Gabriel Fonseca
O Cinema sempre contribuiu para a construção de heróis que fizeram parte do imaginário popular. Alguns duraram pouco e outros atravessaram gerações, como é o caso de Clint Eastwood com o seu tipo durão, para os clássicos de faroeste. Conhecendo a imagem que projetou de si mesmo nas telas, o ator e diretor aproveitou mais de uma oportunidade para se desconstruir, ao mesmo tempo em que conta uma bela história.
Em Cry Macho: O Caminho para Redenção, vemos uma versão atualizada dos heróis que protagonizaram o mito de criação dos Estados Unidos, no qual eles são trazidos para o século XX e se mostram mais humanos. O longa também explora um tom leve, pouco trabalhado nos filmes que Eastwood dirigiu e revela que o diretor ainda está aberto a novas experiências, mesmo que não precise inovar a sua forma de contar histórias.
Apesar de declarar a aposentadoria em 2019 com A Mula, Clint anunciou em 2021 o retorno como diretor e ator. Em Cry Macho, ele é Mike Milo, um domador de cavalos mal sucedido que já viveu tempos de glória como astro de rodeios. A trama se inicia graças à relação de dependência entre Mike e seu ex-patrão, Howard Polk (Dwight Yoakam), que lhe impõe a missão de viajar do Texas ao México para encontrar o filho, que vive sob os maus cuidados da mãe.
Mike não consegue argumentar contra o plano de Howard e se vê obrigado a retribuir favores antigos. Assim, ele parte em uma jornada para buscar o garoto, enquanto é perseguido pela polícia e os capangas da mãe de Rafael, um garoto de 13 anos que cresceu em meio à ilegalidade. A relação entre o protagonista e o personagem de Eduardo Minett é o que orienta a trama.
Logo no início, vemos uma relação improvável entre o menino e o ex-cowboy. As diferenças culturais, de idade e personalidades extremas são fontes de conflito e dão profundidade à relação, que se desenvolve aos poucos, como se cada um contribuísse para a jornada de autoconhecimento e redenção do outro. Para Mike, o que importa é garantir a segurança de Rafael, que, por sua vez, tem conflitos internos e dúvidas sobre a própria identidade.
Apesar de ser o motor da narrativa, não encontramos equilíbrio entre as performances de Eastwood e Minett. O veterano consegue se exprimir pelo andar debilitado, a voz rouca, diferentes tons e expressões discretas – sua característica principal -, enquanto o aprendiz parece sair do elenco de uma novela do SBT. Suas expressões e falas são teatrais, manjadas. Um ótimo exemplo, e contrário ao duo de Cry Macho, é a dupla Josué (Vinícius de Oliveira) e Dora (Fernanda Montenegro), do longa brasileiro Central do Brasil.
A conexão com a história só acontece depois da metade, quando Mike e Rafael fogem da polícia federal mexicana e se abrigam em uma pequena cidade, com a ajuda de Marta. Natalia Traven interpreta a dona de um restaurante que se envolve com o protagonista e revela mais camadas de sua personalidade. Ele se mostra um homem amável e com talento para lidar com animais, o que nos passa uma impressão de pureza e reflete até a forma como o romance é construído.
O amor entre Mike e Marta é um amor contido, que se manifesta nos detalhes, nas interações cotidianas, sem que eles verbalizem, o que condiz com o perfil de direção de Eastwood, lembrando até mesmo As Pontes de Madison (1995), romance em que o diretor contracenou com Meryl Streep, dando vida a um romance idealizado, contemplativo e platônico. Porém, em Cry Macho, essa relação é concretizada.
Ao contrário dos grandes sucessos de Eastwood, neste filme não temos Morgan Freeman, Meryl Streep ou Hilary Swank. O que o torna especial é o seu aspecto revisionista, coisa que já foi trabalhada em 1992 com Os Imperdoáveis. Assim, como no clássico do faroeste, Cry Macho dialoga com os paradigmas do gênero e apresenta uma visão nova. Notamos isso na apresentação do protagonista, que encarna a figura do cowboy fora de seu tempo, trazendo-o para a nossa realidade.
Assim, a imagem que a indústria construiu sobre Clint é desmistificada e dá lugar a um herói frágil, sensível e nada letal. Esta subversão do gênero acontece tanto na personalidade de Mike, quanto no enredo. Ao invés de utilizar a violência plástica nos embates, temos soluções simples como fugir, ou conversar, sem a bravura e os tiroteios atordoantes. O que desenvolve a história é o diálogo, impondo um ritmo lento e contemplativo. Até a imagem dos mexicanos é desmontada. Se, de início pareciam um povo hostil e desonesto – graças às rinhas de galo, capangas e bandidos -, depois se transformam em pessoas simples e generosas.
É neste tipo de revisão que o gênero western sobrevive no Cinema atual. Tantas histórias de mesma temática foram contadas, que a indústria tem apostado em obras que subvertem ou dialogam com a linguagem própria do faroeste. Filmes como Bravura Indômita (2010) e Relatos do Mundo (2020) são exemplos de releituras mais sérias, que tratam o heroísmo com sobriedade. Quando não se desfazem da assinatura do gênero, estes filmes elevam os seus padrões ao exagero cômico, como o excelente A Balada de Busters Scruggs, dos irmãos Coen.
Apesar de não ter um caráter inovador, Cry Macho: O Caminho para Redenção consegue despertar empatia e sua maior qualidade é a simplicidade. Sem reviravoltas surpreendentes, o enredo é despretensioso mas prioriza o desenvolvimento dos personagens. Além da lógica que orienta a narrativa e a forma como ela é contada: a ressignificação do conceito de masculinidade muitas vezes representado pela Sétima Arte.