Vitória Silva
Uzo Aduba é maior do que podemos imaginar. Nascida no dia 10 de fevereiro de 1981, em Boston, Uzoamaka Nwaneka Aduba é filha de imigrantes nigerianos. Criada em Medfield, ela se formou na Medfield High School, em 1999. Apesar de ter crescido com o sonho de se tornar advogada, seus rumos começaram a mudar quando uma professora a incentivou a cantar mais, e, após performar I Will Always Love You em uma audição, Aduba passou a considerar um futuro mais artístico. Assim veio sua formação em canto lírico, pela Boston University.
Aos 21 anos de idade, em 2003, a norte-americana subiu de vez aos palcos teatrais. Dois anos depois, ela debutou no meio cinematográfico, pelo curta-metragem Notes. Mas a carreira de Uzo Aduba iria, de fato, se iniciar para o grande público apenas em 2013, ao dar vida à personagem Crazy Eyes, em uma das primeiras produções originais da Netflix, Orange is the New Black. Ao interpretar a divertida e complicada Suzanne, Uzo cravou seu nome em Hollywood, conseguindo se destacar em meio ao conturbado presídio de Litchfield. A concretização de seu sucesso viria com sua primeira indicação e vitória no Emmy Awards, como Melhor Atriz Convidada em Série de Comédia.
A partir de algumas mudanças dentro da cerimônia, na segunda temporada, a série passou a ser considerada na categoria de Drama, assim como Uzo se tornou Atriz Coadjuvante, e conquistou mais uma estatueta. Com esse feito, ela é a única a vencer Emmys de Comédia e Drama pela mesma personagem, e não apenas isso: das quatro vitórias de Orange is the New Black na premiação, duas pertencem à ela. Após o fim da produção, em 2019, poderia se pensar que esse também seria um breve adeus à presença de Aduba nas telas, mas, muito pelo contrário. No ano seguinte, ela engatou em Mrs. America, minissérie do FX on Hulu, como Shirley Chisholm, primeira mulher negra a se candidatar à presidência dos EUA. Não surpreendendo mais a ninguém, Uzo Aduba levou para casa o Emmy de Melhor Atriz Coadjuvante em Minissérie ou Telefilme pelo papel.
A pandemia de covid-19 mudou os planos de boa parte do globo terrestre, e o meio cinematográfico foi um dos grande atingidos. Em meio às dificuldades em se promover gravações devido às medidas sanitárias adotadas, a HBO decidiu reviver um de seus nomes de maior sucesso: In Treatment. Adaptação da produção israelense BeTipul, a série estreou em 2008, e se tornou uma das principais criações do canal, acumulando sete indicações ao Emmy e duas vitórias, ao longo de suas três temporadas. A narrativa acompanhava as sessões do doutor Paul Weston, psicoterapeuta interpretado por Gabriel Byrne, com seus pacientes.
A última temporada até então foi lançada em 2010, sem muitas previsões de retorno. No entanto, em função dos empecilhos do atual contexto e a facilidade em se produzir a série, devido ao seu formato simples e com poucos atores em cena, ela foi resgatada como um reboot para uma quarta temporada. Sem Gabriel Byrne voltando para o papel, a protagonista agora é a Dra. Brooke Taylor, interpretada por ninguém mais, ninguém menos, que Uzo Aduba. Seguindo o mesmo formato de antes, o novo ano da trama acompanha as sessões da terapeuta com quatro pacientes: Eladio (Anthony Ramos, de Hamilton), Colin (John Benjamin Hickey, de Jessica Jones), Laila (Quintessa Swindelle, de Euphoria) e, por fim, ela mesma. A narrativa segue 6 semanas de consulta com esses personagens, que totalizam 24 episódios.
Com uma dinâmica diferente do que estamos acostumados, In Treatment conduz a sessão de terapia na sua forma nua e crua, ambientada na sala da casa de Taylor. Resumida quase por completo apenas aos diálogos, descobrimos aos poucos as dores de cada paciente, que vão sendo minuciosamente dissecados pelo tratamento da personagem de Uzo, abrindo uma gaveta de pensamentos conturbados e complexos de cada personalidade. Eladio é um imigrante colombiano, bissexual, diagnosticado com um transtorno de bipolaridade e cuidador de um rapaz de uma família rica. Colin é um homem branco, milionário, recém-saído da prisão por um crime de colarinho branco, que tem que passar por sessões de terapia obrigatórias. E Laila é a representação da geração Z, uma adolescente de 18 anos, rebelde, que é obrigada pela avó (Charlayne Woodard) a fazer o tratamento para deixar de ser lésbica.
