Se outubro foi um mês marcado por produções macabras e o clima sombrio e festivo de Halloween, novembro é uma volta à normalidade relativa, com várias obras para apetecer qualquer tipo de gosto. Conforme os grandes lançamentos chegam para começar a campanha para a próxima temporada de premiações, o Persona está aqui para recapitular os destaques mais importantes do mês no Cinema e na TV através do Cineclube de Novembro.
Eternos chegou no início do mês para bagunçar a fórmula da Marvel. Sob a direção íntima e minimalista da vencedora do Oscar Chloé Zhao, o longa introduz no MCU uma família disfuncional de seres imortais, deuses celestiais zangados e até mesmo um certo caçador de vampiros. Outra família superpoderosa que deu as caras foram os Madrigal, de Encanto, a nova animação musical da Disney com canções de Lin-Manuel Miranda, que realmente nos encantou com sua narrativa sensível e emocionante. A mente por trás de Hamilton também explodiu com o musical tick, tick… BOOM!, no qual ele fez sua estreia na direção cinematográfica, contando a história do compositor Jonathan Larson, vivido por um Andrew Garfield estonteante.
Continuando no mundo dos musicais, Querido Evan Hansen entregou uma adaptação decente de seu enredo premiado e controverso, mas não fez nada para revisar sua mensagem problemática e seus números estáticos. Por outro lado, Annette, o musical experimental de Leos Carax (que lhe rendeu o prêmio de Melhor Direção no Festival de Cannes), deu as caras no Brasil por meio da MUBI, entregando um Adam Driver lindo e homicida.
De Cannes, também veio Benedetta, o longa polêmico de Paul Verhoeven que conta sobre o caso de amor lésbico entre duas freiras italianas. E se teve algo que não faltou em novembro, foi Adam Driver: o ator estrelou duas produções de Ridley Scott: O Último Duelo, um épico medieval sob a perspectiva de uma mulher tentando recuperar sua própria voz, e Casa Gucci, que conta com Lady Gaga claramente à procura de um Oscar por seu sotaque no papel da matriarca da família por trás da luxuosa marca italiana.
Outras atuações notáveis em cinebiografias que tivemos esse mês foram Jessica Chastain, carregada de maquiagem no papel da televangelista titular em Os Olhos de Tammy Faye, e Kristen Stewart, no aclamado Spencer dando sua voz singular à Princesa Diana na fábula do diretor Pablo Larraín. No bem humorado The Electrical Life of Louis Wain, Benedict Cumberbatch interpreta um artista atormentado com seu já característico charme inusitado, enquanto Will Smith dá as caras em King Richard: Criando Campeãs, lançado no HBO Max americano, onde faz o pai e treinador das irmãs Williams.
Entre os maiores lançamentos da Netflix, brilhou Alerta Vermelho, o filme mais caro já produzido pelo streaming, responsável por juntar Dwayne “The Rock” Johnson, Ryan Reynolds e Gal Gadot em uma trama de roubo formulaica. A comédia romântica Um Match Surpresa veio para romantizar o catfishing e faz pouco além disso, mas o aguardado e sangrento western Vingança & Castigo revitaliza o gênero e reúne um elenco de peso marcado por nomes como Regina King, Idris Elba e Lakeith Stanfield.
No Cinema nacional, não podemos deixar de falar de Marighella, primeiro filme dirigido por Wagner Moura que na verdade estreou em 2019 no Festival de Berlim, onde foi ovacionado de pé. Por conta da pandemia e até mesmo censura, ele só foi lançado nas salas de cinema brasileiras e no Globoplay em novembro deste ano, contando a história dos últimos anos do deputado e ex-guerrilheiro Carlos Marighella (interpretado por Seu Jorge).
Também no âmbito das produções brasileiras, o longa 7 Prisioneiros, antes cotado para representar o Brasil na disputa pelo Oscar, logo se tornou um dos filmes em língua não-inglesa mais vistos da Netflix. Num suspense brutal que escancara as realidades sociais do trabalho escravo no Brasil, a produção de Alexandre Moratto conta com Rodrigo Santoro e Christian Malheiros em seu elenco.
A estreia de Halle Berry na direção com o brutal Bruised só foi efetivamente lançada pelo streaming esse mês, após ter estreado no Festival de Toronto no ano passado. Além dela, Rebecca Hall também faz sua estreia por trás das câmeras com o drama Identidade, estrelado por Tessa Thompson e Ruth Negga, que traz uma das surpresas mais positivas da plataforma este ano. Enquanto isso, Finch cimenta a parceria entre Tom Hanks e Apple TV+ com um longa pós-apocalíptico dirigido por Miguel Sapochnik, conhecido por comandar alguns dos episódios mais badalados de Game of Thrones.
A peça The Humans se faz de base para o novo drama da A24, que comove ao revelar a empatia entre as personagens e a audiência, com um elenco encabeçado por Steven Yeun e Beanie Feldstein. Para aqueles que procuravam diversão para a família toda, a adaptação de Clifford, o Gigante Cão Vermelho veio para comemorar o espírito natalino em grande estilo. Da mesma forma, Ghostbusters: Mais Além ressuscita a franquia clássica do Cinema através da introdução de uma nova geração de caça-fantasmas, dessa vez sob a tutela de Paul Rudd.
Junto com o lançamento de Red (Taylor’s Version), Taylor Swift também fez sua estreia na direção com All Too Well: The Short Film, curta inspirado no seu relacionamento com o ator Jake Gyllenhaal e marcado por mágoas que inspiraram o disco – e sua regravação. Também tratando de relacionamentos nem tão saudáveis regados por música boa, o britânico Edgar Wright retorna para a direção com Noite Passada em Soho, uma viagem psicodélica e intoxicante por uma das partes mais famosas e sinistras de Londres, explorando o fino véu entre o passado e o presente através da dinâmica entre Thomasin McKenzie e Anya Taylor-Joy.
Manu Gavassi fez sua estreia no Disney+ com o álbum visual GRACINHA, uma história fantástica e metalinguística sobre a própria arte. A cantora Adele também deu as caras ao final do mês com Adele One Night Only, um espetáculo exclusivo que precedeu o lançamento de seu novo disco, 30.
Agora passando para a Televisão, se por um lado a Netflix acertou em cheio com Arcane, a prequel animada do jogo League of Legends distribuída em três atos, Cowboy Bebop marca mais uma das tentativas fracassadas de traduzir animes para live-action. Enquanto Arcane exibia todo o potencial de animações com cores e sons vibrantes elevando sua narrativa explosiva, a adaptação da obra seminal de Shinichiro Watanabe peca por seu apego cego à estética do original, entregando uma temporada truncada e não mais regida pelo espírito livre e despreocupado do jazz. A tesuda e bem humorada Big Mouth seguiu impecável por sua quinta temporada, mas já parece aquecer para o possível final da série.
Duas adaptações de quadrinhos da DC Comics terminaram em novembro: ao passo que a estética surrealista de Patrulha do Destino floresceu no HBO Max após o encerramento do streaming exclusivo da DC, Stargirl teve que dar jeito nas mãos da CW, canal responsável pelo Arrowverso. Apesar de plataformas diferentes, ambas as séries conseguiram reforçar suas melhores qualidades em seus novos anos, garantindo renovações para 2022.
Já na Apple TV+, a aguardada adaptação dos célebres livros de ficção científica de Isaac Asimov encerrou sua primeira temporada com resultados mistos: embora Fundação certamente tenha os visuais para construir as bases de seu mundo organicamente, sua narrativa peca ao falhar com a visão de seu autor. A nova versão do Boneco Assassino surpreendeu e deliciou os fãs de longa data da franquia, em uma sequência comandada por seu criador, Don Mancini, e que respeita o legado queer e disruptivo de Chucky. O spin-off britânico de Drag Race terminou sua nova temporada premiando sua participante mais nova até hoje. A premiada antologia American Crime Story também retornou com Impeachment, temporada que focou no escândalo sexual entre o presidente americano Bill Clinton e Monica Lewinsky.
