Quem são as mães das filhas perdidas?

Cena do filme A Filha Perdida. Nela, a atriz Jessie Buckley, que interpreta Leda, está abraçando duas meninas, em que não é possível ver seus rostos. Jessie é uma mulher branca, de cabelos castanhos claros.
Após levar o Leão de Ouro de Melhor Roteiro em Veneza, A Filha Perdida garantiu 3 indicações no Oscar 2022 (Foto: Netflix)

Vitória Silva

Dos tipos de representações que temos em relação à maternidade no Cinema e na TV, podemos citar vários. A mãe superprotetora, a mandona, a descolada, e, é claro, a clássica mãe que abdica de todas as suas vivências pessoais pelas conquistas dos filhos, ou até mesmo para encontrá-los no mundo. Pense em quantas personagens mães você conhece, e quantas delas não estão associadas diretamente ao papel materno que as nutre. E, quando o renegam, na maior parte das vezes são movidas por uma maldade sobrenatural ou pela construção de um aspecto vilanesco de sua personalidade. Afinal, que tipo de mãe não amaria seus filhos incondicionalmente?

Transpondo para a realidade, a retórica continua a mesma. Em A Filha Perdida, a misteriosa Elena Ferrante mergulha por inteiro neste que é apenas um dos papéis da feminilidade presentes em sua Literatura. E Maggie Gyllenhaal decide abraçar a mesma narrativa para construir o que seria a sua primeira obra na direção. A trama do filme homônimo segue Leda, interpretada pela magnífica Olivia Colman, que decide passar um período em uma ilha paradisíaca da Grécia, após deixar suas duas filhas, Bianca e Martha, com o ex-marido no Canadá.

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Summer of Soul… ou, Quando o Sonho se Tornou Possível

Cena do filme Summer of Soul. Na fotografia retangular colorida, vemos centenas de pessoas negras vestindo roupas populares nos anos 1960, que são camisetas listradas, blusas com golas grandes e óculos redondos. As três mulheres negras que estão à frente da fotografia possuem cabelos crespos e grandes, de cor preta, e vestem respectivamente uma camisa preta com uma blusa azul sobre os ombros; uma camiseta listrada; e uma blusa de couro marrom com detalhes em cor branca.
Vencedor do BAFTA de Melhor Documentário, Summer of Soul (…Or, When the Revolution Could Not Be Televised) é o favorito na mesma categoria do Oscar 2022 [Foto: Hulu]
Bruno Andrade

O ano é 1969. Seria mais um verão qualquer, não fosse as mais de 300 mil pessoas reunidas em seis finais de semana consecutivos nos Estados Unidos, envoltas por música, dança e fortes discursos indignados que sucederam o assassinato de Martin Luther King Jr. (após uma sequência de homícidios políticos com motivações racistas, de Malcolm X à posterior morte de Bobby Kennedy – e tantos outros). Mas ao contrário do que se possa imaginar, não se trata do famigerado festival de Woodstock, pois esse, apesar de dominar a cultura popular, aconteceu em somente quatro dias (15 à 18 de agosto de 1969). A 160 km dali, no antigo bairro periférico do Harlem, estava acontecendo uma revolução não televisionada. Indicado ao Oscar 2022 na categoria de Melhor Documentário, Summer of Soul (…ou, Quando a Revolução Não Pôde Ser Televisionada) traz à tona os registros do Festival Cultural do Harlem, um marco histórico na Música que se seguiu esquecido; até agora.

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Identidade: quanto vale o pertencimento?

Cena do filme Identidade. Na imagem aparecem os rostos das personagens Irene Redfield, interpretada por Tessa Thompson, e ao seu lado Clare Bellew, interpretada por Ruth Negga. A fotografia é em preto e branco e as duas estão de perfil, Irene usa um chapéu com tons escuros e Clare usa um com cores claras, ao fundo a comunidade do Harlem aparece embaçada.
Identidade foi lançado pela Netflix em 2021 e marca a estreia de Rebecca Hall como diretora (Foto: Netflix)

Jamily Rigonatto 

Em uma sociedade que precifica os seres humanos e os valoriza de forma desigual, vale a pena vender sua própria veracidade por dignidade plastificada? Caso esse não seja o principal questionamento inspirado por Passing – traduzido no Brasil como Identidade – com certeza é um de seus pilares. O longa-metragem lançado em novembro de 2021 na Netflix é um retrato delicado do quanto a sua própria pele pode ser sufocante em uma sociedade estruturada pelo racismo. O filme é a adaptação audiovisual do livro de mesmo nome escrito por Nella Larsen, e é também o trabalho de estreia da atriz Rebecca Hall como diretora.

