Onde estamos depois de tantas mudanças para contemplar as mulheres no lugar de reconhecimento mais importante da Música mundial? Uma seleção de 12 nomes para entender o passado, o presente e o futuro das mulheres no Grammy
Se a edição de 2022 da premiação mais importante da Música mundial apresenta um cenário interessante para as mulheres, é como o resultado árduo de uma longa caminhada. Em 2019, o Grammy inaugurou um marco para as artistas reconhecidas pela Academia de Gravação sediada na Califórnia: vindo de um controverso 2018, onde era possível contar nos dedos de uma mão as artistas consideradas para as 4 categorias principais da premiação, assim como as dos gêneros de mais destaque, como rap, rock, R&B e country, a premiação se envergonhou de seu conservadorismo e atraso em se adaptar ao novo ambiente musical. Para trabalhar a situação, a premiação mudou sua forma de reconhecer “o melhor da Música”, ampliando o número de indicados em suas categorias centrais (o chamado ‘Big 4’: Álbum do Ano, Gravação do Ano, Canção do Ano e Artista Revelação) e instaurando comitês específicos para acompanhar as nomeações nichadas.
O reflexo das mudanças foi positivo: na edição de três anos atrás, a premiação honrou Cardi B como a primeira rapper a vencer um gramofone de Melhor Álbum de Rap, e entregou o título de Álbum do Ano para a artista country de maior destaque na atualidade, figura marcante também no que diz respeito à representatividade feminina no gênero predominantemente masculino. E como a mais indicada da temporada, Brandi Carlile fez o título ser destinado a uma mulher assumidamente lésbica e aprofundou seu compromisso e pioneirismo com os acessos da comunidade LGBTQIAP+.
Já em 2020, foi a vez de Billie Eilish fazer história aos 18 anos com seu amargo disco de estreia, que não precisou das produções grandiosas da Academia para quebrar recordes e consolidar uma nova identidade para o futuro da Indústria da Música. E do ano passado, nasceram dois marcos: Taylor Swift se tornou a primeira mulher a vencer a principal categoria da premiação por três vezes, em três décadas diferentes e em três gêneros musicais distintos; e Beyoncé se fez recordista, como a mulher mais premiada da história do Grammy.
Mas, em 2022, que considerou como elegíveis à premiação as obras lançadas entre 1/09/2020 e 30/09/2021, o cenário é um pouco mais complexo. De um lado, a tendência de 2019 segue colocando como aposta mais certeira a vitória de mulheres nas quatro categorias principais (e para te ajudar no bolão, o nome da vez é o de Olivia Rodrigo, sucessora natural de Billie Eilish). De outro, os avanços do passado não se mantêm nas nomeações nichadas, com destaque para as de rap, cujas artistas foram lembradas apenas pelos seus hits e não pelas suas obras completas, o que desconsiderou, por exemplo, Little Simz em um dos melhores álbuns de 2021.
Até no pop, gênero que não costuma sofrer com a presença predominante masculina, a competição foi difícil. O impacto do terceiro disco de Lorde – que já é uma das figuras mais injustiçadas do Grammy há quase 10 anos -, passou completamente despercebido pelos votantes. A dona das paradas Ariana Grande ficou restrita às nomeações nichadas, e a queridinha da Academia Taylor Swift foi lembrada com uma indicação de consolação à categoria principal. Já a veterana Lady Gaga, que dedicou seu 2021 ao Cinema, esteve ao lado de Tony Bennett no último disco de sua carreira, trabalho que os levou a 5 indicações, incluindo Álbum e Gravação do Ano.
O problema maior foi no rock. De um 2021 com 50% de indicadas mulheres, o Grammy veio para um 2022 sem *nenhuma* roqueira nomeada em nenhuma das 3 categorias destinadas ao gênero, que já tem resistência aos novatos, que dirá às mulheres. E falta de opção é o que não foi: WILLOW brilhou no topo das paradas musicais com sua referência ao punk, Miley Cyrus entregou o melhor disco de sua carreira homenageando as guitarras dos anos 70 e 80, e a vencedora Brittany Howard poderia, mais uma vez, acrescentar canções maravilhosas à seleção.