E assim, a Editoria do Persona chega na 11ª edição do Cineclube. Entre os prenúncios de Natal, vislumbres do Oscar 2022 e inspirações musicais no meio audiovisual, te convidamos a pegar o balde de pipoca para voltar ao cinema (seguindo sempre as normas de segurança, claro) e percorrer conosco cada um dos destaques do Cinema e da TV no mês de Novembro de 2021.
Cinema
Casa Gucci (House of Gucci, Ridley Scott)
No fim de novembro, Lady Gaga retornou aos cinemas na pele de Patrizia Reggiani, ex-esposa de Maurizio Gucci e quem ordenou seu assassinato. Entre um bafafá massivo da mídia, entrevistas para lá de desbocadas e um elenco que enche prateleiras de objetos dourados, Ridley Scott inaugura sua Casa Gucci. O resultado é desmotivado, incerto, apressado e extremamente tedioso. Por duas horas e quarenta, uma trupe imita o mais caricato dos sotaques italianos, faz caras e bocas, chora e não consegue decidir entre ser uma obra sobre a marca, sobre a família ou sobre o crime.
Ao passo que Al Pacino tira de letra a cafonice de Aldo, Adam Driver se mantém incongruente como o quadradão Maurizio. Jeremy Irons não se esforça, Jared Leto se esforça demais, dando vida a um palhaço de circo sem nuances. Porém, seu humor mal dosado combina com a pegada espalhafatosa que Casa Gucci deveria esbanjar. Lady Gaga, sem segurança, encontra brechas para humilhar sua Patrizia, e o filme de Ridley Scott, no fim, não tem nada a dizer. Nadinha mesmo. – Vitor Evangelista
7 Prisioneiros (Alexandre Moratto)
7 Prisioneiros acumulou conquistas antes mesmo de chegar à Netflix, onde, pouco tempo depois de ser incluído no catálogo, logo se tornou o segundo filme de língua não-inglesa mais assistido da plataforma. O longa, dirigido por Alexandre Moratto e roteirizado por ele e Thayná Mantesso, estreou no Festival de Veneza, teve exibições na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo e foi um dos finalistas à submissão para representar o Brasil como Melhor Filme Internacional no Oscar 2022. Estrelado por Christian Malheiros e Rodrigo Santoro, o ‘Original Netflix’ mistura o suspense ao drama para denunciar o trabalho análogo à escravidão no Brasil.
Mais especificamente em São Paulo, o protagonista Mateus (Malheiros) chega à capital com mais outros três amigos, todos recrutados e saídos do interior com a esperança de ganharem a vida na cidade grande. Eles são encaminhados a um ferro velho, onde, sem carteira de trabalho ou contrato assinado, se veem trancafiados pelo empregador, Luca (Santoro). Forçados a trabalharem em troca de alimento e um alojamento precário, os quatro vivem sem condições de higiene básicas, comunicação e sob constantes ameaças, inclusive às suas famílias.
Com os meninos presos e tentando escapar, a produção adere ao suspense para apresentar o início da condição desumana e inescapável da escravidão moderna no país. O filme, porém, cresce para além dos abusos dentro do ferro velho e escancara as dinâmicas sociais de um Brasil que perpetua e opera nesse mesmo regime criminoso. Sem perspectiva de fuga, Mateus passa a se aproximar de Luca e, despido de seus valores morais por puro instinto de sobrevivência, reforça a condição que o explorou até então. Com atuações profundas e inquietantes de Christian Malheiros e Rodrigo Santoro, 7 Prisioneiros expõe os absurdos do – infelizmente ainda atual – trabalho análogo à escravidão por aqui. – Vitória Lopes Gomez
The Humans (Idem, Stephen Karam)
The Humans é um daqueles filmes em que se é possível sentir o calor humano por meio de sua produção. O novo longa da A24 se desenvolve a partir de Brigid (Beanie Feldstein) e Richard (Steven Yeun), um casal que acabou de se mudar para um duplex em Chinatown. Antes mesmo de se estabelecerem na casa nova, os pais de Brigid, Erik Blake (Richard Jenkins) e Deirdre Blake (Jayne Houdyshell), já chegam demonstrando insatisfação com a mudança da filha. Essa situação serve como ponto de partida para um desenrolar repleto de situações familiares envolvendo mudanças econômicas, doenças e envelhecimento.
O longa, carregado de emoções de uma família em fase de mudanças, foi baseado em uma peça homônima, escrita por Stephen Karam, que teve por meio de The Humans sua estreia como diretor. Apesar de ainda ser iniciante, a película foi bem recebida pela imprensa e teve sua estreia no Festival de Cinema Internacional de Toronto (TIFF). Com todo seu entrelaçamento de situações reais apresentadas ao telespectador, The Humans se constrói com o sentimento de empatia aos problemas dos personagens. – Gabriel Gatti
Querido Evan Hansen (Dear Evan Hansen, Stephen Chbosky)
Anos depois de se tornar um fenômeno na Broadway, o musical Querido Evan Hansen dá as caras no Cinema, cercado de controvérsias por conta de sua premissa questionável e a escalação de Ben Platt no papel que já lhe rendeu um Tony, um Grammy e um Emmy, mas que talvez não combine com um adulto de 28 anos. Na trama, Evan Hansen é um colegial atormentado por uma ansiedade social que o impede de se relacionar com outros estudantes, escrevendo cartas afirmativas para si mesmo como um exercício de confiança. Porém, quando uma dessas cartas é encontrada com Connor (Colton Ryan), um jovem que se suicidou recentemente, a família dele se vira para Evan em busca de respostas, dando início a uma perversa e cruel mentira.
A ideia de elencar adultos em papéis mais novos não é nem nova nem especialmente problemática, mas geralmente acontece algum esforço para fazer com que esses atores se pareçam com a idade do personagem. No longa de Stephen Chbosky, no entanto, a disparidade etária entre Platt e Hansen só é exacerbada pela direção pesada e brega do cineasta. Como musical, o filme faz bom uso da voz de um elenco talentoso, mas a grande maioria de seus números é realizado de maneiras paradas e pouco inventivas, convencidos de que a atuação exagerada de Platt vai ser suficiente para carregá-los para frente.
O grande problema de Querido Evan Hansen é que, por mais que se apresente como uma narrativa sincera e positiva sobre saúde mental, ela fundamentalmente não respeita nem Connor, a vítima da história, nem o luto que sua família sente por ele, por mais complicado que seja. São meros acessórios na trama que Evan conta para si mesmo, embelezamentos de seus próprios defeitos e o caminho que ele encontra para se redimir. Por mais que o filme se anuncie como um canto de solidariedade àqueles que se sentem isolados e perdidos, ele só evidencia o quão sozinhos nós realmente estamos. – Gabriel Oliveira F. Arruda
Os Olhos de Tammy Faye (The Eyes of Tammy Faye, Michael Showalter)
Dando vida à icônica televangelista que se tornou piada nacional, Jessica Chastain faz de Os Olhos de Tammy Faye um desfile de seus variados talentos artísticos. Interpretando a mulher por uma porção considerável de vida, indo da ingenuidade dos vinte e poucos até a ruína da terceira idade e envolta numa batida narrativa de ascensão, queda e redenção, a atriz se joga de cabeça e, também no cargo de produtora do filme, faz tudo que a direção omissa de Michael Showalter pede.
No fundo do palco, brilha Andrew Garfield, expandindo seu estrelado currículo de 2021 (que vai de loiro de farmácia gostoso a homem de teatro desiludido e talvez Cabeça de Teia). Como o companheiro de Tammy, Jim Bakker, Garfield emula a canastrice do religioso, ao mesmo tempo em que não hesita em subverter as expectativas da Igreja, seja no campo de sua sexualidade, seja em sua índole maculada.
