Caroline Campos
As histórias de caça ao tesouro encantam histórias infantis e clássicos da literatura desde que a cobiça encontrou o desejo pela primeira vez. No entanto, quando se trata de Crianças do Sol, a aventura lúdica da busca por riquezas e paixões não é tão divertida assim. Exibido na 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, o longa iraniano do diretor indicado ao Oscar Majid Majidi se consolida como um manifesto contra o trabalho infantil, utilizando crianças extremamente talentosas e uma narrativa sinuosa para transmitir sua mensagem.
Integrante da Competição Perspectiva Internacional, nos deparamos, logo na abertura, com a rotina perigosa de Ali e seus três cúmplices de pequenos furtos: Mamad, Abolfazl e Reza. Os garotos, todos na faixa dos 12 anos, fazem parte da imensa população socialmente vulnerável de crianças de rua do Irã, com famílias instáveis e desestruturadas, na maioria das vezes. Ali, o mini comandante da quadrilha, recebe de súbito a missão que vai mudar a sua vida. Seu chefe diz que há um tesouro embaixo de uma escola de caridade para meninos em situação de rua, e a única forma de chegar até lá é se matriculando – uma cena que beira o cômico, diga-se de passagem.
Chegando lá, os dias percorrem sob o chão. Sagradamente, os quatro garotos revezam postos na escavação do porão da escola, descobrindo cada vez mais caminhos e utilizando diversas ferramentas para atravessá-los. Ali, interpretado pelo grandioso Rouhollah Zamani, nos oferece detalhes sutis do percurso brutal que o levou até onde está. Sua pretensão com o tesouro é poder ajudar a mãe, internada em uma clínica psiquiátrica depois de perder a filha e queimar grande parte do corpo em um incêndio. Cada expressão do garoto quando vai visitá-la é minimamente construída com doses equivalentes de dor e tristeza. Não é a toa que Zamani conquistou o prêmio de melhor jovem ator no Festival de Veneza.
Majidi toma partido desde o início ao dedicar Korshid, título original, às “152 milhões de crianças forçadas a trabalhar e por todos aqueles que lutam pelos direitos delas”. Ao introduzir a Escola do Sol, o X do mapa dos personagens, o diretor enfatiza a importância da educação e o tamanho da mudança que ela pode causar, já que todos os garotos acabam se habituando aos corredores da escola. Infelizmente, as estatísticas não jogam a favor dos que precisam, já que apenas – ou seria “ao menos”? – Reza (Mani Ghafouri) consegue uma chance em um time de futebol, que ele diz ser o seu verdadeiro tesouro.
Assim, o quarteto se divide. Mamad (Seyed Mohammad Mehdi Mousavi Fard) cede às pressões de seu pai viciado e Abolfazl (Abolfazl Shirzad) e sua irmã Zahra, a impressionante Shamila Shirzad, voltam para o Afeganistão. Apenas Ali continua comprometido com a missão. Um comprometimento perigoso e esperançoso, que mantém em segredo de todos – inclusive do Sr. Rafie (Javad Ezati), o vice-diretor da escola que vira rapidamente amigo do garoto. Rafie é tão determinado em manter a escola que abriga 280 garotos explorados funcionando quanto Ali é na busca por seu prêmio. Entretanto, sua luta contra os perigos sociais a que essas crianças são expostas é interrompida assim que o dinheiro da escola chega ao fim, e não há mais como se manter.
O filme se encerra de forma claustrofóbica: Ali o finaliza com ainda menos do que o iniciou. Não há finais felizes, como a realidade insiste em nos mostrar. As crianças continuam sendo marginalizadas e excluídas, por fora de qualquer círculo social que possa existir nas ruas iranianas. Com longos planos nos corredores vazios da escola, enquanto o sinal toca sem nenhum grito de animação para acompanhar seu som, a narrativa da obra desvia seu caminho a uma tragédia que, talvez pelo carisma do protagonista ou pela sua persistência, não estávamos esperando. Não queríamos esperar.
Crianças do Sol é uma declaração política. É uma denúncia a um sistema que gera exploração e desigualdade com uma população que mal iniciou a vida. A obra enérgica e necessária de Majid Majidi subverte um dos principais motivos pelo qual assistimos filmes: o desejo de um final feliz. Quando se trata do mundo em que vivemos, muitas vezes a felicidade nos é negada. E enquanto existir uma criança sequer sendo obrigada a trabalhar, esse mundo nunca encontrará felicidade plena.