Por outro lado, a ala do alternativo manteve os avanços. A maioria feminina no ano passado foi expandida para o Grammy 2022, tornando-se unânime na categoria até mesmo em trabalhos coletivos, como Shore, de Fleet Foxes, e Jubilee, de Japanese Breakfast. A última, inclusive, chegou ao páreo do disputado título de Artista Revelação, graças à liderança magistral de Michelle Zauner, onde compete com sua dupla parceira de categoria, Arlo Parks, por sua estreia brilhante em Collapsed In Sunbeams. Completando as honras do meio que celebrou Fiona Apple, ao lado de Phoebe Bridgers e Brittany Howard no ano passado, estão Daddy’s Home e If I Can’t Love, I Want Power, que poderiam muito bem levar os nomes de St. Vincent e Halsey para mais indicações.
O gênero mais frequentado pelas mulheres também deixou um gostinho de quero mais para a seleção de 2022. Sem entregar o devido reconhecimento para a obra mais recente de Tinashe, a Academia colocou (devidamente) Jazmine Sullivan como maior destaque R&B ano, mas ainda restringiu o disco, que poderia perfeitamente figurar dentre os nomeados para Álbum do Ano, em Melhor Canção, Performance e Álbum do gênero. A única que conseguiu ir além foi SZA, que mesmo sem um disco para promover, chegou às categorias de Gravação e Canção do Ano junto de Doja Cat pelo hit Kiss Me More. Enquanto isso, o título de uma das veteranas favoritas do Grammy ostentado por Alicia Keys não foi o suficiente para que a premiação notasse a grandiosidade de seu projeto de 2021, figurando nessa temporada apenas pela sua colaboração com Brandi Carlile.
Completando o triste hall das esnobadas do ano, Rina Sawayama não conseguiu seu almejado lugar dentre as consideradas para Artista Revelação, e a maravilhosa estreia da já premiada Yebba não recebeu a atenção devida dos votantes de 2022. Lana Del Rey, uma das artistas mais aclamadas dos últimos anos, ainda sonha com o próprio gramofone, mas sequer poderá chegar perto de um esse ano. E o prêmio de maior vacilo de da temporada vai para a forma como a Academia agiu com Kacey Musgraves, cujo nome saiu do lugar de maior prestígio da premiação para se envolver nas tradicionais polêmicas do Grammy, que a impediu de concorrer nas categorias de seu gênero pelas avaliações conservadoras do seu último disco, alocado como pop e não como country.
Já nas categorias reservadas à Música latina, os problemas continuam. Selena Gomez é a única mulher considerada para o prêmio de Melhor Álbum de Pop, e, dentre muitos méritos indiscutíveis, o principal deles é: seu berço estadunidense. Na dificuldade de ocupar o lugar que é delas por direito, as chicas encontram outros espaços, como a ala de Melhor Álbum Latino de Rock ou Alternativo, onde a argentina Nathy Peluso chegou com seu disco de estreia, e Melhor Álbum de Música Urbana, que nomeou a diva do reggaeton KAROL G e a raiz colombiana de Kali Uchis.
O alcance do Grammy também se amplia nas categorias de Música Global, que passaram por uma reformulação recente a fim de se tornarem mais inclusivas, plurais e representativas. Lá, o destaque do ano é todo de Arooj Aftab, detentora de uma experiência de mais de 15 anos na Indústria musical americana, que só agora foi notada pela Academia. O vetor do reconhecimento foi o magnífico terceiro disco da artista, que criou a oportunidade de ter o seu nome considerado para o título de Artista Revelação de 2022, sendo a primeira vez em que uma artista paquistanesa chega na premiação estadunidense.
Assim, não há nada mais justo do que exaltar, reconhecer e visibilizar as histórias, carreiras e obras dessas artistas, que enfrentaram muitos obstáculos para chegar até aqui. Por isso, o Persona selecionou os 12 nomes mais importantes do ano para entender o passado, presente e futuro da música feminina mundial. Abaixo, você conhece Arlo Parks, Arooj Aftab, Billie Eilish, Brandi Carlile, Doja Cat, H.E.R., Kali Uchis, KAROL G, Nathy Peluso, Olivia Rodrigo, Saweetie e Yebba – As Mulheres do Grammy 2022.