Almejando uma merecida indicação ao careca dourado, Jessica Chastain humaniza cada uma das falhas e facetas da mulher que foi motivo de piada para toda a América. Contando com anos de experiência e uma maturidade absurda na hora de lufar vida à personagens “desconfortáveis”, a ruiva vai além do caricato (por mais que os quilos de maquiagem e próteses possam afastar o espectador da veracidade da atuação. – Vitor Evangelista
Spencer (Idem, Pablo Larraín)
Ter que fingir normalidade quando a saúde mental está em frangalhos é uma tarefa angustiante, dolorosa e capaz de transformar os compromissos do dia a dia em uma verdadeira prisão. Spencer, novo filme de Pablo Larraín, causa grande impacto no espectador ao retratar esse tormento psicológico com tamanha elegância e sensibilidade.
Na trama, acompanhamos os últimos dias do casamento da princesa Diana (Kristen Stewart) com o príncipe Charles (Jack Farthing). Em meio a rumores de casos e de divórcio, a paz foi imposta para o Natal na casa de campo da Família Real. No evento repleto de comida e bebida, tiro e caça, Diana confronta as regras do rígido jogo de aparências.
Não é à toa que a atuação de Kristen Stewart em Spencer é apontada como forte candidata ao Oscar. Sua performance retraída e sufocante é a alma do filme e tudo dele está ali para destacá-la ainda mais, desde a direção ao figurino da época. A direção luxuosa de Larraín, com seus travellings que andam pela casa da monarquia britânica como uma assombração, estabelece um clima inquietante, onde os monstros assustadores fazem parte da realeza. É um filme tão elegante e trágico quanto a personalidade histórica que escolheu retratar. – Caio Machado
tick, tick… BOOM! (Idem, Lin-Manuel Miranda)
Em sua posição de destaque dentro do ambiente artístico-cultural atual, Lin-Manuel Miranda nunca deixa de destacar a influência de Jonathan Larson em cada um dos musicais que o colocaram como destaque no gênero do século XXI. O apreço pelo trabalho do compositor nova-iorquino é tamanho que depois de referenciar toda a sua criação no teatro, o levou até sua estreia na direção de Cinema. E dentre todos os filmes nascidos no ano dos musicais, nada será tão especial como o esperado primeiro longa de Lin, que concretiza uma grande homenagem à vida e obra de Jonathan com um testemunho de sua relevância nos teatros na década de 90.
Para isso, destaca-se a própria história de vida de Larson, digna de ser dramatizada como o próprio já havia notado, ao escrever o musical semi-autobiográfico que leva o mesmo nome do filme de Manuel Miranda. Apresentado pela primeira vez em 2001, tick, tick… BOOM! nunca foi apreciado pelo seu criador, que depois de muito perseguir seu sonho artístico, faleceu em decorrência de uma síndrome de Marfan não diagnosticada em janeiro de 1996, no dia de estreia de seu musical considerado a obra-prima de sua carreira, Rent. A história do Van Gogh do teatro tinha tudo para ser trágica, mas nas mãos mágicas que dirigiram a adaptação conservando uma identificação ímpar com a essência que Jonathan criou para sua própria narrativa, é transformada num conto profundamente envolvente sobre a pressa e persistência que alguns de nós temos em viver os nossos sonhos.
O sentimento e a genialidade pulsante de Jonathan Larson são encarnados com primor na entrega de Andrew Garfield, que tomado de uma profunda reverência e simpatia pelo personagem que interpreta, transforma o filme numa experiência e vislumbra uma indicação ao Oscar 2022. Perfeitamente coordenado por Lin-Manuel Miranda e harmonizado com o elenco brilhante (com destaque para a participação de Vanessa Hudgens, Joshua Henry, Mj Rodriguez, Alexandra Shipp e Robin de Jesús), tick, tick… BOOM! vai tirar o seu fôlego e as suas lágrimas. Em troca, a obra te deixa uma certeza de que, ao entrar em contato com ela, você está no lugar certo e na hora certa. – Raquel Dutra
Benedetta (Idem, Paul Verhoeven)
Um dos filmes mais polêmicos de 2021, Benedetta é adaptado do livro Immodest Acts: The Life of a Lesbian Nun in Renaissance Italy, que conta a história real, passada no século XVII, de uma menina que se muda para o convento ainda criança. O filme acompanha um período da juventude de Benedetta, quando uma outra garota, Bartolomea, é acolhida pelas freiras. A produção não mede esforços para colocar o dedo na ferida da Igreja Católica. Por vezes beirando o satírico, o longa confronta os fiéis e denuncia a máquina de fazer dinheiro por trás da instituição.
Cercado de prós, Benedetta tem um dos piores contras possíveis. A produção tem as típicas peças de seu diretor Paul Verhoeven: blasfêmia e conteúdo sexual. E é no forte apelo sexual que Verhoeven se faz intragável. Vendendo seu filme às custas da nudez do corpo feminino, ele faz de Benedetta um prato cheio para a fetichização. A crítica à Igreja é certeira e enclausura o espectador em sua narrativa, mas a que custo? – Ana Júlia Trevisan
Oi, Alberto (Ciao Alberto, McKenna Harris)
Oi, Alberto mostra como anda a vida de Alberto e Massimo em Portorosso depois dos acontecimentos do filme Luca, enquanto Giulia e Luca estão na escola. A dupla passa seus dias pescando e vendendo peixes para a cidade, e com a convivência começam a desenvolver mais a relação que foi iniciada no longa. Alberto é uma criança entusiasmada, falante e energética, diferente de Massimo, que é mais reservado e monossilábico, mas a convivência dos dois os ensina a lidarem com novas experiências e serem exatamente o que o outro precisa.
O novo curta do Disney+, escrito e dirigido por McKenna Harris, é sensível, simples e bonito da mesma forma que seu material base. Tratando de questões importantes de serem abordadas, principalmente sobre relações familiares, de forma leve e sincera, Oi, Alberto segue o padrão de qualidade de tudo que a Pixar produz. – Marcela Zogheib
Identidade (Passing, Rebecca Hall)
Duas amigas do colegial se reencontram em uma cidade segregada. A protagonista Irene (Tessa Thompson) se surpreende quando percebe que Clare (Ruth Negga), uma mulher negra de pele clara, consegue se “passar” por branca, mantendo até o marido John (Alexander Skarsgard) inconsciente de suas origens e de sua família. Baseando-se na obra Identidade de Nella Larsen e estreando na direção, a atriz Rebecca Hall escolhe a fotografia em preto e branco para engrandecer sua narrativa de sutilezas e desejos.
Recheado até de um subtexto queer, Passing se desenrola no encanto de Irene e seu esposo Brian (Andre Holland) por Clare. Em meio a uma América mais racista que a atual, os personagens que orbitam esse microuniverso optam por omitir suas reais intenções, ao passo que as brilhantes interpretações se saúdam sem pressa. Em um dos melhores originais Netflix de 2021, Thompson é sinônimo de confusão e perdição, Holland exprime êxtase, Skarsgard transborda arrogância e Negga, a estrela do conjunto, está nas nuvens. – Vitor Evangelista
The Electrical Life of Louis Wain (Idem, Will Sharpe)
The Electrical Life of Louis Wain conta a história fantástica de Louis Wain (Benedict Cumberbatch), um homem extremamente criativo, mas com uma vida repleta de infelicidades. Como forma de ajudar a mãe e viúva e suas cinco irmãs, ele começa a vender ilustrações de animais, em especial, de gatos. Suas habilidades com os desenhos são fantásticas, porém a falta de traquejo social o distancia do convívio humano, no entanto, essa situação fria está prestes a mudar com a chegada de Emily Richardson (Claire Foy), a nova governanta de uma de suas irmãs.
