2 de 20 não é o bastante

O Oscar 2022 marca a primeira edição em que duas pessoas queer concorrem nas categorias de atuação

Montagem retangular de fundo preto. À esquerda está kristen stewart, uma mulher branca, de cabelos ondulados, loiros e na altura dos ombros. Ela veste um cropped e uma saia, ambos pretos e de látex. Atrás foi feita a silhueta da imagem com uma textura dourada. Ao centro está a imagem da animação de uma jovem. Ela é branca, tem cabelos curtos e castanhos, usa óculos, blusa branca e moletom laranja. Atrás foi feita a silhueta da imagem com uma textura dourada. À direita está uma mulher negra. Seus cabelos são curtos e pretos. Ela está sorrindo e suas mãos estão na altura da cintura. Ela veste um vestido brilhante e cinza. Atrás foi feita a silhueta da imagem com uma textura dourada.
Além das duas atrizes queer indicadas esse ano, filmes como Ataque dos Cães, A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas e Spencer trazem subtextos ao tema (Arte: Nathália Mendes)

Vitória Lopes Gomez

Pela primeira vez em 94 edições de Oscar, duas pessoas pertencentes à comunidade LGBTQIA+ disputam em categorias de atuação no mesmo ano. Kristen Stewart, indicada a Melhor Atriz por Spencer, e Ariana DeBose, em Atriz Coadjuvante por Amor, Sublime Amor, ambas assumidamente queer, fazem da nonagésima quarta temporada do evento histórica. Somando ao avanço, o maior mencionado da premiação, Ataque dos Cães, e o documentário Flee, que também fez história esse ano, tratam de temas ligados à homoafetividade. Tudo isso em 2022, antes tarde do que ainda mais tarde para uma Academia de Artes e Ciências Cinematográficas atrasada em reconhecer a diversidade.

Esse ano, só na atuação, o número tinha a chance de ser maior: Tessa Thompson e Robin de Jesús poderiam acrescer ao recorde de 2022, se não tivessem sido esnobados por suas performances em Identidade e tick, tick… BOOM!, respectivamente. E não que a comunidade LGBTQIA+ não tenha tido outras vitórias e participações na maior premiação do Cinema, mas a conquista indica, ao menos, um aceno a uma maior visibilidade aos profissionais, como prometido. Sem contar que, em edições passadas, muitos dos premiados nas categorias também não eram assumidos à época de suas indicações, e, agora, as atrizes poderão subir ao palco sem preocupações.

Cena do filme Amor Sublime Amor. Em frente a um fundo desfocado, vemos, à esquerda, Ariana DeBose dos ombros para cima. Ariana DeBose é uma mulher negra, de cabelos castanhos lisos curtos, aparentando cerca de 30 anos, usando um batom vermelho e rímel preto.
Se sair com a estátua em mãos, DeBose será também uma das poucas mulheres latinas e negras a terem ganhado (Foto: 20th Century Studios)

Antes um termo ofensivo na língua inglesa, a comunidade LGBTQIA+ ressignificou o “queer”: agora, serve como uma palavra guarda-chuva para abarcar pessoas de minorias sexuais e de gênero, que não se identificam como heterossexuais ou cisgênero. E, apesar de somente duas atrizes dos 20 indicados em atuação serem queer, finalmente é a mensagem que fica, ainda mais para uma premiação historicamente excludente como o Oscar. Exclusão essa que inclui também minorias raciais, de gênero e de etnias, e obrigou a organização da premiação a estabelecer critérios e medidas que assegurem a diversidade de seus candidatos (ainda que só na categoria de Melhor Filme), assim como a pluralidade de sua banca votante – antes, composta majoritariamente por homens brancos, heterossexuais e de idade avançada. É cedo, mas, aos poucos, o reflexo da decisão dá as caras.

Anteriormente, outros cineastas deixaram sua marca no Oscar, e mencioná-los é reconhecer os que lutaram antes de chegarmos até aqui. Em 1994, James Ivory foi a primeira pessoa LGBTQIA+ de que se tem conhecimento a ser indicada em Melhor Direção, por Vestígios do Dia (1993). O filme levou outros prêmios na edição daquele ano e o diretor foi mencionado novamente, mais recentemente em 2018, quando levou o troféu de Melhor Roteiro Adaptado por Me Chame pelo Seu Nome. Porém, apesar de ter passado boa parte da carreira colaborando profissionalmente com seu parceiro, o produtor Ismail Merchant, o cineasta, gay, não era assumido na época.