Arlo Parks por Raquel Dutra
Bem antes de triunfar em 2022 e apresentar ao mundo sua poesia musicada em seu primeiro disco, Arlo Parks já era uma das mais importantes promessas para o futuro da Música britânica. E assim foi: em janeiro de 2021, quando, apenas aos 20 anos, realizou sua estreia musical refletindo sobre amadurecimento amor, vida e amizade nas melodias solares de Collapsed In Sunbeams, ela tirou elogios de artistas consolidadas como Lily Allen e Phoebe Bridgers, e encontrou um apoio especial de quem entende como ninguém o que significa ser uma jovem artista em ascensão, que, posteriormente, seria sua companhia entre as categorias principais do Grammy 2022, sendo apadrinhada por ninguém mais ninguém menos do que Billie Eilish.
Mas, por trás de uma das melhores revelações musicais de 2021, existe a personalidade branda e introspectiva de Anaïs Oluwatoyin Estelle Marinho. Nascida em Londres, no dia 9 de agosto de 2000, a artista que popularmente atende pelo seu pseudônimo teve uma infância prodígio e uma adolescência solitária. De ascendência nigeriana e francesa, o inglês foi a última língua que ela se preocupou em aprender, o que não prejudicou, de forma alguma, sua familiaridade e identificação com (teoricamente) seu idioma materno, de onde surgem algumas de suas maiores referências dentro das suas expressões artísticas favoritas: Sylvia Plath, Otis Redding e Jacques Brel.
Então, aos 14 anos, Parks iniciou sua trajetória como musicista e poeta, aprendendo a tocar guitarra e escrevendo suas primeiras letras. Em 2018, ela começou a tentar a sorte pelas rádios até chamar a atenção do produtor Ali Raymond, que logo promoveu seu primeiro single, Cola. Para suceder seus dois primeiros EPs, Super Sad Generation e Sophie (ambos de 2019), seu disco de estreia era planejado para o primeiro trimestre de 2020, mas os planos da artista foram adiados em um ano devido à pandemia de covid-19. Ao longo daquele ano, então, ela lançou Eugene e Black Dog, apresentando um neo-soul com traços de bedroom pop em composições delicadamente sinceras, a combinação perfeita para os contextos de isolamento. Quando a identidade musical de Arlo Parks foi perfeitamente expressa através de Collapsed In Sunbeans, não restou outra alternativa ao mundo se não permitir-se desabar em seus raios de sol.
Arooj Aftab por Raquel Dutra
A Música de Arooj Aftab sempre pareceu um tesouro prestes a ser descoberto. Fiel na missão de referenciar suas influências modernas com sua tradição musical original do sul da Ásia, primeiro, em Bird Under Water (2015), ela estreou com uma alquimia de jazz com o qawwali, para depois transformar o ambiente ao seu redor com os sintetizadores combinados ao lirismo urdu em Siren Islands (2018). O caminho dos dois primeiros discos parecia preparar a artista para o que impactaria sua música nos anos seguintes, que, agora, quando encontrada pelo público mainstream, está justamente num contexto emocional completamente diferente da vibração misteriosa convidativa que imperava em seus discos anteriores. Em seu terceiro álbum, ela está no terreno hostil de quem procura processar um momento de profunda dor, em sua caminhada pelo luto que a levou até Vulture Prince.
O produto, no entanto, não poderia ser diferente, já que surge de uma artista cujas vivências são tão vastas quanto a riqueza de seu trabalho. Arooj Aftab cresceu em Riad, capital da Arábia Saudita, e por lá viveu até seus 10 anos, quando retornou à cidade natal de seus pais, anteriormente expatriados de Lahore, no Paquistão. Almejando viver da Música desde a adolescência, ela foi aceita para estudar no Berklee College of Music e se mudou para Boston, nos Estados Unidos. Depois da formatura em uma das universidades artísticas mais respeitadas do mundo, iniciou sua carreira como engenheira de áudio e produtora musical em Nova Iorque, se mesclando à cena do novo jazz e da música alternativa da cidade durante os últimos 15 anos.