A comédia dramática The Electrical Life of Louis Wain, dirigida por Will Sharpe, traz de forma leve e descontraída os infortúnios da vida de um artista que nasceu durante o século XIX. Louis Wain ganhou notoriedade pelas suas características peculiares ao desenhar gatos. As ilustrações dos felinos antropomorfizados levaram alguns psiquiatras a acreditarem que o desenhista sofria de esquizofrenia. Mas apesar dessas adversidades, a trama narrada no longa de Sharpe, apresentada com uma direção de fotografia impecável, permite aos telespectadores rir e se emocionar ao mesmo tempo. – Gabriel Gatti
Eternos (Eternals, Chloé Zhao)
Uma visão minimalista era exatamente o que Eternos precisava, mas nós só nos demos conta disso depois que assistimos o trabalho notório de Chloé Zhao. A chegada da premiadíssima diretora no meio da Marvel Studios foi surpreendente, mas certeiro e à altura de um enredo mais complexo. Além disso, as expectativas foram altíssimas pelo elenco recheado com Angelina Jolie, Salma Hayek, Don Lee, o encontro Stark de Kit Harington e Richard Madden, e é claro, a super aparição de Harry Styles.
O longa fala sobre seres que precedem a nós, aos Vingadores e aos nossos amigos Deuses-loiros-barrigudos. E conversando com a missão emblemática que a humanidade trava desde que o mundo é mundo, Eternos quer te contar quem diabos nos criou, e por qual motivo. Há seres celestiais superiores a nós, comandando a engenhoca que é o universo- literalmente, pois o Ser Supremo que manda em todas as galáxias parece que saiu diretamente do filme Robôs – e baseados em uma única premissa: a vida termina para gerar mais vida. E está tudo bem.
No meio disso tudo, a comicidade e o jogo de ação realística que é característica da Marvel respirou por aparelhos, mas sobreviveu. Quem também apareceu foi a inclusão, com língua de sinais, beijo gay e tudo mais – ainda bem. O mais importante é que, entre tantos filmes heroicos, é a primeira vez que ser humano está no centro de tudo, e a nossa história ao longo dos séculos foi olhada com os olhos minuciosos de Zhao para perguntar: entre a beleza e a matança que causamos, temos nós algo de diferente para sermos salvos? – Nathália Mendes
Noite Passada em Soho (Last Night in Soho, Edgar Wright)
Depois das corridas eletrizantes de Em Ritmo de Fuga (2017) e o célebre documentário The Sparks Brothers, o diretor britânico Edgar Wright volta a nos deslumbrar com seus visuais meticulosos e sua playlist pessoal em Noite Passada em Soho. Estrelado por Thomasin McKenzie (Jojo Rabbit) e Anya Taylor-Joy (O Gambito da Rainha), o novo longa explora as ruas e vielas do famoso bairro londrino sob a perspectiva de uma estudante de Moda capaz de misteriosamente transitar entre o presente e o passado, se rendendo aos prazeres e as monstruosidades da década de 60 enquanto tenta resolver um assassinato obscuro.
Embora a princípio a trilha sonora evoque uma exaltação à nostalgia, seduzindo tanto Eloise (McKenzie) quanto a audiência com suas cores e canções, não demora para que a verdade comece a sussurrar por entre os vocais de Sandie (Taylor-Joy) e os pesadelos tomem o lugar dos sonhos. Grande parte da obra se sustenta na dualidade estabelecida entre as duas mulheres, justapondo suas experiências e suas assombrações em uma procissão cíclica e ritmada de proporções alucinantes. Mesmo sem que contracenem diretamente, ambas as atrizes dão performances assombrosas e irresistíveis, elevando o roteiro de Wright e Krysty Wilson-Cairns.
Apesar disso, a estrela de qualquer filme de Edgar Wright é sempre a direção. Embora nem todas das técnicas cômicas do cineasta e suas sensibilidades sejam traduzidas perfeitamente para o gênero de Terror, ainda é revigorante ver ele expandindo seu corpo de trabalho, trazendo seus cortes inventivos e misturando-os com as inspirações do Cinema giallo. Em uma sinfonia psicodélica e infernal entre passado e futuro, os verdadeiros fantasmas são os que ficam presos entre os dois. – Gabriel Oliveira F. Arruda
King Richard: Criando Campeãs (King Richard, Reinaldo Marcus Green)
Se tudo correr como o planejado, Will Smith receberá uma estatueta do Oscar como Melhor Ator por King Richard. É claro que ainda tem muito chão até o final de março, mas a julgar pelo trabalho do intérprete, fica claro que a cinebiografia do pai e treinador das irmãs Williams foi moldada como veículo de adoração e aclamação para Smith. Na produção, que tem envolvimento criativo de Venus e Serena, além do próprio Will, acompanhamos a juventude das tenistas e todos os obstáculos enfrentados até o início da subida em suas carreiras.
Para tal, o diretor Reinaldo Marcus Green entende que a força motriz de King Richard está no elenco, e coloca tudo nas costas do protagonista e de Aunjanue Ellis, que vive a mãe Oracene Williams e é, fácil, a melhor atriz coadjuvante do ano. Jon Bernthal aparece com um técnico peculiar e adiciona humor a receita de fracasso, trabalho duro e sucesso. Mas, se tratando da biografia de alguém vivo, o filme toma liberdades, faz omissões e já se provou desagradável para indivíduos ligados ao Richard de verdade. Se isso machucará a caminhada de Will Smith até o palco do Oscar, só o tempo dirá. Por enquanto, a eloquência e a emoção de King Richard falam por si só. E ainda tem a Beyoncé. – Vitor Evangelista
Annette (Idem, Leos Carax)
Apaixonante e musical, Annette é primo próximo de La La Land. Dirigido pelo francês Leos Carax, o filme se deleita em cada uma de suas camadas. A obra é protagoniza Adam Driver no papel do comediante Henry McHenry e Marion Cotillard como a renomada cantora de ópera Ann. Juntos, eles vivem o amor enquanto decolam com suas carreiras profissionais. Mas a vida do casal é completamente mudada com a chegada da filha que batiza o filme.
Annette não é um simples musical. Seus elementos visuais em conjunto com as canções criam metáforas que contrastam com toda a história. Quem realmente fica em evidência é o personagem de Adam Driver, que dá fôlego para as mais de duas horas de duração da produção recheada de vicissitudes. Por fim, Annette, responsável por abrir o Festival de Cannes 2021, soa como um grande desabafo de seu diretor. “Podemos começar o espetáculo?” – Ana Júlia Trevisan
All Too Well: The Short Film (Idem, Taylor Swift)
Não, você não está no post errado. Sim, temos Taylor Swift no Cineclube. É que além de abalar mais uma vez as estruturas do mundo da Música com a continuação de seu projeto de regravações, que já é responsável por fuçar os baús da artista e trazer canções que ficaram de fora dos discos na época de seus primeiros lançamentos, Red (Taylor’s Version) também levou a artista para o Cinema.
O momento para Taylor Swift estrear como diretora e a história para construir o primeiro roteiro que ostenta a sua assinatura não poderiam ser melhores: 12 de novembro de 2021 foi quando o mundo conheceu a versão completa da canção entendida como uma das melhores de toda a sua respeitada carreira como letrista, All Too Well (10 Minute Version) (Taylor’s Version) (From The Vault). Para acompanhar, a artista elaborou um curta-metragem, que compreende no visual a narrativa intensa que originou sua música tão celebrada, personificada no protagonismo magnético de Sadie Sink (Stranger Things e Rua do Medo) e Dylan O’Brien (Teen Wolf e Maze Runner).
