Nathalia Tetzner e Thuani Barbosa
Retratando um cenário particular que reflete as diferentes realidades da maternidade, Maid exibe com fidelidade o machismo e a falta de oportunidade vivenciada por mães que sofrem com algum tipo de violência. A minissérie original da Netflix estreou arrebatando emoções e nos obrigando a preparar os lencinhos. Jovem, Alex (Margaret Qualley) larga os estudos e o sonho de ser escritora para cuidar da filha Maddy (Rylea Nevaeh Whittet), mal sabendo que no futuro, o conjunto de registros realizados durante o seu trabalho como faxineira a salvariam.
Inspirado no livro Maid: Hard Work, Low Pay and a Mother’s Will to Survive, que conta a história da adolescência e maternidade de Stephanie Land, o drama conta com a direção de John Wells, produtor da aclamada série Shameless. A estreia foi bem recebida pelo público, ficando vários dias entre as mais assistidas no Brasil. O seriado aborda as vivências de Stephanie de forma muito sensível e verdadeira, contendo cenas extremamente sentimentais e subjetivas, daquelas em que o público pode sentir o que o personagem sente, criando uma espécie de aproximação e intimidade.
Ao som da música predileta de Maddy, Shoop do grupo Salt-N-Pepa, Alex e sua filha dirigem sem rumo para longe do trailer conturbado no meio da floresta. Graças ao roteiro de Molly Smith Metzler, além de não conseguir tirar o refrão viciante da cabeça, a audiência também se solidariza com as personagens logo no início da trama. Fato que acaba sendo ótimo e terrível ao mesmo tempo: cada reviravolta do enredo é sentida como um soco no estômago por quem assiste.
Grande parte dos episódios é dedicada a exibir as dificuldades financeiras enfrentadas por Alex, que foge de um relacionamento aprisionador que a privou de seu dinheiro e trabalho. Assim, ela recorre aos auxílios do governo, mas eles vem com toneladas de burocracia, criando uma sensação de inferioridade que a faz em certos momentos viver situações irreais onde é humilhada. Como, por exemplo, quando imagina estar sendo chamada de desempregada fracassada e inútil. Fato que se torna um ponto a menos para a meritocracia, já que ela precisa e realmente merece ajuda para ter uma vida melhor, mas as condições para conseguir são tão adversas que tornam a ajuda governamental despreparada.
Esbanjando histórias reais, a criação conta com a atuação de Margaret Qualley e Andie MacDowell (Paula), como mãe e filha. Além de dividirem a tela, elas compartilham dos mesmos genes talentosos, extraindo o melhor da intimidade familiar para as cenas em que contracenam, por mais que vivam em pé de guerra devido a leviandade de Paula e as exigências de Alex para colocá-la na linha, mas esses podem ser considerados os menores problemas. Paula vive em constante negação sobre a violência psicológica e financeira que a consome, sempre se envolvendo em relacionamentos infundados com homens que sem real interesse nela.
Através de uma decisão criativa assustadora, a tomada de consciência sobre o ciclo de abuso vivido por Alex ocorre com a narrativa de um ladrão que realmente existe, o Billy Pé Descalço. Para satisfazer o roteiro, o roubo de salgadinhos e a relação conturbada com a mãe definem o adolescente na minissérie. Obcecada em entender os cadeados e a coleção nazista do casarão que limpava, a nossa protagonista passa por um processo de identificação com Billy. Trancada no sótão do ladrão é que ela recupera a memória de se esconder nos armários da cozinha enquanto seu pai agredia a sua mãe.
Em projetos que abordam o ponto de vista feminino da sociedade, é de extrema importância saber se por trás das câmeras existe representação. Quem assina a produção de Maid é a LuckyChap Entertainment, empresa comandada pela atriz Margot Robbie e que tem como foco obras desenvolvidas por mulheres. Não por acaso, a minissérie usufrui do mesmo recurso visual presente nos filmes Aves de Rapina: Arlequina e Sua Emancipação Fantabulosa (2020) e Bela Vingança (2020) da mesma equipe. Essa predileção utilizada funciona como um espelhamento de tela, mas dos pensamentos de Alex. Sempre que complicações financeiras surgem, os números de sua conta bancária ou os cálculos de seus custos aparecem na tela, aumentando ou diminuindo.
Além de Alex e Paula, a trama conta com outras vítimas de violência doméstica, como Danielle (Aimee Carrero), moradora do apartamento 23 da casa de acolhimento. Sendo sua terceira vez no abrigo, ela já conhece a burocracia e ajuda Alex a sair do fundo do poço, mostrando a jovem que precisa revidar os estigmas negativos que a sociedade e a justiça impõe às mulheres principalmente as que decidem se rebelar, taxadas como loucas, mentirosas e mães despreparadas. Denise, interpretada por BJ Harrison, é outra peça fundamental para deixar o coração do público ainda mais frágil. As conversas extremamente necessárias que ela tem com Alex servem tanto para a reflexão da protagonista quanto do espectador, acrescendo uma dose a mais de humanidade e carinho.
Chega a ser difícil apontar defeitos na produção devido a extrema qualidade do produto, mas alguns pontos valem ser destacados: a atuação de Nick Robinson como Sean, totalmente diferenciada de tudo que já vimos do ator, acostumado a trabalhar com papéis mais jovens, colegiais e com um quê de bom moço, como em Com Amor, Simon. Além de Robinson, Andie MacDowell demonstrou relutância para aceitar o papel pois via Paula como uma personagem muito desafiadora. Ainda que inesperados, ambos surpreendem em suas performances, mostrando um novo leque de possibilidades artísticas.
Na emocionante cena final, a jovem mãe finalmente caminha com a sua filha até o topo de uma montanha em Missoula, cidade em que ela voltará a estudar para se tornar uma escritora. No ponto mais alto, há um M gigantesco que Alex atribui o seu significado a Maddy e esse novo mundo que será todo dela. Para nós telespectadores, a décima terceira letra do alfabeto nomeia aspectos essenciais de Maid: a maternidade, o machismo e a meritocracia.