A partir do afrofuturismo, Dirty Computer mantém seu impacto político intacto mesmo após 5 anos

Capa do álbum Dirty Computer. Nela está a cantora Janelle Monáe, uma mulher negra de cabelos curtos que veste uma burca feita de joias brilhantes interligadas por correntes. Apenas seus olhos não estão cobertos. A burca é de metal e vazada. Sua pele é iluminada por uma forte luz vermelha enquanto ao fundo está um círculo que se assemelha a um planeta com árvores ao redor de sua cabeça. Este é preenchido por um degradê que vai do vermelho ao amarelo. Ao fundo, tons de azul que se assemelham a nuvens e à esquerda o texto Janelle Monáe - Dirty Computer.
Dirty Computer foi anunciado com um trailer, exibido nas sessões do filme Pantera Negra (Foto: Bad Boy Records)

Henrique Marinhos

Baseado em uma história distópica que transforma aqueles que não se conformam em computadores sujos, Dirty Computer é o terceiro álbum de estúdio da cantora, compositora e atriz Janelle Monáe. Lançado em 2018, a obra-prima não se destaca apenas por sua sonoridade, mas também por sua narrativa visual e conceitual, unidas em um audiovisual de 48 minutos emocionante.

Desde o lançamento de seu primeiro álbum, The ArchAndroid, em 2010, Monáe tem sido aclamada pela crítica e pelos fãs por sua originalidade e inovação na Música. Ela mistura elementos de R&B, soul, funk e rock, além de ser conhecida por suas performances energéticas e hipnotizantes, que cativam a audiência em seus shows ao vivo. Hoje, ela pode comemorar a realização de um manifesto impactante que comemora cinco anos de existência.

Lançado em 27 de Abril de 2018 pela Wondaland Arts Society, Bad Boy Records e Atlantic Records, a obra é, além de tudo, uma continuação de seus primeiros álbuns de estúdio, The ArchAndroid (2010) e The Electric Lady (2013), e seu primeiro a não continuar a narrativa de Cindi Mayweather, seu alter ego. O disco recebeu aclamação universal da crítica logo após o lançamento, foi incluído nos primeiros lugares das listas de Melhores Álbuns de 2018.

Nos cinco anos desde o lançamento, Dirty Computer continua a inspirar e capacitar, promovendo a individualidade e a não conformidade em uma sociedade que molda padrões rígidos, opressores e vazios. Em Pynk, um de seus clipes mais notáveis e single do álbum, Monáe celebra a feminilidade e a sexualidade em um cenário rosa do início ao fim, com as roupas, cenários e adereços todos em diferentes tons – isso, além de uma coreografia divertida, intimista, corajosa e alegre. Por outro lado, em Django Jane, ela reflete a força e a resiliência de maneira mais séria. Em um cenário futurista e tecnológico, as atrizes usam roupas militares e capacetes de combate, enquanto a cantora lidera o grupo com uma performance de rap segura e intensa, que fez até Lady Gaga se levantar de seu acento em sua performance no Grammy.

A integração dos clipes do disco é conduzida com maestria através de curtas narrativas que nos apresentam a personagem central da história, o computador Jane 57821. O enredo é composto por diversas faixas que, de alguma forma, estão relacionadas às memórias que precisam ser apagadas. Através de bugs e dúvidas humanas, somos apresentados aos questionamentos daqueles que deveriam executar a função de apagar essas memórias, mas que se veem confrontados com o conteúdo irreverente das músicas.

Imagem do filme produzido a partir do álbum Dirty Computer. Na imagem, estão as atrizes Tessa Thompson e Janelle Monáe. Janelle está usando um vestido rosa enquanto Tessa está com sua cabeça saindo através dos babados em degradê do vestido. Ambas são mulheres negras, jovens com cabelos cacheados longos. Se assemelhando aos lábios de uma vagina. Ao redor está um deserto
Após anos de especulação e participações em clipes, nunca se soube se Janelle Monáe e Tessa Thompson realmente tiveram um relacionamento amoroso (Foto: Bad Boy Records)

Com o toque de Midas, além de sua carreira musical, a ativista multitalentosa também é conhecida por sua participação no filme Moonlight: Sob a Luz do Luar, que ganhou o Oscar de Melhor Filme em 2017. Interpretando Teresa, uma mulher que acolhe e apoia o protagonista em uma realidade de violência, solidão e discriminação, assim como Cindi Mayweather e Jane 57821. Em adição a sua carreira na moda, como modelo para a CoverGirl e Ralph Lauren, a cantora atravessa as convenções sociais misturando elementos que definem moda masculina e feminina, em um visual que é ao mesmo tempo elegante e desafiador.

Desde o início, as criações de Janelle Monáe transparecem referências claras e bem exploradas. Visualmente, Dirty Computer [Emotional Picture] – como a artista nomeia seu álbum visual – segue uma sólida base sci-fi, com referências de The Twilight Zone, Star Wars e Matrix. Sonoramente, Make Me Feel é uma de suas composições mais emocionantes, que conta com a participação de um de seus maiores ídolos, Prince, antes de seu falecimento em 2016. A faixa apresenta um som inspirado no funk dos anos 1980, com guitarras elétricas e sintetizadores. Monáe constrói uma narrativa rica entre muitas outras inspirações, como David Bowie, Madonna e James Brown.

Foto promocional da festa pós lançamento do álbum Dirty Computer. Nela está Janelle Monáe, uma mulher negra de baixa estatura que veste calça e camisa social com suspensórios quadriculados. Ao seu redor estão mais cinco mulheres negras com jaquetas de couro. O ambiente é iluminado e colorido. Com luzes refletidas de vários globos de luz. Os tons que prevalecem são o verde, rosa e amarelo.
Além do álbum, em 2022 Monáe lançou o livro The Memory Librarian: And Other Stories of Dirty Computer, uma coleção de contos de ficção na mesma temática de Dirty Computer (Foto: Bad Boy Records)

Dirty Computer, além de tudo, é uma declaração de amor próprio – em tempo que a artista se assumiu como pansexual em uma entrevista à revista Rolling Stone em 2018 -, e também uma das expressões mais marcantes e revolucionárias do afrofuturismo, um movimento cultural que usa o conceito da tecnologia para projetar um futuro do ponto de vista da comunidade negra. A artista também é uma das fundadoras do movimento Fem the Future, que visa capacitar mulheres e minorias na indústria da Música e do entretenimento, e seu legado no mundo hoje pode ser visto para muito além de seu manifesto político de cinco anos atrás.

Eu não sou o pesadelo da América / Eu sou a americana legal

Com letras poderosas, narrativa visual marcante e sonoridade inovadora, o álbum celebra a individualidade, a diversidade e a resistência. Desde seu lançamento em 2018, Dirty Computer conquistou tanto sucesso e reconhecimento que se tornou um símbolo. Em celebração a diversidade, a criatividade e a rebeldia, a representação de ‘computadores sujos’, o disco é um manifesto político e artístico que questiona o status quo e propõe um futuro mais inclusivo e democrático. 

Além disso, o trabalho dialoga com o presente, passado e indiscutivelmente com o futuro, apontando para um horizonte de esperança e emancipação. Em defesa ao nosso direito de existir e de expressar quem somos, a amar a nós mesmos e aos outros, mesmo que incomode. Dirty Computer comprova, mais uma vez, o poder da Arte como ferramenta de promoção de mudanças sociais e políticas, por uma artista que está à altura de uma responsabilidade tão grande.

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