Mas nenhum elemento externo à Arooj Aftab parece ser suficiente para ancorar uma interpretação de Vulture Prince. A obra mais recente da artista é dedicada ao seu irmão mais novo, falecido recentemente no seu país natal, que passava por uma onda violenta de conflitos e depois precisou lutar para lidar com a pandemia de covid-19. Assim, ela toma como centro o ghazal, gênero sul asiático que recebe pulsões existenciais e declamações de poesia para formar as sete canções completamente únicas do disco. “Faço parte desta indústria há tanto tempo que não mereço mais ser vista como diferente”, ela diz em entrevista ao Los Angeles Times. E, quando a instituição mais importante da Música ocidental finalmente parou para reconhecer Arooj Aftab, percebeu que sua música é radicalmente muito mais familiar do que boa parte das canções que costumeiramente preenchem o seu palco.
Billie Eilish por Vitória Silva
Se vamos falar da ascensão de jovens artistas, Billie Eilish já se tornou referência no assunto, que carrega em sua essência. Nascida em 18 de dezembro de 2001, na cidade de Los Angeles, a californiana começou a desenvolver sua musicalidade aos 11 anos, compondo suas primeiras letras ao lado do irmão mais velho, Finneas O’Connell, que já criava suas próprias canções junto a banda que possuía. Em 2016, a faixa Ocean Eyes foi tomando o redor do globo terrestre de forma silenciosa. Pronto, foi o suficiente para que o nome de Billie passasse a ser para sempre lembrado.
Quando tinha apenas 15 anos, revelou o seu primeiro EP, dont smile at me, com faixas que até hoje continuam memoráveis. Não saindo de cena até então, o disco WHEN WE ALL FALL ASLEEP WHERE DO WE GO? foi o que fez com que Eilish mostrasse à indústria musical para que veio, estreando no topo da Billboard 200. A partir disso, a tenra idade da cantora também se tornou o sinônimo de seu sucesso, em que ela virou a primeira artista nascida nos anos 2000 a ter um álbum número 1 nos Estados Unidos. Em 2019, foi nomeada para 6 Grammys, já aos 17 anos, também conquistando o título de artista mais jovem a ser indicada nas quatro principais categorias da premiação, e, após a cerimônia, também somou o de vencedora.
Em 2020, com o início da pandemia de covid-19, a promissora turnê do disco teve que ser interrompida, mas não foi o suficiente para que Billie Eilish se recolhesse de vez. Nesse período, com um documentário lançado, chegou o tempo de revelar ao mundo o primordial Happier Than Ever. Aqui, a jovem californiana faz não apenas jus a todo o seu triunfo, mas exalta a preciosidade de sua juventude junto a ele. E, se já não o havia feito anteriormente, crava de vez a marca como uma das artistas mais grandiosas de sua geração.
Brandi Carlile por Raquel Dutra
O Grammy de 2019 foi histórico para o avanço de artistas mulheres em gêneros predominantemente masculinos. Na mesma noite em que Cardi B se tornava a primeira mulher a vencer a categoria de Melhor Álbum de Rap, Kacey Musgraves consolidava sua importância no country com o Álbum do Ano, e Brandi Carlile chegava com toda a sua versatilidade musical carregando o título de mulher mais indicada da temporada. Três anos depois, no entanto, o cenário é um pouco diferente: nenhuma artista foi nomeada para seguir os avanços no rap e no country, mas o marco de Carlile fez o que pôde para emplacar o seu nome no Grammy 2022.
É que seu disco mais recente, In These Silent Days, fugiu à regra das submissões da temporada, sendo lançado em uma data posterior à limite de elegibilidade para o prêmio. Restou, então, aproveitar os singles previamente lançados. Nesse sentido, Brandi não foi esquecida, aparecendo em três categorias diferentes com a mesma música (Right On Time) e duas vezes entre as nomeações para Canção do Ano (com a primeira citada e A Beautiful Noise, parceria com Alicia Keys) – mais uma vez, a única a realizar tal feito na temporada. A Academia ainda encontrou espaço para uma nomeação a Melhor Performance de Raízes Americanas por Same Devil, e se não fossem os pesares, ainda leríamos o seu nome entre muitas outras nomeações da vez.
