“Eu me aventurei e não encontrei nada além de açúcar e violência”. Essas são as palavras de Bella Baxter em Pobres Criaturas após andar pelas ruas de Lisboa sozinha, vendo o mundo com os próprios olhos pela primeira vez. Adaptado do romance vitoriano Pobres Criaturas de Alasdair Gray, com o roteiro assinado por Tony McNamara, a nova obra de Yorgos Lanthimos é um banquete sensorial.
Na televisão, a regra é clara: quanto mais tempo no ar, mais dinheiro para a emissora. Há pelo menos duas temporadas, O Conto da Aia vem tentando encontrar maneiras de adiar ao máximo seu inevitável fim. A conclusão da quarta renovou os ares para o enredo, com June (Elisabeth Moss) finalmente escapando de Gilead e alcançando sua liberdade, mas, ao arrastar o desenrolar desse novo cenário durante toda a extensão da quinta, a história caiu em mais um ciclo repetitivo. A série, que antes prendia a atenção mesmo diante das sequências mais difíceis de digerir, agora não consegue manter o espectador interessado o suficiente para o próximo episódio.
“Esta não é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas, ou eventos reais, é intencional.”. É com esse recado que se iniciam todos os episódios de Enxame, o novo acerto do Prime Video. Das mentes de Janine Nabers e Donald Glover, que trabalharam juntos na aclamada Atlanta, o curto seriado com sete episódios é mais um projeto ousado e provocante para o par, que decidiu explorar uma temática que pisa no calo de muitas pessoas, com assassinato, sexo, música e… Beyoncé?
A narrativa acompanha a distorção da realidade na mente de uma fã obsessiva, a jovem Dre, interpretada pela excepcional Dominique Fishback. A obra discute a organização e atividade de fandoms (grupos de fãs), sobretudo na internet, e as relações parassociais nocivas que podem se formar a partir desse engajamento com alguém, essencialmente, desconhecido.
Um bar fuleiro, na fronteira de uma remota cidade mineradora no deserto australiano, com a população majoritariamente masculina. Essa é a ambientação de The Royal Hotel.Não tem espíritos possessivos nem psicopatas mascarados, mas é um cenário para um filme de terror tão assustador quanto, senão mais. Pergunte a qualquer mulher. A diretora Kitty Green aperfeiçoa o pesadelo feminino, comunicando eficientemente a sensação de ser observada como um pedaço de carne fresca, em meio a predadores famintos. O suspense se constrói sobre aquilo que é desconfortável, sinistro e, assustadoramente, familiar.
“(…) Às vezes, me assusta pensar que os problemas cotidianos podem ser para mim um pouco mais terríveis do que para o resto das pessoas.”
— Samanta Schweblin
O que mais assombra é o desconhecido. A aproximação do indivíduo a algo nebuloso, que remete ao comum, mas, de certa forma, possui uma aura em desalinho. Algo no fundo do horizonte, coberto de escuridão e fumaça se faz presente, mesmo que não se possa ver com olhos ainda humanos. O terror e o horror, que nasce não somente de grandes escritores e realizadores do gênero, mas do desenterrar das sensibilidades do inconsciente, e da explicitação do desconhecido não somente enquanto o outro, mas o que não sabemos de nós mesmos. No mês de Outubro de 2023, o Estante do Persona permite se adentrar ao colapso do corpo e do cotidiano pelo grotesco e pela violência, explicitada nas discussões do Mês do Horror, que tomou a Literatura da autora Mariana Enriquez como ponto central de reflexão.
A quarta e última temporada de Barry responde às perguntas existenciais levantadas pela obra até então e leva a história, que parecia estar em uma rua sem saída, ao seu desfecho. Seus momentos finais a consolidam como uma das melhores produções de televisão dos anos recentes. Os fãs da série estão na torcida para que esse seja o ano em que ela finalmente conquiste o título de Melhor Série de Comédia no Emmy2023, após três indicações nesta categoria, mas nenhuma vitória até então. O obstáculo é a concorrência pesadíssima da categoria, com Abbott Elementary, A Maravilhosa Sra. Maisel, Jury Duty, Only Murders in the Building, Ted Lasso, The Beare Wandinha.
Voltando a rotina depois de uma pausa merecida, os integrantes do Clube do Livro do Persona repousaram os olhares para o vencedor do Prêmio Jabuti de Romance Literário em 2022, O som do rugido da onça, de Micheliny Verunschk. Adentrado em uma narrativa que devolve o protagonismo às verdadeiras vítimas da colonização, o texto caminha através da histórias das crianças indígenas Iñe-e e Juri.
A escritora e historiadora já é figurinha marcada no universo literário nacional, e conquistou o Prêmio São Paulo de Literatura em 2015, com Nossa Teresa: vida e morte de uma santa suicida. Micheliny também foi duas vezes finalista do Prêmio Rio de Literatura e no último ano, com O som do rugido da onça, representou o Brasil no Prêmio Oceanos – uma das premiações literárias mais importantes dos países de língua portuguesa.
Na obra escolhida da vez, somos levados de forma poética, mas avassaladora, a trágica história das crianças raptadas pelos exploradores Johann Baptist von Spix e Carl Friedrich Philipp von Martius. Em um misto de medo, separação, saudade e vidas interrompidas, o foco se entrega completamente às faces da dor, enquanto as entrelinhas se envolvem com os mistérios da espiritualidade.
A leitura das 168 páginas se desfaz em uma densidade quase versada e resta nos que a acompanham as milhares de incertezas sobre a construção de um país que se revela tão bem na ficção quanto o faria nos pedaços ocultados pela versão dos opressores. E para não perder o costume, o Estante do Persona de Agosto de 2022 deixa suas indicações dedicadas a todos os que optam por ver o mundo entre os múltiplos pontos de vista.
Alerta de gatilho: abuso, violência doméstica, estupro, aborto, suicídio.
Giovanna Freisinger
Blonde, produção que reimagina a história de Marilyn Monroe, proporcionou a Ana de Armas sua primeira indicação ao Oscar. Concorrendo pelo título de Melhor Atriz por sua interpretação da personagem, ela desponta como forte candidata ao prêmio. Apesar da citação não vir como uma surpresa, após indicações em outras premiações importantes, como o Globo de Ouro, o SAG Awards e o BAFTA, as respostas do público à essa nomeação foram divididas. Isso não em relação ao merecimento da atriz por sua performance, mas à inclusão do filme na premiação em primeiro lugar, cedendo visibilidade e prestígio à obra, que, para muitos, faria melhor ao mundo sendo esquecida.