Cena do filme Spencer. Na cena, ao ar livre durante o dia, vemos a personagem de Sally Hawkins à esquerda e a de Kristen Stewart ao centro, ambas do tronco para cima e em frente a um fundo com grama alta. Sally Hawkins é uma mulher branca, de cabelos castanhos curtos, aparentando cerca de 40 anos e vestindo um casaco bege. Kristen Stewart é uma mulher branca, de cabelos loiros lisos na altura do ombro, aparentando cerca de 30 anos e vestindo um casaco vermelho com mangas verdes.
Assim como Kristen Stewart, Emma Corrin ganhou reconhecimento por sua performance como Lady Di em The Crown, e venceu como Melhor Atriz em Série de Drama no Globo de Ouro 2021; Corrin revelou se identificar como não-binárie e parte da comunidade LGBTQIA+ (Foto: Shoebox Films)

Depois dele, outros vieram, mas uma andorinha só não faz verão. De Melhor Canção Original a Melhor Roteiro Original e Melhor Direção, Elton John, Alan Ball, Todd Haynes, Jerome Robbins e John Schlesinger foram alguns dos nomes que receberam as honrarias máximas da premiação, mas, desses, só dois eram assumidos quando subiram aos palcos. Pedro Almodóvar era outro que também não falava sobre sua sexualidade quando recebeu a estatueta de Melhor Filme Estrangeiro, por Tudo Sobre Minha Mãe (1999), e Melhor Roteiro Original, por Fale com Ela (2002), o qual também foi indicado em Melhor Direção. 

Já nas últimas duas décadas, alguns dos nomes de destaque foram Dustin Lance Black, vencedor em Melhor Roteiro Original por Milk: A Voz da Igualdade (2008), e que agradeceu o ativista do título por ser uma inspiração, em seu discurso de agradecimento; a diretora e roteirista Dee Rees, indicada em Melhor Roteiro Adaptado por Mudbound: Lágrimas sobre o Mississipi (2017) e assumidamente queer; e Rachel Morrison, mencionada em Melhor Fotografia pelo mesmo filme. Artistas como Sam Smith e Lady Gaga também já levaram o prêmio, em Melhor Canção Original.

Foto. A foto se passa em um quarto de uma casa com paredes de madeira. Ao fundo, vemos uma janela e, à esquerda, uma mesa de madeira com um copo de café de plástico. Ao centro, vemos a diretora Dee Rees sentada sob uma cama. Ela é uma mulher negra, aparentando cerca de 30 anos, tem os cabelos presos e cobertos por uma bandana branca, veste uma jaqueta jeans e uma calça bege. Ela tem papel em mãos. Ao lado direito dela, na cama, vemos chapéus espalhados.
Dee Rees, indicado ao Oscar de Melhor Roteiro Adaptado, foi a primeira mulher negra a ser considerada ao prêmio; ela também dirigiu Pariah, filme inspirado em sua vida e que retrata a descoberta da sexualidade de uma menina negra (Foto: Rachel Morrison)

Ainda mais recentemente, o cenário tem mudado e é possível perceber um número maior de artistas abraçando publicamente a própria identidade. Isso, porém, ainda tem pouco reflexo nas indicações à maior premiação do Cinema. Embora muitos filmes com temáticas LGBTQIA+ tenham ganhado destaque e reconhecimento com o troféu dourado, a maioria dos protagonistas ou realizadores não fazem parte da comunidade que inspira as histórias. Em 94 anos de categorias de atuação, por exemplo, somente 2 atores eram assumidos na época em que foram indicados.

Eram eles o veterano Ian McKellen, nomeado em Melhor Ator por Deuses e Monstros em 1999, e Melhor Ator Coadjuvante, por Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel em 2002; e Angelina Jolie, que levou Melhor Atriz em 2000 por seu papel em Garota, Interrompida, e foi a única ganhadora queer até então. Outra vencedora notável, Jodie Foster levou o careca dourado duas vezes – uma em 1989, por Acusados, e outra em 1992, por O Silêncio dos Inocentes -, mas só se revelou lésbica publicamente em 2013, durante seu discurso de agradecimento no Globo de Ouro.

Foto. Ao centro da foto, vemos a atriz Jodie Foster falando ao microfone, em uma premiação. Jodie Foster é uma mulher branca, aparentando cerca de 45 anos, de cabelos loiros e lisos na altura do queixo. Ela veste um vestido brilhante azul escuro e uma pulseira prata brilhante na mão direita. Com a mão esquerda, segura um troféu dourado, à frente dela.
Sempre muito restrita com sua vida pessoal, Jodie Foster falou publicamente sobre sua sexualidade pela primeira no Globo de Ouro de 2013, quando agradeceu sua ex-parceira, a produtora Cydney Bernard (Foto: Golden Globes)

Em 2022, 2 de 20 ainda é um número absurdamente pequeno. Em passos de bebê, porém, já é um recorde, ainda mais se ambas Kristen Stewart e Ariana DeBose vencerem em suas respectivas indicações. Enquanto a intérprete da Princesa Diana enfrenta uma competição acirrada na categoria de Melhor Atriz, a Anita de West Side Story desponta como uma das favoritas ao troféu em Melhor Atriz Coadjuvante. 2 ainda é pouco, mas as talentosas mulheres queer competindo em 2022 indicam que o Oscar, finalmente, pode ir para frente.

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