As referências que existiram no imaginário da canção são todas concretizadas. Entre folhas de outono, viagens de carro, sinais vermelhos, vento no cabelo e demais cenas românticas sob a luz da geladeira da cozinha ou no alto da madrugada, o filme parece encapsular a era Red em 15 minutos. Com direito a estreias nos cinemas de Nova Iorque e premiere no YouTube com centenas de milhares de pessoas, All Too Well: The Short Film só confirma a maior habilidade de Taylor Swift: contar histórias, narrativizar sentimentos e, claro, lembrar de tudo muito bem. – Raquel Dutra
O Último Duelo (The Last Duel, Ridley Scott)
A Idade Média foi um período complexo da história da humanidade. Em um tempo em que as mulheres eram acusadas de bruxaria caso rompessem com os padrões estipulados pela nobreza, Marguerite de Carrouges (Jodie Comer) acusa Jacques LeGris (Adam Driver), o melhor amigo de seu marido, Jean de Carrouges (Matt Damon), de estupro. O caso vira a França de cabeça para baixo, já que as figuras envolvidas com a história são membros da aristocracia. Após um grande embate, o Parlamento determina que a história se resolva com um embate armado entre os homens, em que apenas um deles sairá vivo.
A trama complexa e revoltante de O Último Duelo, dirigida por Ridley Scott, foi inspirada em uma história real tenebrosa. A super produção acompanha por diversos ângulos a narrativa apresentada por Marguerite de Carrouges, que segue em sua luta incansável pela justiça. A direção fotográfica e a trilha sonora contribuem para a angústia que o diretor de Thelma & Louise pretende passar. Ao longo de seu desenrolar, O Último Duelo apresenta diversos altos e baixos, com alguns diálogos longos e exaustivos. No entanto, até mesmo com seus pontos fracos, o longa medieval entrega uma atuação impecável. – Gabriel Gatti
Um Match Surpresa (Love Hard, Hernán Jiménez García)
Um Match Surpresa é um dos primeiros filmes água com açúcar e de qualidade medíocre que já chegaram na Netflix no esquenta para o Natal. A premissa é a mesma de Vestida Para Casar, em que a mulher se sente assombrada pelo fantasma de ficar para titia, mas sem cultivar o romance que nasce naturalmente. Protagonizado por Nina Dobrev, sua personagem Natalie Bauer é uma jornalista que conta sobre seus encontros amorosos fracassados em um site, e fica nesse ciclo vicioso impulsionada por um chefe nada gente fina, que a quer continuamente vendendo histórias de tragédia.
Natalie acha uma boa ideia viajar até o cara que ela acabou de conhecer por aplicativo de namoro para uma surpresa natalina. Só que ela cai em um catfish – chocando ninguém – e acaba presa com Josh (Jimmy O. Yang) e sua família chinesa-americana. Os alívios cômicos e a crítica para a deturpação de identidade na internet são superficiais. Para piorar, Hernán García passa pano para mentirosos que pescam pessoas on-line, procurando justificativas para romantizar o homem. Mirando em atacar a geração que procura amor na aparência física, ele morre na praia, acerta na reafirmação da perfeição das mulheres e, irritantemente, nos faz acreditar nisso. – Nathália Mendes
Marighella (Wagner Moura)
Abílio Clemente Filho, Ana Maria Nacinovic Corrêa, Aurora Maria Nascimento Furtado, Péricles Gusmão Régis, Edmur Péricles Camargo, Dinalva Oliveira Teixeira, Hamilton Pereira Damasceno, Helenira Resende de Souza Nazareth, Ichiro Nagami, Issami Nakamura Okano, Lyda Monteiro da Silva, Manoel Aleixo da Silva, Maria Augusta Thomaz, Túlio Roberto Cardoso Quintiliano, Uirassú de Assis Batista, Jane Vanini, Felix Escobar, Catarina Helena Abi-Eçab, Edson Luiz Lima Souto, Zuleika Angel Jones, Vladimir Herzog, Carlos Lamarca, Oswaldo Orlando da Costa, Carlos Marighella.
De acordo com o relatório final da Comissão Nacional da Verdade, a ditadura civil-militar brasileira deixou, oficialmente, 434 mortos e desaparecidos. Acima, estão alguns poucos nomes que integram essa lista. Para além de assistir e se emocionar com Marighella, repeti-los é reafirmar e honrar a memória dos combatentes. Para que não aconteça de novo. – Caroline Campos
Encanto (Idem, Byron Howard e Jared Bush)
Encanto conta a história dos Madrigal, uma família da Colômbia que vive em uma casa mágica. Lá, cada um dos moradores tem um dom que é concedido a eles após um milagre muitos anos atrás, exceto Mirabel (Stephanie Beatriz), a única que ainda não descobriu o seu poder. Mas ao perceber mudanças e rachaduras pela casa, a personagem busca a resolução dos problemas para salvar sua família.
O longa, dirigido por Byron Howard e Jared Bush, tem a trilha sonora assinada por Lin-Manuel Miranda, que faz um trabalho impecável em criar e expor os sentimentos de cada um dos personagens e cenas através de músicas maravilhosas que contam uma história a cada número. Mas a trilha é só uma parte do encanto do filme, que traz com um enredo inovador, personagens diversos e relacionáveis, e uma animação linda e aconchegante. – Marcela Zogheib
Clifford: O Gigante Cão Vermelho (Clifford, the Big Red Dog, Walt Becker)
Nos últimos suspiros de 2021, Clifford: O Gigante Cão Vermelho finalmente foi lançado. A nova versão da história infantil clássica de Norman Bridwell, que já foi para a TV e para os cinemas entre 2000 e 2006, teve sua estreia atrasada por conta da pandemia, mas agora renovou a simpatia do cãozinho num longa live-action para ganhar os corações das crianças da geração alpha.
O filme de Walt Becker traz Darby Camp como Emily Elizabeth, personagem que logo tem o prazer de conhecer Clifford (David Alan Grier) através de um criador de animais, que promete uma relação direta entre o crescimento do animal e o amor dedicado a ele. O complemento da aventura de Clifford: O Gigante Cão Vermelho é o divertido tio Casey (Jack Whitehall), responsável por Emily enquanto sua mãe está fora da cidade, o cenário de uma Nova Iorque, tipicamente caótica para um cachorro nada normal, e o toque delicado em questões importantes de serem introduzidas desde a infância, como bullying e respeito às diferenças. – Raquel Dutra
Alerta Vermelho (Red Notice, Rawson Marshall Thurber)
No final do tenebroso 2020, já era possível escutar os burburinhos sobre Alerta Vermelho. Isso porque o filme da Netflix conta com nada mais nada menos do que Gal Gadot, The Rock e Ryan Reynolds no elenco principal. Produções que dispõem de protagonistas do alto escalão sempre correm o risco de oferecer roteiros rasos e apenas rostos bonitos, e é exatamente isso que Red Notice exibe em suas quase duas horas de duração.
Divertidinho, Alerta Vermelho é cheio de atuações canastronas e um roteiro sem pé nem cabeça que tenta emplacar um novo plot a cada cinco minutos de filme. A história sobre os maiores ladrões de Arte procurados pela Interpol sabe que será sucesso de audiência pelos nomes envolvidos. É por conta disso que o filme não se preocupa em não oferecer detalhes técnicos, muito menos se importa com o fato de entregar apenas clichês. Alerta Vermelho é, sem dúvidas, Sessão da Tarde para toda família. – Ana Júlia Trevisan
Vingança & Castigo (The Harder They Fall, Jeymes Samuel)
O faroeste da Netflix não sai fora da curva no Vingança & Castigo de Jeymes Samuel, muito mais do que isso, o diretor transforma o padrão do gênero em brincadeira de criança. E este não é um simples filme de Velho Oeste, mas sim um marco cinematográfico de que pessoas negras estavam presentes nesse cenário histórico – como a chamada durante os primeiros minutos do longa mesmo diz: ainda que seja ficcional, essas pessoas existiram. O estereótipo branco dos xerifes de The Ballad of Buster Scruggs cai por terra e vira pó, pisoteado por um elenco negro extraordinário.
A história de vingança entre duas gangues é contada com muito dinamismo e ação, junto de uma comédia ácida que aparece nos momentos essenciais. Nat Love (Jonatan Majors) versus Rufus Buck (Idris Elba) junto de seus companheiros – que também carregam outros nomes de peso na interpretação, como Regina King, Lakeith Stanfield, Edi Gathegi, Zazie Beetz e até Damon Wayans – se enfrentam.
