Vitória Silva
A Segunda Guerra Mundial foi um conflito de proporções globais, que resultou na morte de, pelo menos, mais de 60 milhões de pessoas. Entre os mais diretamente atingidos por essas estatísticas está a população judaica. Sob o regime nazista de Hitler na Alemanha, os judeus foram perseguidos, colocados em campos de concentração, e poucos sobreviveram dessa tortura para contar a história. A guerra já acabou, mas o mesmo não se pode dizer desse sofrimento e fuga constante. Assim Queimamos, longa exibido na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, traz um olhar mais do que atual para essa situação.
Rae (Madeleine Coghlan) é uma jovem moradora de Bilings, em Montana, que aproveita muito bem seu dia a dia indo em festas e outros eventos ao lado de sua amiga Chrissy (Devery Jacobs). Judia e descendente de sobreviventes do Holocausto, ela passa a sofrer ataques antissemitas na cidade. Ainda assimilando as dores de um término recente, a protagonista entra em um processo de autodestruição, em que o abuso de drogas e o envolvimento com caras mais velhos parece ser a única forma de se libertar da realidade cruel.
Ao ter uma overdose, Rae vê que é o momento de voltar para a casa de sua mãe. Assim, ela viaja com o intuito de explorar as suas origens e aceitá-las. A direção e o roteiro de Alana Waksman captam todas as etapas desse doloroso processo e os conflitos que a jovem enfrenta para entender quem ela é, ao passo que tenta fazer com que os outros também tenham essa mesma compreensão. Etapas essas que, inclusive, se encontram com a trajetória da própria cineasta, que é descendente da primeira geração de sobreviventes do Holocausto na Polônia.
Junto com a necessidade de se descobrir, Rae vivencia constantes flashbacks de um acidente que sofreu na infância e deixou marcas em seu corpo até hoje. Ao mesmo tempo, também visualiza o passado da sua avó durante o Holocausto. Por mais que a causa do acidente provoque uma certa reviravolta na trama, não é o que importa aqui, e sim a analogia da protagonista em sentir as mesmas dores e carregar as queimaduras de seus antepassados.
Além da forte simbologia do fogo que permeia toda a narrativa de We Burn Like This, as pinturas feitas por Rae e as frases poéticas que ela recita com o passar das cenas sustentam juntas a profundidade dessa trajetória. São os gritos internos de seu desabafo, que ela precisa assimilar o suficiente para poder externalizá-los.
Ao final, a protagonista chega ao destino da sua caminhada, se conectando com suas raízes sem medo ou receio algum. Por mais que a construção dessa coragem possa parecer repentina, é notório enxergar a mudança na postura de Rae, e o pulso firme que ela adquire para não hesitar nem um pouco ao se afirmar para os outros como judia, em que também tenta refletir essa força em sua própria mãe.
Assim Queimamos acende a chama de uma questão há muito apagada, de uma minoria que se vê parada no tempo por estar em uma sociedade que insiste em não caminhar para frente. E não há nada mais simbólico do que ver isso partindo de uma produção dos Estados Unidos. Waksman transforma o sonho americano em uma simples fagulha, por ser uma terra que clama pela liberdade mas não sai do seu próprio quadrado para respeitar a realidade e as vivências do próximo.