5 anos de Capitão Fantástico: reflexões que não envelhecem

Cena do filme Capitão Fantástico, onde os 7 atores, brancos com cabelos ruivos e loiros, estão sentados em roda com as mãos sobre os joelhos. O grupo se encontra em meio a uma pequena clareira na floresta de pinheiros, as plantas são verde claro e há montanhas ao fundo.
Capitão Fantástico está disponível no Youtube para alugar por R$9,90 (Foto: Reprodução)

Lorrana Marino 

O canto dos pássaros em harmonia com o som de água corrente se combinam à imagem serena da floresta. Lentamente, a cena se torna agressiva e com alguns nuances perturbadores. Um cervo morre. Um órgão ensanguentado é mordido. Um ritual de caça que faz um adolescente tornar-se adulto. A sensação é de que estamos assistindo a um grupo de pessoas selvagens, indóceis e hostis. Entretanto, a primeira risada muda tudo e o que vemos ali, na verdade, é uma família casada com a natureza. A dinâmica dos Cash (em português: dinheiro) – sobrenome esse que se apresenta irônico diante do estilo de vida anticapitalista que eles levam – nos é introduzida e entendemos que ali, em Capitão Fantástico, há sempre diálogo e música. 

Bodevan, Vespyr, Kielyr, Rellian, Zaja e Nai são os seis filhos com nomes únicos inventados pelos pais, Ben (Viggo Mortensen) e Leslie (Trin Miller). Com o sonho de criar algo único e fazer crescer grandes filósofos, o casal se mudou para uma floresta que possibilitou a restrição do contato das crianças com a sociedade americana. Existem regras, treinos físicos e caça. Mas também há estudo e discussão de filosofia, política e literatura. Logo nas primeiras sequências de diálogo, somos introduzidos ao problema a ser enfrentado na narrativa: Leslie não está bem. A mãe da família está internada e, cenas à frente descobrimos, junto com Ben, que ela cometeu suicídio e haverá um velório o qual ele e os filhos não estão convidados.

A trama se desenrola exatamente na ida da família ao velório de Leslie, mas o que faz Capitão Fantástico ser fantástico são os contrastes sociais que os Cash encontram pelo caminho. Ben é um pai rígido e, ao mesmo tempo, sensível. Ele cobra criticismo, consciência e condicionamento físico dos filhos, mas ao mesmo tempo os ouve, pede suas opiniões. Ele respeita sua família, independente da idade. De fato, é incômodo perceber a naturalidade com a qual o pai conta sobre o suicídio da mulher ou explica sexo para as crianças. Mas, ainda assim, Ben desperta um quê de admirável por fazer isso e nos faz questionar se crianças são mesmo frágeis e incapazes de compreender o mundo ou se somos nós, adultos, que as consideramos inferiores.

O elenco principal do filme está sobre o tapete vermelho do evento SAG Awards. Vestem roupas de gala e posam para foto com as mãos levantadas e o dedo do meio a mostra em forma de protesto anti-Trump.
O elenco de Capitão Fantástico em pose num protesto anti-Trump no Oscar 2017 (Foto: Reprodução)

Contudo, o filme Matt Ross não romantiza esse estilo de vida. Ao mesmo tempo que o capitalismo representa um polo extremo de consumo e economia –  e a produção deixa isso bem claro em suas críticas e falas – o isolamento social da família representa o outro lado, sendo o agravador e criador de dificuldades como o estado de saúde de Leslie e a dificuldade de Bodevan em se relacionar com outras pessoas senão os irmãos. Se os comentários e percepções sobre a sociedade do consumo nos fazem perceber sua problemática, o categorismo de Ben em não permitir que os filhos comam batatas fritas, celebrem o natal ou frequentem a universidade pode ser interpretado como um sistema tão opressor e criticável quanto.

Entretanto, tudo muda quando o patriarca percebe isso. Não por parte da irmã e seus conceitos de criação e educação – que põe em panos quentes a realidade antes de contar aos filhos; esses que se mostram desconectados do mundo por estarem sempre no celular ou jogando videogames – ou os sogros com seu poder aquisitivo e apoio jurídico, sempre ameaçando tomar a guarda das crianças. Na verdade, são seus filhos que tomam as decisões catalisadoras de mudança e fazem Ben entender e perceber que pode haver equilíbrio. 

Em um desses momentos de decisão, Rellian, o filho que mais discorda do estilo de vida que a família leva, cita ao pai as palavras do filósofo mais admirado por todos ali, Noam Chomsky: “Se você admite que não há esperança, então você garante que não haverá esperança. Se você admite que há um instinto para a liberdade, que existem oportunidades de mudar as coisas, então há a possibilidade de que possa contribuir para a construção de um mundo melhor”. A cena toda representa que Ben não está totalmente errado no que tentou fazer, mas que há outro caminho.

Cena do filme Capitão Fantástico, onde a família formada por três crianças, três adolescentes e um adulto, todos brancos com cabelos loiros e ruivos, está em pé dentro de uma igreja com detalhes marrons. As expressões são sérias e eles usam roupas coloridas num estilo hippie.
Viggo Mortensen foi indicado ao Globo de Ouro e ao Oscar de Melhor Ator pela interpretação em Capitão Fantástico (Foto: Reprodução)

Após nos mostrar extremos, Capitão Fantástico traz a concepção de que a moderação é a melhor solução. O mundo é um lugar plural, que exige diálogo e coexistência, não isolamento. Bodevan, enfim, se separa da família no final, não para aprender mais em uma universidade, mas sim para entender sobre o mundo, no mundo. O filme escrito e dirigido por Matt Ross completa 5 anos de seu lançamento dia 23 de janeiro de 2021, e ainda assim continua atual e pertinente. Com figurinos coloridos que ilustram bem a criatividade e liberdade de expressão dos Cash, o longa ainda traz, no final, a melhor versão do clássico de Guns N’ Roses: Sweet Child O’ Mine, que eu particularmente já ouvi.

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