Além disso, a trama é 100% protagonizada por pessoas negras, e radicaliza o irrealismo até entendermos que a realidade é uma imagem construída. The Harder They Fall, em seu nome original, mostra a trilha sonora como a cereja do bolo, um lugar incomum para o gênero. Envolvendo o country com uma pegada mais pop ou batidas mais intensas de hip-hop, as músicas do filme lembram que tudo pode ser revolucionário. – Nathália Mendes
Ferida (Bruised, Halle Berry)
Halle Berry fez sua estreia na direção em Ferida, filme onde interpreta Jackie Justice, uma antiga lutadora de MMA que agora faz faxinas para conseguir pagar as contas. Quando Manny, seu filho de 6 anos de idade que abandonou, reaparece à sua porta, Jackie decide aproveitar uma última chance de voltar aos ringues e retomar a carreira pelo bem da criança.
A direção agressiva de Ferida parece destacar o sofrimento e a violência no cotidiano da protagonista, mas tem dificuldade em lidar com os temas que surgem ao longo da obra, como a sexualidade de Jackie. O que poderia torná-la mais complexa é introduzido com rapidez e é logo deixado de lado para seguir uma fórmula conhecida dos filmes de luta.
O filme tenta construir uma história de superação, mas falha ao impedir que conheçamos sua protagonista a fundo. Os únicos momentos em que oferece algo além de dessensibilização são as cenas de Jackie com o filho, onde estabelece uma relação de amor e carinho genuína entre eles. No resto, Bruised prefere seguir um modelo já visto em outros filmes do gênero do que explorar suas particularidades. – Caio Machado
GRACINHA (Manu Gavassi e Gabriel Dietrich)
O nome de Manu Gavassi é sempre acompanhado por uma imagem debochada como pessoa pública e rasa enquanto artista. Bom, isso até novembro de 2021. Isso porque o novo projeto da artista não é só uma significativa ruptura com os caminhos que a mesma traçou para a sua carreira até então, como também é uma demonstração do que ela pode fazer quando está mais preocupada com a sinceridade de sua expressão diante do mundo do que em fazer gracinha.
E isso não é eu que estou dizendo, mas a própria Manu Gavassi em cada canto de seu novo disco, que além de encontrar seu lugar de respeito dentro da Música nacional, destaca-se também no cenário artístico brasileiro como um todo com o seu complemento visual. Seguindo a narrativa do álbum, o filme apresenta, através da história musicada de Gracinha (interpretada talentosamente pela própria Manu), reflexões sobre o ofício da Arte e o exercício da liberdade.
Ela também assina o roteiro (que traz um quê de Literatura maravilhoso) e a produção de arte (cuja identidade tem um caráter de inédito vindo de uma artista brasileira, e esbanja personalidade dentro da essência de Manu Gavassi e de suas referências), dividindo a direção com Gabriel Dietrich. O álbum visual ainda conta com um elenco brilhante (Paulo Miklos, Ícaro Silva, Fábio Porchat, João Cortês e Titi Gagliasso) que destaca a produção musical de Lucas Silveira. Eu tentei explicar, mas é isso: prometo para você que, dessa vez, a GRACINHA de Manu Gavassi é imperdível. – Raquel Dutra
TV
Cowboy Bebop (1ª temporada, Netflix)
Ainda tentando emplacar uma adaptação de animes para o formato live-action ocidental, a mais nova aposta (e vítima) de Hollywood não é ninguém menos do que Cowboy Bebop, a obra seminal e influente de Shinichiro Watanabe lançada em 1998. Distribuída pela Netflix, a primeira temporada da nova série segue mais ou menos a linha dos primeiros episódios da animação, narrando as desventuras de um grupo de caçadores de recompensas espaciais que viajam pelo sistema solar à bordo da nave Bebop, procurando por foragidos e tentando, cada um à sua maneira, escapar de um passado nebuloso.
Diferente de Death Note (2017), a nova tentativa do streaming de traduzir animações orientais para live-action se esforça para preservar a iconografia da série original, mesmo quando tal esforço faz pouco ou nenhum sentido. Sim, é legal ver John Cho caracterizado como o relaxado Spike Spiegel, mas acompanhar uma pessoa de carne e osso usando a mesma roupa por 10 episódios só chama mais atenção para o estranhamento entre um formato e outro. As novas interpretações de suas personagens são intrigantes e oferecem potencial, mas a insistência de sua apresentação em manter a estética do original se prova um detrimento ao invés de uma virtude.
Embora a incrível trilha sonora da animação tenha sido preservada graças ao retorno da compositora Yoko Kanno, o jazz não mais rege a estrutura de sua execução. Abandonando o formato episódico da animação original, o novo Cowboy Bebop tenta ao máximo serializar sua narrativa para se adequar ao formato de exibição do streaming, ligando seus episódios por meio da trama fraquíssima do vilão Vicious (Alex Hassell), que só engata de verdade nos últimos episódios, sem força o suficiente para entregar uma conclusão adequada para a temporada. Não foi dessa vez, Space Cowboy. – Gabriel Oliveira F. Arruda
We’re Here (2ª temporada, HBO)
Após uma temporada incrível empoderando pessoas em cidades pequenas no interior dos Estados Unidos, Bob The Drag Queen, Shangela e Eureka retornam para mais um longo percurso em We’re Here. Com o propósito de recrutar pessoas para participar pela primeira vez de um show drag, as ex-participantes de RuPaul’s Drag Race ajudam no empoderamento de indívudios LGBTQIA+ que cruzam o caminho das queens. No meio do percurso, surgem diversos talentos e histórias de superação.
A premissa da série se assemelha muito com o filme Priscilla, a Rainha do Deserto, com três drag queens talentosíssimas que viajam por lugares inóspitos em um ônibus estilizado do tamanho da personalidade das artistas. Após uma temporada, Bob The Drag Queen, Shangela e Eureka retornam com muito mais familiaridade em sua série, o que permite com que as histórias se desdobrem com mais fluidez e emoção. Ao longo de oito episódios, a série transborda o carisma, a singularidade, a coragem e o talento que a Mama Ru tanto cobra das participantes de Drag Race. – Gabriel Gatti
Impeachment: American Crime Story (3ª temporada, FX)
Em 1994, Paula Jones abriu um processo contra Bill Clinton alegando ter tido sua carreira prejudicada após a recusa de uma proposta sexual. Em novembro de 1996, Bill Clinton foi reeleito presidente dos Estados Unidos. Em 1997, o caso foi arquivado. E, em 1998, após Linda Tripp entregar ao Procurador de Justiça cópias das conversas da estagiária Monica Lewinsky, que comprovava o envolvimento pessoal dela com Clinton, o processo de impeachment do presidente foi aberto.
Esse escândalo foi o tema escolhido para o terceiro ano da primorosa American Crime Story. Após uma produção de altíssimo nível exibindo o julgamento de O. J. Simpson e uma segunda temporada mostrando os dramas do assassinato de Gianni Versace, a antologia com produção executiva de Ryan Murphy constrói o caso Clinton e Lewinsky, retratando a podridão dos poderosos. Apesar dos episódios durarem em torno de 1 hora cada, as histórias das personagens desenrolaram de maneira rápida, eficaz e não cansativa.
