Nathan Nunes
Na manhã do dia 15 de Janeiro de 2015, Hollywood ficou em polvorosa com a falta do então favorito Uma Aventura Lego entre os indicados ao Oscar de Melhor Animação. Lembrado, ainda assim, na disputa de Canção Original com Everything is Awesome, o longa de Phil Lord e Christopher Miller (que seriam premiados anos depois por Homem-Aranha no Aranhaverso) foi preterido em razão de dois candidatos menos conhecidos: O Conto da Princesa Kaguya, do cultuado Studio Ghibli, e A Canção do Oceano, da pequena produtora irlandesa Cartoon Saloon. Completavam a lista Como Treinar o Seu Dragão 2, da DreamWorks, Os Boxtrolls, da LAIKA Studios, e o eventual vencedor Operação Big Hero da Disney. Apesar do esnobe, é notável que havia um equilíbrio na disposição dos estúdios por trás dos concorrentes naquele ano, abraçando tanto os gigantes quanto os independentes e estrangeiros.
Essa harmonia não se vê mais atualmente. Das cinco animações indicadas em 2023, apenas uma se encaixa nesse perfil “pequeno” antes mais reconhecido: Marcel the Shell with Shoes On, falso documentário em stop motion orçado em menos de 7 milhões de dólares e distribuído pelo atual pedigree independente, a A24. O restante pertence aos figurões, sendo duas da Netflix (Pinóquio por Guillermo del Toro e A Fera do Mar), uma da Disney (Red: Crescer é uma Fera) e uma da DreamWorks (Gato de Botas 2: O Último Pedido), além de serem todas superproduções de grande orçamento. Não é à toa que a categoria está novamente dominada pelos grandes estúdios, pois o que se evidencia, na prática, é a constatação de um descaso da indústria com a própria Arte da animação em si.
O Oscar de Melhor Animação: Uma História
Em 19 de Fevereiro de 1992, assim como na manhã de 2015, Hollywood também pulou da cadeira quando A Bela e a Fera foi anunciado como um dos cinco concorrentes ao Oscar de Melhor Filme, tornando-se a primeira animação a realizar esse feito na história. O reconhecimento potencializou a chamada Era do Renascimento da Disney, marcada por um sucesso quase constante de bilheteria e crítica em suas produções, que, não à toa, cada vez mais adentravam a disputa pela estatueta dourada.
A conversa sobre uma categoria para reconhecer única e exclusivamente as animações se intensificou à medida que outros estúdios começaram a surgir para disputar espaço com a Casa do Mickey, notoriamente a Pixar de Monstros S.A. e a DreamWorks de Shrek. Em 2002, a concorrência entre ambos esses filmes, juntamente com a presença de outros competidores de peso (Jimmy Neutron foi o terceiro indicado), se mostrou suficiente para inaugurar a modalidade, que fez da comédia do ogro verde o seu primeiro vencedor.
Ainda assim, na época, não faltaram críticas a como o prêmio poderia ser uma forma de excluir as animações da disputa de Melhor Filme, pois o longa foi esnobado nela, mesmo com menções significativas no BAFTA e no Sindicato dos Produtores. O histórico da Academia também não era favorável, pois a indústria sempre foi tendenciosa com a presença animada na categoria. Esse sentimento, até então, tinha sido mascarado pela entrega de prêmios especiais para três produções específicas ao longo das décadas: Branca de Neve e os Sete Anões, em 1938, Uma Cilada para Roger Rabbit, em 1989, e Toy Story, em 1996.
Depois de sua estreia, o Oscar de Melhor Animação continuou evoluindo. 2003 viu o seu primeiro e único vencedor vindo de fora dos Estados Unidos, A Viagem de Chihiro de Hayao Miyazaki. A presença internacional também foi se expandindo com o passar dos anos, através de nomes como os franceses As Bicicletas de Belleville, em 2004, e Persépolis, em 2008. Isso ocorreu devido ao aumento do número de membros no comitê que selecionava os indicados, composto apenas por profissionais da área.
Em retrospecto, a década de 2010 pode ter sido o ápice dessa representatividade, tendo em vista o equilíbrio que a seleção de 2015 exalou, por exemplo. Candidatos pequenos de outras nacionalidades que não a americana ou a inglesa como Um Gato em Paris, Ernest e Celestine e A Tartaruga Vermelha, da França, Chico e Rita, do México, e Minha Vida de Abobrinha, da Suíça, foram agraciados com as indicações que antes estariam destinadas a outros campeões dos grandes estúdios, como Universidade Monstros, O Bom Dinossauro e Procurando Dory da Pixar, todos esnobados em seus respectivos anos.
