A Saída Está À Nossa Frente: as portas de emergência não se abrem para todos

Cena do filme A Saída Está À Nossa Frente. Na imagem, Tracy Staggs aparece de costas colocando uma mesa desmontável no chão. A personagem é branca e está de pé. Ela veste um conjunto de calça e casaco de moletom, as peças de roupa são cinza com detalhes em rosa e preto. O cabelo é loiro e está preso. Ao redor há grama e uma árvore seca, também aparecem uma bicicleta rosa e uma azul no canto inferior direito. No lado esquerdo há alguns objetos atulhados.
A Saída Está À Nossa Frente aborda a vida norte-americana de uma perspectiva alternativa; o filme fez parte da Competição Novos Diretores na 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Hamilton Film Group)

Jamily Rigonatto 

A narrativa do modo de vida americano presente em comerciais, produtos culturais e campanhas estadunidenses nos mostram uma realidade brilhante – moldada pela visão liberal do que isso significa. A ideia de desenvolvimento e sucesso escondem realidades nas quais o luxo e a tecnologia não estão presentes. Em A Saída Está À Nossa Frente, do diretor Rob Rice, o valor das pessoas que não vivem sob os holofotes de Hollywood caminha em linhas retas, sem possibilidades de pontos de fuga. A produção independente fez parte da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo na Competição Novos Diretores, e com imagens tremidas e baixo orçamento, invade um horizonte tão real quanto cruel. 

A apresentação dos personagens expõe um núcleo familiar – por mais que isso seja feito de maneira pouco clara. Mark e Tracy Staggs são um casal, interpretado por pessoas comuns que cedem seus nomes aos personagens, e juntos tem uma filha chamada Cassie (Nikki DeParis). Os três viveram a vida toda em um vilarejo de beira de estrada distante dos vislumbres da modernidade, mas a jovem recebe a chance de se mudar para Los Angeles e ganhar um novo destino. Ali, em uma garota tomada por otimismo e esperança, vive a saída. 

O cenário é real, quase um registro documental guardado por uma só lente – já que Alexey Kurbatov trabalhou com a fotografia assim. As imagens, visivelmente francas, se misturam aos entulhos e espaços improvisados para construir um universo em que o Estado é um pai ausente. Ainda assim, entre as marcas da pobreza, o afeto e a cumplicidade são capazes de alimentar sentimentos genuinamente doces. Uma pena o amor não ser capaz de passar por cima da crueldade de um sistema que prioriza acumular desigualdades. 

Cena do filme A Saída Está À Nossa Frente. Na imagem Tracy Staggs aparece olhando para frente. A personagem veste uma blusa de manga longa azul escura e cinza. Sua pele é branca e seus cabelos loiros estão presos
A Saída Está À Nossa Frente foi exibido na 33ª edição do festival FIDMarseille (Foto: Hamilton Film Group)

Ao longo do enredo, também roteirizado por Rice, Cassie acumula despedidas. Passando pelos lugares e pessoas que marcaram sua vida, ela acomoda as lembranças com carinho, enquanto se prepara para ganhar novas possibilidades. Os moradores com os quais conversa revelam o quanto a negligência é a residente mais antiga daquele lugar arenoso e deserto. Um primo com histórico de dependência química, um senhor que passou anos no sistema carcerário e usa a religiosidade como uma maneira de seguir em frente e o próprio pai escondendo uma doença terminal são reflexos disso. 

Por mais que esteja debruçada sobre as margens dos Estados Unidos, Way Out Ahead of Us – nome original da obra – não nos prepara em momento algum para caminhos pouco acesos. Por mais aflitivos que Mark e Tracy estejam com a evolução da condição do personagem, a vontade de fazer a filha sair daquele lugar move todos os seus passos com leveza. A sutileza acaba contagiando o espectador, que por muitos momentos se vê acreditando em futuros iluminados pela boa vontade e esforço. 

O filme conquista seu clímax com uma reviravolta moldada por um misto muito bem feito de surpresa e obviedade. Depois que Cassie já chegou na cidade grande, seu pai, dentro de um carro, a liga e deixa um recado trajado de adeus, pega uma arma e não precisamos ver mais nada para saber o que aconteceu. A tal saída não parece mais uma luz no fim do túnel, mas uma ilusão construída em tons crus. 

A atriz iniciante Nikki DeParis atuou nos curta metragens Prude e Amaranthine (Foto: Hamilton Film Group)

A Saída Está À Nossa Frente é um sopro: rápido, leve e capaz de derrubar coisas. O suicídio de Mark não precisa tomar muitos frames para causar impacto em quem assiste a produção, mas deixa para traz questionamentos silenciosos. Em um mundo que dá muito a poucos e pouco a muitos, a saúde mental é um adereço pouco acessível. Afinal, os direitos humanos são para quantos? 

Rob Rice trabalha com pouco e isso é o suficiente para o propósito do filme. Atrás da fotografia distante da perfeição e dos atores improvisados, existe tanta verdade e provocação que o resultado é admirável. Um espetáculo que não se assume como tal, mas é baseado em fatos tão reais quanto eu e você. O grito silencioso e melancólico das vidas que existem atrás das cortinas.

Quando os ratos de laboratório são colocados para realizar um percurso de teste, seguem o cheiro do queijo em busca do momento premiado sem saber que estão presos por paredes de acrílico. Assim também acontece com as pessoas: buscam os resultados da meritocracia sem saber das barreiras ao seu redor. Nos destroços do capitalismo, a saída não leva a lugar algum. 

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