A tarefa aqui não é fácil, mas Brooke Taylor consegue contornar muito bem a situação de cada um, e navegar pelas profundezas de seus traumas. Em meio a um roteiro com diálogos metodicamente ardilosos e teatrais, observamos que, de fato, estamos em uma sessão de terapia, até nos pequenos comentários e distrações de cada paciente. E, como todo bom atendimento, ao longo dos minutos, eles vão se despindo de suas carcaças, apresentando suas piores versões e concepções pessoais. Diante da teimosia e dos comportamentos difíceis e reativos, a doutora se vê em um verdadeiro campo de guerra.
Não apenas gravada no contexto pandêmico, a quarta temporada de In Treatment também acompanha a realidade do mundo real, em que é ambientada com o fim da pandemia de covid-19, com os personagens ainda retomando aos poucos para a “vida normal”. A escolha do cenário provoca uma sensação de identificação imensa com os problemas dos pacientes, em que vemos sentimentos à flor da pele e uma série de complicações potencializadas por esse trágico momento. Na figura de Eladio, que ainda tem que passar por atendimentos online devido ao fato de cuidar de uma pessoa com comorbidades, notamos as limitações que as telas nos trazem diante dos diálogos e expressões de nossos sentimentos, além das perturbações do isolamento social.
Ao final de cada semana, saímos da sala de terapia para adentrar à vida da doutora. Além de ter que cavar as problemáticas de cada um de seus pacientes, Brooke também lida com suas próprias angústias. Com a morte recente do seu pai, ela passa por um duro estágio de luto, que a faz reviver o alcoolismo já presente em sua vida. Tal momento se encontra com o histórico da própria atriz, que perdeu sua mãe para uma luta difícil contra o câncer, 10 dias antes de iniciar as gravações da série. Mesmo fora dos uniformes de presidiária, e também em uma figura muito mais contida que Crazy Eyes, a observamos com a mesma sinceridade e força de Suzanne, e nisso Uzo Aduba dá um show.
Diante dessas quatro jornadas que acompanhamos, vemos em cada semana as melhorias e recaídas individuais. Em boa parte, os problemas de Taylor acabam se cruzando com o de seus pacientes, em que toma uma licença poética para se mostrar humana, muito além do pedestal profissional que é colocado à ela. Por mais que aparente ser difícil acompanhar quase 30 minutos de puro diálogo, ficamos hipnotizados pela presença de Uzo Aduba em cena, sua linguagem corporal e o confronto que trava em suas palavras. In Treatment acaba nos levando a debates mais que essenciais sobre questões raciais, o movimento Black Lives Matter, aceitação pessoal, sexualidade, luta de classes e privilégios.
Mesmo em meio a problemas tão particulares, é impossível não se encontrar na imensidão de obstáculos que o quarteto principal enfrenta. Seja pela luta de Eladio em se descobrir e se desprender das amarras da família de ricaços que o abriga, ou pela tentativa de Laila em correr para sua liberdade e superar as vivências de uma criação familiar difícil. Até mesmo nas complexidades do babaca do Colin, que se vê na busca constante pela aprovação dos outros. As conversas sinceras de Brooke com sua amiga Rita (Liza Colón-Zayas) divagam pela similaridade com essas e outras questões, ao passo que a protagonista passa a aceitar cada vez mais o abalo deixado pela vivência com seus pais e suas perdas ao longo da vida. Ao final, desejamos apenas que cada um se encontre em sua própria jornada, e é isso que recebemos.
A performance estonteante como Brooke Taylor não veio à toa, e Uzo Aduba garantiu a única indicação ao Emmy 2021 da série, como Melhor Atriz em Drama. Ao interpretar seu primeiro papel principal na televisão, a atriz concretiza de vez, ou mais uma vez, que não está aqui para brincadeira, e se encontra na dura missão de derrubar a coroa pesada de Emma Corin ou a força de Mj Rodriguez (para quem seria uma honra perder qualquer coisa). O fim da quarta temporada de In Treatment deixa um sentimento de satisfação e afago profundos, além da vontade imensa de poder acompanhar e admirar Uzo Aduba aonde quer que ela vá.