Vitória Lopes Gomez
Em uma linda e ensolarada tarde de folga, um jovem casal se encontra às escondidas para seu último dia juntos. Cortinas esvoaçantes, uma paisagem verde, corpos nus e histórias contadas pela metade. Confissões ao pé do travesseiro, sentimentos à flor da pele, um passado trágico que ninguém ousa mencionar. Mothering Sunday poderia ter saído de um poema – e bom, bateu na trave. Dirigido por Eva Husson e roteirizado por Alice Birch, o longa britânico foi adaptado do romance homônimo de Graham Swift e, depois de passar pelos Festivais de Cannes e Toronto, estreou no Brasil integrando a 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
Mothering Sunday, como todo poema, não é tão simples em sua melancolia. No sol da primavera de 1924 no interior da Inglaterra, o cenário bucólico esconde paixões, mas também tragédias. Só que essas vêm bem antes, e bem depois. Primeiro vem Jane (Odessa Young), uma jovem órfã que trabalha como doméstica na formosa residência do casal Niven, uma das famílias da aristocracia inglesa da época, e que tem um caso com Paul Sheringham (Josh O’Connor), o filho dos vizinhos.
O problema vem logo aí: ela é funcionária de uma das famílias tradicionais, já ele nasceu no berço de ouro proporcionado por estas. Como é o charme dos romances, a relação entre um aristocrata e uma empregada é inconcebível, e Paul já tem uma vida toda planejada que não conta com Jane. Mas que inclui Emma (Emma D’Arcy), também filha de uma das famílias da região e com quem ele deve se casar. No belo domingo de Dia das Mães em que o noivado será celebrado, Jane aproveita a folga para viver seus últimos momentos como amante de Paul, antes que tudo mude de vez.
É lado a lado com a protagonista que, aos poucos, tiramos o véu de Mothering Sunday. As feridas nunca fechadas, os sobreviventes de uma guerra sem vencedores, foram mascaradas sob a classe britânica, mas ainda ressoam nos corredores, nas mesas de jantar e nos habitantes das luxuosas e bem-iluminadas mansões. Entre assuntos evitados e olhares reprovadores, nem as cortinas abertas e o sol da manhã iluminam o que foi enterrado tão fundo a ponto da própria menção da perda desmontar os aristocratas ingleses. Olivia Colman que diga: as pouquíssimas aparições da Rainha são resumidas à apática Sra. Niven, que, sempre à beira do choro, não adere às aparências de seu marido e vizinhos, e, quando explode, encabeça a verdadeira mudança de rumo na vida de Jane.
Os ambientes, de tão amplos, parecem vazios e tornam a calmaria desoladora. Em sintonia, o design de produção de Helen Scott e a fotografia de Jamie D. Ramsay andam de mãos dadas na criação da ambientação melancólica, sobretudo, mas também nostálgica e que retumba os ‘últimos’. Mothering Sunday imprime uma beleza trágica e amplifica os fins: os últimos momentos da corrida, o último dia da paixão, a frase não dita, o segredo não revelado. Nada teria o mesmo efeito sem o abraço frio da atmosfera confeccionada pelos dois. Porém, se visualmente o filme faz sentir, a condução de Eva Husson e a montagem de Emilie Orsini minam a beleza.
Com os olhos voltados para Jane, interpretada delicadamente por Odessa Young, a observamos crescer de órfã sozinha para jovem inocente e apaixonada, e daí para mulher livre e independente, ciente de seus reveses e forte apesar (e por causa) deles. A diretora enriquece o filme ao se preocupar com os detalhes e com os pequenos gestos, mas quando a ternura não cai na lentidão dos momentos, o ir e vir só atrapalha o que poderia ser uma imersão na profundidade poética daquela última primavera antes de tudo mudar. Só que, como em um poema, em um romance ou na própria vida, tudo muda, inclusive Jane. Mothering Sunday faz questão de deixar claro de que não é uma simples história sobre os ‘últimos’ e sua importância – e esse é o problema, porque talvez seja.