Junto de seus inquestionáveis méritos musicais, que vão do country ao pop e do rock ao folk, o feito é reflexo do impacto cultural que Carlile tem na como mulher lésbica. Assumida desde a juventude em que aprendeu a tocar e começou a compor, a experiência de Brandi num mundo hostil começou por volta de seus 20 anos, e sua maturidade apenas aprofundou o seu compromisso com a comunidade LGBTQIAP+. Redefinindo gêneros e inaugurando espaços desde sua estreia no disco autointitulado de 2005 até o seu penúltimo mais aclamado, ela chega em seu sétimo álbum de estúdio, conservando todo o respeito que lutou para conquistar ao longo dos seus quase 20 anos de carreira.
Doja Cat por Vitória Silva
Ela é o momento! Amala Ratna Zandile Dlamini nasceu no ano de 1995, na cidade de Los Angeles, fruto de origens judias e sul-africanas por parte de seus pais. Com uma infância agitada e constantes mudanças de moradia, aos 8 anos de idade, se mudou com sua mãe e irmão para uma comuna nas montanhas de Santa Mônica, onde praticou o hinduísmo por 4 anos. De volta para a Califórnia, a jovem era alvo de um racismo severo por conta de sua origem mestiça, o que a levou a se afastar cada vez mais da escola, que abandonou de vez aos 16 anos, fato que ela também atribui às suas lutas contra o TDAH.
Na nova e conturbada realidade, Doja passou a se dedicar a navegar na internet em busca de elementos sonoros para compor suas primeiras músicas. Nesse deslumbrante universo, lançou, ao final de 2012, So High, que chamou a atenção do produtor musical Yeti Beats e, mais tarde, a levaria a assinar com a Kemosabe Record. Seu EP de estreia, intitulado Purrr!, apresentou as raízes da rapper no R&B para o restante do mundo. Após essa derrocada, ela passou por uma fase de bloqueio criativo, o que a levou a até mesmo recusar aparecer no single bellyache, da jovem Billie Eilish, em 2017. Sem receber muita atenção de sua gravadora, e também envolvida em questões pessoais, acabou se afastando do meio musical.
De volta ao cenário, em 2018, Doja Cat lançou diferentes faixas, entre elas o sucesso Candy, que a levou a entrar pela primeira vez na parada da Billboard Hot 100. Seu primeiro álbum de estúdio, intitulado Amala, veio no mesmo ano. Mas foi só com o Hot Pink que a cantora definitivamente subiu as escadarias do sucesso, e não saiu de nossos ouvidos até então. A máquina de hits movimentada por Doja já virou a dona de praticamente tudo que viraliza nas redes sociais, com títulos como Say So, Juicy e Like That. Colecionando grandes parcerias com outras artistas femininas, Doja Cat sabe oscilar muito bem entre sua identidade como rapper e diva pop, que são o que a tornam única no meio artístico. Após 3 indicações no Grammy de 2021 e dominar o mundo que conhecemos, ela precisou criar uma nova dimensão espacial para sua musicalidade, com o incomparável Planet Her.
H.E.R. por Vitória Silva
Filha de mãe filipina e pai afro-americano, Gabriella Wilson é um fenômeno desde sua infância. Nascida em 1997 na cidade de Vallejo, brilhou os olhos do público pela primeira vez aos 12 anos de idade, quando performou Alicia Keys no piano no programa The Today Show, e, pouco depois, competiu em um concurso da Radio Disney. Dois anos mais tarde, ela assinou um contrato com a Sony e lançou sua música de estreia, intitulada Something To Prove, quando ainda utilizava seu nome verdadeiro.
Para separar sua identidade pessoal da artística, Gabriella se autodenominou como H.E.R., que é um acrônimo para Having Everything Revealed (“Tendo Tudo Revelado” em tradução livre). De acordo com a própria, a escolha de se apresentar de forma misteriosa seria uma metáfora de sua existência. Após assinar com a RCA Records, em 2016, a cantora lançou seus primeiros EPs, movimentando a cena do R&B desde então. Em 2019, conquistou seus primeiros Grammys pelo álbum H.E.R., e tornou-se figurinha carimbada da premiação. Sua musicalidade sempre foi símbolo de luta, em que, em 2020, lançou a faixa I Can’t Breathe, com referência à frase dita por George Floyd antes de morrer brutalmente, e conquistou o gramofone dourado de Canção do Ano por ela, em 2021.
