João Batista Signorelli
Quando o assunto é romance, os anos 50 e 60 estão cheios de clássicas histórias de amor, dos melodramas de Douglas Sirk, à comédia romântica de Bonequinha de Luxo. Caso tivesse sido lançado há 60 anos atrás, O Amor de Sylvie facilmente poderia se disfarçar em meio a esse cânone, não fosse um diferencial importante: o casal principal é formado por atores negros, algo simplesmente inexistente na filmografia hollywoodiana da época. Mas a atenção para vivências não contadas do passado é apenas um dos méritos de O Amor de Sylvie: uma história de amor tecnicamente impecável e com uma atmosfera deliciosamente nostálgica.
Adquirido pela Amazon durante o Festival de Sundance do ano passado, o filme de Eugene Ashe foi lançado timidamente pelo Amazon Prime Video no natal, acompanhado de uma série de indicações em premiações para filme televisivo. No Emmy 2021 não foi esquecido, e chega à premiação como o favorito na categoria de Melhor Telefilme, ainda que seja a sua única indicação. Esquecido nas categorias técnicas onde competiria com Séries Limitadas de peso como WandaVision e O Gambito da Rainha, O Amor de Sylvie tem grandes chances de superar Oslo e Tio Frank, garantindo o troféu na categoria.
O diretor Eugene Ashe encontrou inspiração na contradição que identificou ao comparar clássicos como Nosso Amor de Ontem com as fotos antigas de sua família, da mesma época. Ao mesmo tempo que, com raríssimas exceções, os romances daquele período não traziam atores negros em seu elenco, as obras contemporâneas que retratam a experiência negra norte-americana na década de 60 têm focado nos movimentos pelos direitos civis e nas importantes transformações sociais, raramente retratando o cotidiano e as experiências da vida privada como as encontradas nas fotos da família de Ashe. Com isso, sua principal intenção em Sylvie’s Love é narrar agora uma das muitas histórias que lá atrás poderiam ter sido vividas e pelo Cinema retratadas, mas que as circunstâncias culturais e sociais infelizmente não permitiram.
Acompanhando o relacionamento entre Robert Halloway, um saxofonista de jazz em ascensão (Nnamdi Asomugha), e Sylvie Parker, uma aspirante a produtora de televisão (uma elegantíssima Tessa Thompson), o filme segue o casal e seus obstáculos para permanecerem juntos ao longo de vários anos entre as décadas de 50 e 60. Embalados pela trilha sonora de jazz somada a um banho de referências à Música daquele período, o amor do casal principal é desafiado pelas próprias carreiras e sonhos de ambos, que para se manterem juntos precisam entender onde realmente querem estar. Conforme repete Robert várias vezes, “a vida é curta demais para desperdiçar o tempo com coisas que você não ama absolutamente”, e sua história com Sylvie é justamente sobre ambos fazendo essa escolha.
A história do casal e o amadurecimento dos personagens são atravessados por um período de grandes transformações, seja na moda, na Música, na cultura em geral, ou nos direitos e oportunidades para as minorias sociais. Na narrativa, elas surgem de modo orgânico, ganhando evidência nos contrastes das duas partes do filme, separadas por um intervalo de 5 anos, tempo suficiente para que o universo externo e interno de Robert e Sylvie pudesse ser completamente transformado.
Se no início o sonho de Sylvie de construir uma carreira na Televisão parecia mera utopia distante, e a banda de Robert se encontra em seus dias de glória, a década seguinte subverte os seus destinos, participando da vida do casal de modo ambíguo. Sylvie vai aos poucos ascendendo como produtora de TV em sua tão sonhada carreira, ao mesmo tempo que o cool jazz de Robert vai perdendo relevância para novos gêneros e artistas que despontavam naquela década. As inevitáveis mudanças acompanham o desenvolvimento do casal, ao mesmo tempo que eles se adaptam e se transformam com elas.
A direção de arte, a iluminação e os figurinos também são elementos essenciais para a construção da representação dessa passagem de épocas distintas, e da própria situação de vida e relacionamento dos personagens. O passado glamouroso do auge da paixão é banhado de vermelhos e azuis sedutores e vibrantes, enquanto na fase seguinte predominam o amarelo, o laranja e o verde em tons mais domésticos. As cores vívidas somadas à fotografia granulada em 16mm constroem perfeitamente a atmosfera nostálgica que Eugene Ashe pretende criar, transportando-nos de volta àquela era das histórias de amor inocentes.
O Amor de Sylvie é uma bela homenagem ao Cinema clássico hollywoodiano, mas não se limita à simples veneração do passado. Pelo contrário, o filme vem justamente para preencher uma lacuna, e contar uma história simples e singela como tantas, mas de uma forma que as estruturas da indústria cinematográfica da época ignoravam a importância. É uma história de amor como tantas outras já vistas centenas de vezes na tela, mas que, ao ser contada de uma perspectiva singular, evidencia que a mais familiar das narrativas merece sim ser contada se a História, em qualquer momento que seja, não o tenha permitido.