O golpe
Hollywood, obviamente, não estava feliz com essa situação. O contra-ataque veio na forma de uma mudança nas regras de votação da categoria, sancionada em 2017. Através dela, o comitê foi descontinuado, em razão do fato do voto para indicação ter sido aberto para todo e qualquer membro votante da Academia. O resultado disso nunca ficou tão claro quanto no ano passado. Entre as cinco animações indicadas em 2022, apenas uma (o dinamarquês Flee) era internacional, sendo três (Raya e o Último Dragão, Luca e a vencedora Encanto) das outras quatro pertencentes a um único estúdio, aquele do rato com fome de monopólio.
Para coroar a situação, a cerimônia do tapa ainda apresentou os concorrentes animados da seguinte forma, nas palavras de Lily James (Cinderella), Naomi Scott (Aladdin) e Halle Bailey (A Pequena Sereia): “experiências formativas para as crianças que assistem elas”. A frase evidenciou a noção da indústria de que a animação é uma coisa de criança, algo que os mesmos Phil Lord e Christopher Miller de Lego, indicados na noite com A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas, criticaram em uma coluna na revista Variety. “Não estamos querendo diminuí-las, mas está na hora de as elevarmos”, defenderam.
O problema
O caso do último Oscar é emblemático para discutir os dois principais problemas que assolam o prêmio de Melhor Animação. O primeiro deles é o sequestro de sua existência como mais um meio para os grandes estúdios prestigiarem apenas a si mesmos. É notável o posicionamento de James, Scott e Bailey para a entrega da estatueta, pois as três são as novas encarnações das princesas da Disney para a geração atual, implicando que a empresa seria a grande e única guardiã responsável pelo impacto sócio cultural dos filmes animados.
Já o segundo é o próprio descaso em si da categoria como representante de um “tipo inferior” de Cinema, na visão da Academia. Ao citar o público infantil como o único a ser impactado pela animação, a instituição deixa claro que enxerga as animações dessa forma, e somente reforça isso ano após ano, ao nem sequer considerá-las como dignas de mérito igual – ou, às vezes – maior que seus grandes concorrentes de carne e osso.
As animações do Oscar 2023: tão boas quanto os Melhores Filmes?
Nos 31 anos que separam a indicação de A Bela e a Fera da atual lista de Melhor Filme, apenas duas outras animações repetiram o feito: Up: Altas Aventuras em 2010 e Toy Story 3 em 2011, nos primeiros anos de expansão do número de nomeados de cinco para dez, cujo um dos motivos foi justamente o esnobe de Wall-E em 2009. Para além do fato de que outras grandes produções animadas mereciam demais o mesmo reconhecimento (em especial Divertida Mente em 2016, Aranhaverso em 2019, e Soul em 2021), 2023 marca um ano em que os concorrentes de Melhor Animação apresentam aspectos tão bons e quiçá até melhores que os indicados da categoria principal.
As sequências marítimas de A Fera do Mar são tão deslumbrantes quanto as de Avatar: O Caminho da Água, enquanto o valor familiar é tão emocionalmente catártico em Marcel como em Os Fabelmans. Gato de Botas 2 é uma história sobre um herói frente a sua obsolescência e a quebra de seu mito, assim como Top Gun: Maverick. Red se utiliza da estilização e da fantasia para explorar as barreiras emocionais no relacionamento entre mãe e filha amarelas, tal qual o favorito Tudo em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo. Por fim, o Pinóquio por Guillermo Del Toro fala melhor sobre o valor da humanidade em tempos de guerra do que Nada de Novo no Front, sendo que ambas as produções dividem a mesma distribuidora – a Netflix.
Conclusão
O que se tenta dizer com essas comparações não é um desmerecimento dos outros candidatos, mas sim um exemplo de que essas animações possuem tanto valor quanto eles. Onde estão os filmes animados nas disputas de roteiro, atuação, montagem, fotografia, efeitos, design de produção e outras? Sabemos que eles têm qualidade suficiente para figurarem nesses mesmos espaços, e só não o fazem por concepções arcaicas, vazias e preconceituosas da própria indústria cinematográfica. Concepções essas de que seu público-alvo é apenas o infantil, ou de que seu valor está apenas ligado ao nome de grandes corporações. Nas palavras do diretor Guillermo del Toro:
“Animação é um meio. Animação é filme. Animação é Arte e pode contar histórias que são lindas e complexas, e que são feitas à mão por humanos para humanos”