Provando essa máxima, no mesmo ano foi a vez de dar as caras no Oscar, em que levou para casa a estatueta de Melhor Canção Original por Fight For You, parte da trilha sonora de Judas e o Messias Negro. Mais recentemente, com Back Of My Mind, assegurou ainda mais o seu talento perante a indústria musical, totalizando 8 indicações no Grammy 2022, incluindo a de Álbum do Ano. H.E.R. pode ainda não ter alçado a popularização completa no meio, mas precisamos aguardar para podermos descobrir tudo o que ela ainda tem a nos revelar.
Kali Uchis por Vitória Silva
Karly-Marina Loaiza nasceu em 17 de julho de 1994 em Alexandria, Virgínia. Com pais de origem colombiana, desde cedo já oscilava entre as realidades dos dois países. De volta aos Estados Unidos, foi na escola que Kali deu seus primeiros passos no meio musical, onde participou de uma banda de jazz. Em 2012, lançou sua primeira mixtape, intitulada Drunken Babe, já mostrando sua afinidade pela mistura de diferentes gêneros musicais. A faixa What They Say chamou a atenção do rapper Snoop Dogg, com quem colaborou na música On Edge. O primeiro EP viria em 2015, Por Vida, que passou pela mão de produtores como Tyler, the Creator e Diplo. Nesse mesmo período, conquistou seu primeiro sucesso na parceria com Daniel Caesar, que lhe rendeu sua primeira indicação ao Grammy.
As parcerias sempre foram importantes degraus para Kali Uchis, que atuou em faixas de nomes como Gorillaz, Jorja Smith e Mac Miller. Aos poucos, foi configurando seu rosto para o mundo, e seu primeiro álbum, Isolation, veio em 2018, seguido de uma grande aclamação da crítica. Mas se hoje a cantora é conhecida mundialmente da maneira que é, grande parte do mérito se deve a Sin Miedo (del Amor y Otros Demonios), lançado em 18 de novembro de 2020, que teve a faixa telepatía no topo das paradas da Billboard. Em 2021, conquistou seu primeiro Grammy, na categoria de Melhor Gravação de Dança, pela faixa 10%, de KAYTRANADA.
Apesar de não hesitar em mostrar suas raízes latinas em sua obra, esse lado de Kali ainda é muito ignorado na indústria, em que é completamente deixada de lado em categorias do gênero nas premiações, não sendo nem lembrada no Grammy Latino de 2021. Apenas um dos indícios que mostra que ainda falta muito para que o meio musical tenha a devida consideração pelo talento e grandiosidade de Kali Uchis.
KAROL G por Raquel Dutra
Pela primeira vez, o Grammy se depara com a maior diva do reggaeton. O título é a melhor forma de apresentar KAROL G, que ascendeu em um ambiente musical predominantemente masculino renovando a imagem do gênero latino para o mundo. Livre em letras sobre experiências femininas com a sexualidade, trabalho, vida amorosa e tudo mais que aparecer no caminho da compositora de 31 anos, a contribuição de Carolina Giraldo Navarro para a música latinoamericana é simplesmente impossível de ser compreendida pela premiação estadunidense.
Vamos à história: nascida e criada em Medellín, capital da Colômbia, a artista iniciou sua carreira ainda adolescente, no The X Factor colombiano, quando tinha apenas 14 anos. Sua breve aparição no programa foi o suficiente para chamar a atenção da indústria musical local, logo assinando seus primeiros contratos e entrando no círculo de grandes nomes da Música latina, como J Balvin. Ao longo dos anos seguintes, ela trabalhou em músicas esporádicas, até viajar para os Estados Unidos a fim de encontrar novas oportunidades – mas acabou, na verdade, topando com mais preconceito por ser uma mulher almejando trabalhar com reggaeton. KAROL G permaneceu lutando pelo seu trabalho até 2014, quando finalmente assinou com uma gravadora que teve coragem de assumir os seus projetos.