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Time: tudo pode mudar em vinte anos e nada pode mudar em duzentos deles

Imagem do filme Time. A imagem apresenta um porta-retrato de uma familía repousado em uma mesa inclinado levemente para a diagonal. No porta retrato, na vertical, está a foto de parte da família. Ao centro da fotografia, está a mãe, Fox Rich, uma mulher negra de cabelos cacheados que usa um lenço no pescoço. Ao redor dela, atrás e em cima e na frente e embaixo, estão quatro filhos, todos entre 10 e 6 anos negros. Os que estão atrás dela são os mais velhos, e os que estão na frente são os mais novos. Todos sorriem e posam para a câmera. A moldura do porta-retrato é simples, sem decorações trabalhadas, e branca. A imagem está toda em preto e branco.
Time, filme realizado em parceria com o jornal The New York Times, debate os impactos do encarceramento em massa e pauta o abolicionismo penal na categoria de Melhor Documentário do Oscar 2021 (Foto: Reprodução)

Raquel Dutra

Não haverá, nos Estados Unidos ou em qualquer lugar sujeito à sua jurisdição, nem escravidão, nem trabalhos forçados”, diz a 13ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos, que ‘aboliu’ a escravidão no país em 1865. Um dos maiores marcos da Terra da Liberdade, no entanto, guardou uma ressalva em seu texto, definindo logo em seguida que “os devidamente condenados por um crime” eram a sua exceção, criando em si mesma uma condição que permitia a prática do que acabava de extinguir. A conclusão da premissa da Emenda é literal e simples: quando você é condenado, você se torna um escravo do Estado.

Não à toa, o termo que se usa para definir a quem luta pelo fim do sistema carcarário vigente é o mesmo que se usava para se referir a quem lutava pelo fim da escravidão. A longo prazo, o que o governo de Abraham Lincoln fez com o que deveria ser um avanço na garantia do direito à liberdade, à vida e à igualdade foi permitir o desencadear de um fenômeno social denominado por estudiosos como o sistema escravista moderno. No país que abriga 5% da população mundial, está 25% da população carcerária do planeta. Assim, a cada quatro presidiários ao redor do mundo, um está encarcerado nos Estados Unidos. Como diz sua própria lei, essas são as pessoas submetidas à escravidão no século 21, e essa é a provocação de Time.

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A Assistente: os verdadeiros bastidores de Hollywood

 A imagem é uma cena do filme A Assistente. Nela, está a atriz Julia Garner, que interpreta a personagem Jane. Jane é uma mulher branca, de olhos azuis, cabelos loiros e amarrados em um coque, ela veste uma blusa rosa de gola alta e mangas compridas e usa um relógio preto em seu pulso esquerdo. Na cena, Jane está no escritório do trabalho sentada em uma cadeira, é possível ver da sua cintura para cima. Ela está falando a um telefone branco com fio, segurando-o com sua mão direita, e está com o que parece ser um passaporte em sua mão esquerda. Ela olha fixamente para o lado direito, com um olhar de preocupação.
Lançado em 2019, o filme se inspira em uma das denúncias que desatou os protestos do #MeToo (Foto: Reprodução)

Vitória Silva

Em 2017, o mundo hollywoodiano virou do avesso. Denúncias de assédio sexual por parte de funcionários e funcionárias do meio artístico começaram a vir à tona para o grande público. A avalanche se desencadeou com as acusações sobre o magnata Harvey Weinstein, dono da grande produtora Miramax, e hoje condenado a 23 anos de prisão. Com isso, outros escândalos emergiram para a superfície na crescente onda do movimento #MeToo, que acumula queixas de superiores até fora do meio cinematográfico.

Não ia demorar muito para que esses protestos tomassem forma nas telonas. O Escândalo, lançado em 2019, foi um dos primeiros a cumprir a tarefa, ao tratar sobre casos de assédio causados por Roger Ailes, diretor da Fox News. Apesar de parecer promissor, o resultado acabou por ser uma prova nítida de que boas intenções não fazem um bom filme, muito menos justiça, se as pessoas erradas estiverem por trás das câmeras. Nesse caso, A Assistente merece muito mais levar os créditos do pioneirismo. 

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