nanaue, o tubarão humanoide meio bobão (e de poucas palavras) dublado por Sylvester Stallone, tem seu momento de humanização. Esse breve aprofundamento faz com que nos importemos com eles por exporem seu lado mais frágil, fora das demonstrações de força que o combate exige. No fundo, eles são resultados de ambientes hostis que não os favoreceram de jeito nenhum.
Em relação aos outros “heróis” da equipe, Arlequina (Margot Robbie) tem sua própria aventura, separada do grupo em boa parte do longa. Carregado de amor, decepção, cores e violência, o percurso percorrido pela personagem funciona como uma emancipação do olhar machista que esteve sobre ela no primeiro Esquadrão. É um arco narrativo que acabou combinando por acaso com o filme anterior da personagem, Aves de Rapina, já que o diretor não sabia de sua produção enquanto ele escrevia o roteiro.
Harley só é inserida de vez na dinâmica do grupo pouco antes da ação final, que é onde James Gunn não poupa ninguém dessa equipe que aprendemos a gostar. A sequência violenta logo no início, que conta com atores conhecidos, como Pete Davidson, Nathan Fillion e Michael Rooker, já deixava claro o quanto os supercriminosos são facilmente descartáveis e o clímax reforça isso ainda mais.
Ao ver um personagem sendo fuzilado, outro colidindo com paredes como se estivesse num episódio dos Looney Tunes e um terceiro sendo esmagado sem misericórdia, parece que Gunn os pune por terem feito escolhas erradas na vida e terem acabado ali, no lugar errado e na hora errada. Esse sadismo incomoda, mas aparece em cenas tão divertidas de acompanhar, carregadas de exibicionismo e uma câmera lenta que deixa tudo parecendo um grande videoclipe, que acaba passando despercebido.
Outro ponto onde O Esquadrão Suicida causa incômodos é em relação à sua trama política. O roteiro, escrito também por Gunn, deixa claro o caráter intervencionista da missão: a equipe está indo para lá com o objetivo de destruir um projeto que prejudica os “interesses norte-americanos”.
Mais tarde, quando descobre-se que o verdadeiro objetivo é uma queima de arquivo, o filme acrescenta mais tensão à situação e mostra que existe a possibilidade dos segredos do governo estadunidense vazarem para a grande imprensa. Porém, no fim de The Suicide Squad, isso é jogado no lixo quando opta-se por manter as informações escondidas. Uma fala de Sanguinário para a Caça-Ratos 2 resume bem a mensagem intimidadora de O Esquadrão Suicida: manter a reputação dos Estados Unidos é essencial e quem ousar questioná-la pode ser punido ou com a prisão ou com uma morte sem misericórdia.
Alguns podem argumentar que isso funciona como uma crítica à dominação norte-americana, mas como? Pela forma como aparece no filme, personificada na figura do Pacificador (John Cena), parece mais uma tentativa torpe de agradar a todos, seja qual for sua posição política. Se esconde atrás de piadinhas bobas e do deboche para disfarçar o quanto é reacionário.
Em relação a outros filmes da DC, O Esquadrão Suicida oferece um caminho interessante a ser seguido. Abraça o exagero das histórias em quadrinhos e entrega uma experiência divertida, colorida e de uma humanidade inesperada. No entanto, por mais que tente, sua atitude irônica não consegue esconder uma mensagem política bem problemática diante do contexto mundial. Isso não dá para ignorar.