Em 2017, ela estourou em uma colaboração com Bad Bunny, que se transformou no primeiro single de seu álbum de estreia, Unstoppable (2017). Em 2018, ganhou o Grammy Latino de Melhor Artista Revelação. Em 2019, consolidou seu lugar no reggaeton ao lado do precursor do gênero mundo afora, Daddy Yankee, preparando o lançamento de seu segundo disco, Ocean (2019). Com uma nova estética, ela se juntou à Nicki Minaj para Tusa, que se transformou em um de seus maiores hits e preparou o caminho para KG0516 (2021), lançado como o projeto mais ambicioso – e igualmente bem-sucedido – de sua carreira. Tudo isso para dizer que a passagem de KAROL G pelo mundo está só começando.
Nathy Peluso por Raquel Dutra
O ano de 2022 marca a ascensão de uma das artistas mais interessantes da atualidade. Nathy Peluso, cantora, compositora, produtora e escritora argentina, está só em seu primeiro disco e já virou a cena musical da América Latina de cabeça para baixo. Depois de estrear de forma independente através da mixtape intitulada Esmeralda, em 2017, ela se colocou no radar da crítica pela sua originalidade e criatividade artística em gêneros comerciais como trap, pop e hip-hop. Dois anos depois, em seu primeiro EP, La Sandunguera, a graça era contornar o soul e o R&B numa estética ainda mais lapidada, o que acabou por definir o gênero de fusão como sua principal linguagem musical.
Influenciada por uma variedade de artistas, que vão dos clássicos Ella Fitzgerald, Ray Charles e Nina Simone até os mais importantes da música sul-americana, como João Gilberto, Ray Barretto e Atahualpa Yupanqui, ela começou a se apresentar em hotéis e restaurantes depois de migrar com a família para a Espanha em 2005. Depois de se formar em Comunicação Visual, e Artes Visuais e Dança na Europa, passou pela Literatura com o lançamento de Deja Que te Combata em 2019, mas o foco mesmo foi engatar no ramo musical e não parar mais.
Assim, para o seu primeiro disco, em 2021, ela não buscou nada além dos maiores paradoxos sonoros e líricos para finalizar o seu primeiro ato na Música. O choque provocado pelo som da jovem de 26 anos foi tamanho que Calambre – cãibra, numa tradução direta e literal do espanhol – levou a estreante até o Grammy Latino 2021, dentre os indicados a Melhor Artista Revelação e Melhor Canção Alternativa pelo single BUENOS AIRES. Por fim, seu primeiro disco entrou para consideração ao prêmio de Melhor Álbum Latino de Rock ou Alternativo do Grammy Awards 2022. Não se engane pelo novo rosto: experiência e vontade de ir além é o que Natalia Beatriz Dora Peluso tem de sobra.
Olivia Rodrigo por Vitória Silva
O nominável rostinho da geração Z. Em tão pouco tempo, Olivia Rodrigo já conseguiu subverter por completo qualquer expectativa que o público possa ter de uma artista adolescente, ainda mais criada na velha e conhecida escola da Disney. Iniciada nos programas de televisão infanto-juvenis, a jovem estadunidense da cidade de Murrieta começou a ganhar o mundo recentemente com o seu papel como Nini em High School Musical: The Musical: The Series – quer representação melhor para a adolescência da geração 2000? Nos bastidores do seriado, nasceu seu namoro com o galã Joshua Bassett, que, mais tarde, culminou em um coração partido. Daí Rodrigo tirou todo o combustível para o nascimento de SOUR.
Se aos 20 anos Billie Eilish já deixou os delírios da adolescência de lado para encarar a vida adulta, Olivia ainda se depara com toda a efusão de sentimentos capaz de ser sentida por uma jovem no abismo dos 18 anos de idade. Seu disco de estreia se tornou hinário para todo o restante do mundo, que, junto com os desabafos da artista, foi capaz de retornar à doce confusão sentimental que caracteriza o ápice da juventude. Com isso, Rodrigo ilustrou sua carreira iniciante não apenas pela coleção de hits que já acumula, mas pela ousadia de não precisar se provar mais madura do que é, nos presenteando com seu doce clichê adolescente.
O resultado de tudo isso está estampado na principal premiação do meio musical. Olivia Rodrigo é a grande aposta das categorias principais do prêmio, incluindo a sempre bem disputada Álbum do Ano. O passado pode ter sido azedo para a jovem de origens filipinas, mas o futuro parece ser mais doce do que ela é capaz de imaginar.
