Vitor Evangelista
Quando fez história no Emmy 2020, uma emocionada Zendaya foi enfática na mensagem que queria passar: tenham fé na juventude. E é por causa de filmes como Meu Coração Só Irá Bater Se Você Pedir que podemos afirmar a veracidade e relevância do discurso da atriz de Euphoria. Jonathan Cuartas, o diretor e roteirista desse drama de sangue, se formou na faculdade de cinema em 2016, e depois de realizar alguns curtas, trouxe à 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo sua estreia no formato de longa metragem e, meu amigo, que estreia!
Emprestando para o título um verso de I Am Controlled By Your Love, canção de Helene Smith, o filme narra os temores e sacrifícios de Dwight e Jessie na busca de sangue humano para alimentar o irmão mais novo Thomas. O caçula sofre de uma misteriosa condição que o impede de sair de casa, de ter contato com claridade e, obviamente, obriga-o a manter essa dieta nada vegana. Sem figuras paternas no suntuoso casarão que habitam, o trio passa os noventa minutos de My Heart Can’t Beat Unless You Tell It To em busca de liberdade, cada qual com sua sina.
Despreocupado em se rotular como ‘filme de vampiro’, o trabalho de Jonathan Cuartas se desenrola nas desavenças da família. Dwight é interpretado pelo barbudo mais sensível do pedaço, Patrick Fugit. Ele representa a bondade nesse oceano de assassinatos, por mais que boa parte dos crimes sejam cometidos pelo próprio. O visual do personagem, cabeludo e com ares romenos, entra em desacordo com os Estados Unidos que dá ambientação à obra.
Essa sendo uma constante do filme: todas as caracterizações fogem do típico idealismo norte americano. A cinematografia de Michael Cuartas (irmão do diretor) harmoniza cenários oleosos, amarelos e claustrofóbicos. O simples fato de Meu Coração Só Irá Bater Se Você Pedir tomar parte quase que todo dentro da residência demanda que a direção saiba como habitar e estimular os cômodos, e ela faz isso muito bem. Existe agilidade tanto no texto quanto no ritmo da história, as relações de causa e efeito fazem valer a investida emocional.
A sensação de algo ‘antiamericano’ é latente, não pela abordagem de temas polêmicos ou por fazer a caveira do país, mas exatamente por escolher filmar figuras pálidas, sem sobrancelhas e cadavéricas. O filme vive num looping depressivo, os irmãos passam boa parte do tempo sentados, cobertos e jogados no sofá, à luz da árvore de Natal toda enfeitada e recheada de presentes. O bucolismo da imobilidade deles é palpável, do lado de fora da tela somos embriagados pela atmosfera de dentro.
No ecossistema de Meu Coração Só Irá Bater Se Você Pedir é Natal todo mês, independente de ser dezembro ou não. A família celebra o nascimento do menino Jesus no mesmo recinto que drena sangue humano para o irmão caçula não morrer de fome. Jonathan Cuartas rege sua orquestra com algumas notas em mente: a trilha sonora toca sons angustiantes e o texto do filme não procura redimir ou relativizar suas ações. É uma prisão invisível e perpetua, essa da existência quase inumana da família.
Eles fazem o que fazem para Thomas sobreviver, e o trabalho de Owen Campbell de convencer como um cadáver vivo é excelente. O olhar morto, a fraqueza na hora de se movimentar e uma postura quebradiça são os fatores que amalgamam sua performance como o ponto de tensão do filme, ele é digno de pena, mas também de preocupações. Sem crermos na fragilidade do jovem, nunca acreditaríamos no vigor e sangue nos olhos da irmã Jessie.
A performance da atriz Ingrid Sophie Schram é repugnante de ser assistida. Sua falta de sobrancelhas é um detalhe de rodapé, mas que desumaniza a personagem num nível tangível ao público. Ela é íntegra, entretanto, e sempre se mantém fiel a seu deturpado conceito de família e sobrevivência. A lealdade da garçonete é o combustível de Meu Coração Só Irá Bater Se Você Pedir, e também o que a choca constantemente com o irmão mais velho. Sua inserção no filme é o questionamento ideal de até onde alguém iria para proteger quem ama. Spoiler: ela vai longe.
No microplano, Meu Coração Só Irá Bater Se Você Pedir é um filme sobre dois adultos que fazem o necessário para manter a família viva, um clássico filme de sobrevivência, custe o que custar. No macro, a genialidade de Jonathan Cuartas versa sobre a emancipação do homem. Se libertar de amarras e romper o cordão até o próximo passo, seja ele a morte, a perda da inocência ou a aceitação da maldade do mundo.