O destaque para Monica Lewinsky é dentro e fora das câmeras. Além de ter sua história protagonizada, ela atua como produtora de Impeachment: American Crime Story. Lewinsky retratada como completa ingênua através da entrega à atuação de Beanie Feldstein, certamente é a maior vítima dos acontecimentos. Sarah Paulson na pele de Linda Tripp reverbera a série, assim como qualquer produção que ela toca. Edie Falco também é um grande nome a ser citado. Sem muitas cenas nos primeiros episódios, sua Hillary Clinton vem à tona e irretocável para o final, momento de seu maior estrelismo. – Ana Júlia Trevisan
Stargirl (2ª temporada, The CW/HBO Max)
Mais uma das heranças do finado serviço de streaming da DC, Stargirl não teve a boa sorte de ter passado para as mãos do HBO Max assim como Doom Patrol ou Titans, ficando à cargo da CW, emissora responsável pelas séries que compõem o chamado Arrowverso, como The Flash e Batwoman. Apesar da mudança, a série de Greg Berlanti lida bem com o novo ambiente e, mesmo tropeçando um pouco nos primeiros episódios, recupera o fôlego na segunda metade da temporada e constrói um drama emocional maduro e inteligente para seu grupo de jovens heróis (e vilões).
Após a derrota de Geada (Neil Jackson), Courtney (Brec Bassinger) e o resto da nova Sociedade da Justiça da América tem de descobrir como manter o equilíbrio entre suas novas identidades secretas e suas vidas civis, deixando os primeiros capítulos do novo arco (Summer School) um pouco maçantes. O que salva é a introdução de Ysa Penarejo como Jade, filha do Lanterna Verde original e nova portadora do Anel de Poder, e a volta de Meg DeLacy como Shiv, uma das atrizes que mais parece se divertir com seu papel de vilã de Meninas Malvadas.
Com a chegada de Eclipso (Nick E. Tarabay), no entanto, mágoas passadas são postas de lado e um inimigo força todos a confrontarem seus piores medos, em episódios carregados de tensão e até mesmo Terror, cimentando a nova fase da produção e sua capacidade de se diversificar. Apesar de não ter o mesmo orçamento de outras adaptações de quadrinhos populares, Stargirl acerta naquilo que importa, atingindo em cheio na energia positiva que marcou o primeiro ano da série, mas sem ignorar os negativos de suas personagens. – Gabriel Oliveira F. Arruda
Patrulha do Destino (Doom Patrol, 3ª temporada, HBO Max)
Depois de uma segunda temporada que foi encurtada por causa da pandemia, a Patrulha do Destino retornou exatamente de onde parou. No novo ano, a equipe dos heróis excêntricos e desajustados da DC Comics precisa lidar com seus próprios traumas enquanto enfrentam bizarrices tão inexplicáveis que nem a Liga da Justiça teria coragem de confrontar.
A terceira temporada de Doom Patrol provou que esta é a melhor série baseada em histórias em quadrinhos em exibição atualmente. As aventuras estão ainda mais doidas, de um jeito que deixaria Grant Morrison orgulhoso, e o drama de cada um dos membros da equipe emociona bastante. O destaque dado à Rita Farr (April Bowlby) surpreende ao exibir uma ambiguidade moral fascinante, que nunca tinha sido mostrada até então, e a adição de Michelle Gomez ao elenco, no papel de uma viajante no tempo misteriosa, introduz um excelente clima de desconfiança à dinâmica do grupo. O episódio 8, Patrulha do Subconsciente, é digno de Emmy. Que venham mais temporadas! – Caio Machado
Big Mouth (5ª temporada, Netflix)
O ódio é protagonista da 5ª temporada da série mais safada da Netflix. No novo ano, os eternos pré-adolescentes precisam lidar com a chegada do Amor, na forma de Walter (Brandon Kyle Goodman), o inseto da paixão que infecta Nick (Nick Kroll) e faz seus sentimentos por Jessi (Jessi Klein) aflorarem. O problema é que a garota tem seu próprio monstro amoroso, Sonya (Pamela Adlon), que cutuca seu coração para a direção de Ali (Ali Wong).
Com o circo armado, o amor não correspondido vira raiva, desaguando em uma trama repleta de rancor, com direito ao retorno do Mago da Vergonha (David Thewlis). Enquanto isso, Andrew (John Mulaney) lida com seus problemas de aceitação, Jay (Jason Mantzoukas) abandona o relacionamento tóxico que mantinha com Lola (Nick Kroll) e acaba na cama de Matthew (Andrew Rannells). Missy (Ayo Edebiri), por outro lado, alimenta o rancor da cobra Rochelle (Keke Palmer) e preocupa Mona (Thandiwe Newton).
No plano geral, Maury (Nick Kroll) e Connie (Maya Rudolph) não se encontram tão ao centro da narrativa, mas ganham protagonismo no divertido e peculiar episódio de Natal. Com direito a muita metalinguagem, Big Mouth já está exalando um ar de encerramento, ainda mais quando o jovem Nick visita o Mundo dos Monstros e sobe o elevador até a sala do chefão, ninguém menos que o próprio Nick Kroll, que aparece em live-action e contracena com seu “eu” animado. Madura, sacana, cheia de tesão e com muito a dizer, a Bocona da Netflix segue irretocável. – Vitor Evangelista
Adele One Night Only (Especial Musical, CBS/Globoplay)
Em One Night Only, Adele caminha por toda a sua trajetória musical e explora clássicos e novidades que compõem a sua carreira, enquanto bate um papo com Oprah Winfrey. Abrindo com Hello, a cantora mescla músicas de seus primeiros álbuns, trilha sonoras de filmes e do seu mais novo projeto: 30. A entrevistadora toca em pontos da jornada de Adele, abordando sua perda de peso, as inspirações por trás de cada canção, o divórcio e seu filho Angelo, e os sentimentos da artista transparecem a cada resposta, sendo visível a sinceridade da conversa.
A plateia da apresentação é composta por diversos convidados de renome, como Leonardo DiCaprio, Selena Gomez, Tracee Ellis Ross e Lizzo, que vibram e celebram as músicas e comentários da cantora. Ela age com bastante naturalidade, mesmo sendo sua primeira performance de algumas músicas desde o lançamento do novo CD. – Marcela Zogheib
Foundation (1ª temporada, Apple TV+)
É preciso assistir ao menos os 3 primeiros episódios de Foundation para entender do que se trata. Somos lançados em uma cinematografia magnífica, de arrancar suspiros, para conhecer um universo completamente diferente com incontáveis planetas e habitantes, mas não é fácil perceber qual história está sendo contada. A nova série da Apple TV+ é baseada nos livros de Isaac Asimov, uma coleção que é um marco da ficção científica e narra o futuro a partir da perspectiva político-social.
A série de David S. Goyer usou apenas a premissa de Asimov para criar sua narrativa – e isso é o que mais revoltou os fãs. Ambas contam a história de um Império galáctico de 12 mil anos de idade, governado por uma tríplice de clones – é isso aí, você leu direitinho. Cleon teve a brilhante ideia de ter uma dinastia de clones próprios, então, séculos depois, estamos diante de 3 versões suas: uma jovem, outra adulta e a mais velha. Assim, a galáxia de trilhões de habitantes está na mão (ou nas mãos?) de um autocrata, cujo maior inimigo é justamente a ciência, e a produção patina nesse enredo complexo.
Enquanto lidamos com o desenvolvimento de Cleon (Lee Pace), a série se distancia dos livros na maior parte do tempo, mudando personagens importantes, inclusive o protagonista Hari Seldon. Sob a pele do brilhante Jared Harris, Seldon é um matemático que inventou a psico-história: uma ciência que prevê movimentos da sociedade a partir da psicologia das massas e algumas continhas. Segundo ele, o Império irá cair, e por isso, Cleon precisa que uma parcela da população crie uma Fundação para que a espécie sobreviva. Um audiovisual espetacular e a má construção de suas personagens femininas os acompanham nessa brincadeira que vale a pena assistir – mas talvez te decepcione. – Nathália Mendes
Arcane (Arcane: League of Legends, 1ª temporada, Netflix)
No reino das animações, foi difícil ouvir falar sobre outra coisa esse mês a não ser Arcane. A nova produção da Netflix, baseada no universo do jogo League of Legends, conquistou elogios tanto de fãs da franquia quanto do público em geral, graças aos seus visuais deslumbrantes, sua atmosfera steampunk e suas personagens carismáticas, finalmente desbancando Round 6 do primeiro lugar no ranking de séries mais vistas na plataforma. Contando com vários dos personagens do jogo, a primeira temporada da série narra a tensão entre Piltover e Zaun, cidades gêmeas marcadas pela desigualdade entre suas classes sociais, encarnada no relacionamento entre as irmãs Vi (Hailee Steinfeld) e Jinx (Ella Purnell).