Saweetie por Raquel Dutra
A estrela de Saweetie brilha tão forte que a promessa do rap nem precisou apresentar um disco ao Grammy para figurar dentre os indicados de 2022. Para convencer os votantes de que merecia um lugar dentre os nomeados a Artista Revelação, bastou sua presença contundente entre os nomes mais badalados do momento e nos frequentes hits da Billboard. Bombando desde 2018 com seu primeiro single, a artista mostrou ser muito mais do que um nome das paradas de sucesso com os EPs que sucederam a sua estreia grandiosa.
Primeiro, High Maintenance (2018) definiu as ambições da artista e acompanhou a fundação de sua própria gravadora, e, depois, ICY (2019) cravou seu nome nas tabelas musicais. Mas desde os 13 anos a rapper nascida Diamonté Quiava Valentin Harper se aventura nas composições. O gosto artístico e criativo a levou até a conclusão de seu Bacharelado em Artes na Universidade do Sul da Califórnia, antes de concentrar sua dedicação no rap. Ela começou nas redes sociais, publicando suas rimas em seu perfil do Instagram. Foi lá que nasceu a ideia inicial do seu primeiro hit: a partir do ritmo de My Neck, My Back (Lick It), de Khia, Saweetie criou a melodia de ICY GIRL, canção lançada no SoundCloud, em 2017, que viralizou na internet.
Antes mesmo de completar 30 anos e realizar sua estreia oficial, Saweetie acumula colaborações com Dua Lipa, Jhené Aiko e Doja Cat, com quem divide uma de suas indicações ao Grammy 2022 por Best Friend, na única presença feminina na categoria de Melhor Canção de Rap. O single já integra a tracklist de seu álbum de estreia, Pretty Bitch Music, um dos lançamentos mais aguardados do ano, que mantém também a promessa de garantir sua presença na premiação de 2023.
Yebba por Raquel Dutra
O nome de Yebba veio a estampar um disco autoral só em 2021, mas, muito antes disso, já era conhecido pelo universo musical e no hall de vencedores do Grammy. A artista é um prodígio declarado há pelo menos cinco anos, construindo seu caminho na Música junto de veteranos como PJ Morton (com quem dividiu um gramofone em 2019), Mark Ronson, Sam Smith, Chance The Rapper e Ed Sheeran. O que encheu os olhos da indústria foi a sua preciosa versatilidade experiente, que compreende desde as suas interpretações, definidas pelo seu timbre marcante e muito bem referenciado pelo soul, R&B, gospel e folk, até as suas composições, que expressam letras muito bem trabalhadas pela sua profundidade emocional.
E não era para menos. Nascida e criada numa igreja protestante de Memphis, Abbey Smith aprendeu a cantar com a comunidade pastoreada pelo pai, e nunca se distanciou da música, até viralizar com uma apresentação de My Mind no canal do projeto Sofar Sounds, YouTube em 2016. O hit atraiu os holofotes e a prometeu uma carreira profissional, mas, apenas algumas semanas depois, sua mãe faleceu por suicídio. O momento pediu a reclusão de Yebba e aguçou ainda mais a sua necessidade de refúgio na música, que se tornou também uma forma de homenagear a sua figura materna. Primeiro através do nome artístico, que nasceu de um apelido carinhoso criado pela sua mãe desde sua infância, e depois, dedicando o seu nome para batizar o seu primeiro disco, Dawn.
Assim, o conjunto da obra não poderia ser mais significativo. Somando a sua experiência a de colaboradores como Questlove, A$AP Rocky, KAYTRANADA, Smino e James Francies, ela transformou sua dor íntima numa das melhores obras musicais do último ano, que foi envolvida também numa campanha promovida pela artista para conscientização sobre saúde mental. Infelizmente, o Grammy 2022 não tomou parte do belíssimo trabalho como deveria, deixando-o de fora das categorias principais e dos gêneros contemplados por Dawn, lembrando da artista apenas para Melhor Engenharia de Álbum Não-Clássico e em suas magistrais interpretações, que aparecem mais uma vez dentre as nomeadas à Melhor Performance de R&B Tradicional. Que não sejamos iguais a eles, então: cada segundo sob o amanhecer de Yebba deve ser apreciado.