Logo em sua abertura, Arcane já encanta com seu uso de cores e sons para contar sua história, num dos exemplos mais impactantes do potencial de animações desde que Miles Morales saltou para dentro do Aranhaverso em 2018 (e ambas tiveram um longo tempo de desenvolvimento). A mistura entre técnicas 2D e 3D forma a base para uma das estéticas mais distintas do ano, marcada por modelos de personagens cartunescos e expressivos e uma iluminação estilizada. A qualidade da atuação de Steinfeld e Purnell como as trágicas irmãs carrega os capítulos, que por vezes sofrem com a quantidade de subtramas políticas apresentadas que não são nem de longe tão engajantes quanto a principal, apesar de apresentarem potencial para a já confirmada segunda temporada.
Dividida em três atos de três episódios, a produção conseguiu manter o interesse da audiência ao longo de quase todo o mês, marcando um sucesso não só para a Netflix, mas também para a Riot Games, desenvolvedora de League of Legends, ao fim de um ano marcado por acusações de assédio e má conduta, que mancharam com razão o nome da companhia e de suas propriedades e que não devem ser esquecidas em meio a ação magistral da série. Embora o segundo ato se enfraqueça por conta de um salto temporal que demora para aterrissar, em sua última semana Arcane conseguiu reforçar seus melhores elementos em uma final explosão narrativa e estética, que nos deixa ansiando muito mais de seu universo. – Gabriel Oliveira F. Arruda
Chucky (1ª temporada, Syfy/USA Network)
Depois do fracassado reboot de Brinquedo Assassino, lançado em 2019, o boneco homicida (e muito debochado) voltou, dessa vez numa série com o controle criativo de Don Mancini, criador da franquia. Na trama, depois que o jovem Jake Wheeler (Zachary Arthur) compra um boneco Bonzinho em uma venda de garagem, uma série de terríveis assassinatos começa a acontecer em uma pequena cidade dos Estados Unidos. Enquanto isso, a chegada de inimigos e aliados do passado de Chucky promete expor as origens do boneco e a verdade por trás de todas as mortes.
Continuando depois dos eventos de O Culto de Chucky, a série acertou ao dar o controle criativo de volta a Mancini, que entrega uma história de amadurecimento violenta, cômica e muito divertida. A trama ainda abraça a essência queer da franquia com orgulho, retratando o relacionamento do protagonista com Devon (Björgvin Arnarson) de um jeito tão bonito que é impossível não sorrir ao vê-los juntos. O retorno de personagens conhecidos, como Tiffany (Jennifer Tilly) é mais do que puro fanservice e evidencia que a mitologia da saga, construída ao longo de mais de 30 anos, ainda tem muito a oferecer. É o evento televisivo do ano. – Caio Machado
The Beatles: Get Back (1ª temporada, Disney+)
No ano de 1969, os Beatles decidiram retornar para um show ao vivo, após terem encerrado suas aparições públicas em 1966. O retorno aclamado deu origem a mais de 50 horas de filmagens e mais de 150 horas de gravação em áudio, cuja organização — revelada ao público mais de cinquenta anos depois — ficou a cargo do diretor neozelandês Peter Jackson, responsável pela adaptação cinematográfica de O Senhor dos Anéis, dando origem a The Beatles: Get Back.
Embora os arquivos tenham chegado prontos ao diretor, a maneira de contar essa história ficou totalmente sob sua responsabilidade. A série soma mais de oito horas, sendo dividida em três partes com mais de duas horas cada (a segunda, por exemplo, tem quase três horas). O documentário funciona como um enorme making of, no qual enxergamos a mente dos garotos de Liverpool trabalhando e criando novas canções, mas também deixa em evidência que o verdadeiro líder dos Beatles foi Paul McCartney — ele chega atrasado, naturalmente dá ordens a respeito das formas de abordar as canções, estipula o que cada integrante deverá fazer com seu instrumento e decide com os produtores e engenheiros de som a maneira de capturar o áudio durante o show.
A maior virtude de The Beatles: Get Back é a apresentação do quarteto sem a aura mística e o pensamento mágico que os cerca na cultura popular — seja pelas falas ácidas e posicionamentos fortes de John Lennon, frequentemente citados em qualquer menção ao cantor cujo objetivo é pontuar seu ar de guru geracional, seja pelas estranhas teorias de conspiração que cercam McCartney. Particularmente, essa abordagem parece ser batida, possivelmente um ponto de saturação na cultura. Talvez esse seja o motivo pelo qual o documentário foi recebido com enorme carinho e satisfação por uma parcela do público, ao mesmo tempo em que desanimou aqueles que colocam os integrantes como quatro anjos na Terra. Em Get Back, vemos os Beatles como pessoas, como quatro indivíduos que são, invariavelmente, geniais — mas ainda, e profundamente, humanos. – Bruno Andrade
RuPaul’s Drag Race UK (3ª temporada, BBC Three)
A segunda temporada de Drag Race UK foi impecável. Competidoras talentosíssimas, desafios divertidos, e narrativas deliciosas de se acompanhar. As expectativas altas deixadas por Bimini e Lawrence prepararam o terreno para que o terceiro ano da corrida britânica continuasse a ser mais interessante de acompanhar do que a versão estadunidense, e, bom, não foi bem assim. Finalmente assistimos uma mulher cis competir… Por três episódios. Victoria Scone, assombrada pela maldição de Eureka, precisou deixar o programa por problemas médicos depois de machucar seu joelho. Pelo menos ela recebeu um convite para a quarta temporada, né? Só se foi atrás das câmeras. No que assistimos, RuPaul deu tchau tchau e nem uma palavra a mais. Vamos rezar para que seja apenas uma estratégia de manter o suspense para o próximo ano.
Veronica Green, retornante do UK2 (que pausou as gravações pela pandemia) depois de ser desclassificada por ter contraído covid-19 quando voltaram ao estúdio, se viu em um cenário bem diferente de sua primeira participação, em que era claramente uma das favoritas. No terceiro episódio, RuPaul não teve piedade e eliminou Green na mesma noite que Scone precisou deixar a competição. Retirar da corrida duas queens boas de uma vez só era um presságio da decepção que viria a ser a terceira temporada do Drag Race UK. Nos episódios seguintes, assistimos performances mornas ou horríveis, com direito a um desafio que ninguém ganhou, de tão desastroso que foi. Na semana seguinte, um sashay away duplo. Pelos motivos errados, os mil problemas pelo menos serviram entretenimento aos espectadores, além do carisma reluzente das participantes.
Elektra Fence lakrou o prikito dos jurados no Lip Sync de Sweet Melody, servindo uma das dublagens mais legais de se assistir em muito tempo. Charity Kase não soube decidir entre ser quem era e quem RuPaul gostaria que ela não fosse, e desperdiçou seu potencial por não entender que as regras em Drag Race são diferentes do drag no mundo real. Scarlett Harlett se perdeu dentro de sua própria cabeça, e Vanity Milan não conseguiu colocar a mesma energia de seus Lip Syncs na competição. O top 3 salvou a temporada: Kitty Scott-Claus é uma fonte apaixonante de carisma, segurança e timing cômico. Ella Vaday fez jus a promessa de fazer Veronica Green tremer as pernas, e ficou a milímetros de distância da coroa. Krystal Versace é Krystal Versace. O final da corrida pode ter deixado ela um pouco cansada, mas RuPaul viu na jovem de 19 anos o que todos nós também vimos: o futuro. – Jho Brunhara