Vitória Lopes Gomez
Talvez seja muito cedo para dizer que o ano é dele, mas o fato é: Zack Snyder virou um fenômeno. Em seus 15 anos dedicados à DC, o diretor, roteirista e produtor tem seu nome creditado em obras memoráveis, como Watchmen, Homem de Aço, Esquadrão Suicida, Batman vs. Superman, Aquaman… A lista é longa e ficou difícil não associá-lo às adaptações de quadrinhos. Ainda, com os pedidos de fãs pela sua versão de Liga da Justiça e a chegada do tão esperado Snyder Cut, o multitarefa consagrou sua visão na DC, que ele tanto lutara para construir e estabelecer, e sua influência no gênero. Em seu segundo lançamento em dois meses, Snyder deixa os heróis de lado e retorna às suas origens com Army of the Dead: Invasão em Las Vegas.
Na história, original do cineasta e roteirizada por ele, ao lado de Shay Hatten e Joby Harold, após um zumbi escapar e infectar pessoas em Las Vegas, a cidade é isolada e vira uma zona de quarentena. Quando o governo dos Estados Unidos decide bombardear a região e eliminar os mortos-vivos presos lá, um grupo de mercenários aceita cruzar os limites da cidade e entrar na zona zumbi para recuperarem – ou melhor, assaltarem – uma fortuna milionária trancafiada em um cassino.
Logo na introdução, Snyder estabelece o tom do filme. Após o comboio que transporta um experimento da Área 51 ser atingido e um zumbi escapar, o inevitável acontece e o monstrengo transforma cidadãos a torto e a direito. Felizmente, a resposta rápida do exército isola a horda de mortos-vivos e impede que a narrativa siga pelo caminho batido das causas do desastre ou da sobrevivência no apocalipse. Rápido e sem ladainhas, em menos de 15 minutos, recheados de ação, cores, câmeras lentas e duas versões de Viva Las Vegas, somos inseridos no contexto e na atmosfera frenética, divertida e orgulhosamente ridícula de Army of the Dead.
Acentuando o absurdo que começou com o acidente em primeiro lugar, após tudo voltar ao novo normal, a vida pacata do ex-soldado e agora cozinheiro Scott Ward (Dave Bautista) é interrompida quando o mercenário Tanaka entra em sua lanchonete e oferece 200 milhões para que ele, e quem mais ele escolher, entrem na zona de quarentena. A missão da equipe é recuperar a fortuna guardada no cofre de um cassino abandonado antes que a bomba nuclear atinja Las Vegas e destrua o local. Já que ele não estava fazendo nada, Ward aceita.
Scott, então, passa a recrutar os membros da sua futura equipe. Os escolhidos são figurões que se encaixam bem em grupo, ora divertidos, ora caricatos demais, mas de quem pouco sabemos. Diferente de Madrugada dos Mortos, longa de estreia de Zack Snyder e que também trabalha o subgênero zumbi, Army of the Dead não se preocupa em desenvolver seus personagens ou as relações entre eles. Mercenários, aparentemente só interessados no dinheiro, não soam convincentes em toparem a missão suicida e o roteiro começa a pecar já aí.
A narrativa chega a tentar se aprofundar em alguns dos membros da equipe, mas não faz o suficiente para despertar empatia – ou sequer interesse. A relação conturbada de Ward e sua filha (Ella Purnell), que insiste em acompanhar na missão por seus próprios motivos, ganha um destaque especial, mas é previsível e, assim como a amizade de longa data do protagonista com Maria (Ana de la Reguera) e Vanderhoe (Omar Hardwick) e a palhinha de romance, são superficiais demais para nos fazer ligar para eles.
No decorrer do filme, fica claro que o foco é o assalto. Com o rumo que segue, o Oito Homens e Um Segredo zumbi de Snyder consegue se fazer diferente de outros filmes dos subgêneros que trabalha, inclusive do seu próprio Madrugada dos Mortos, e, logicamente, a ação é o ponto alto. Se por um lado os diálogos são toscos e a tentativa de comédia, de dar vergonha alheia, as sequências de ação são eufóricas e tensas e redimem o longa onde ele mais se destaca.
Apesar de por vezes desviar e se perder em tramas secundárias, a narrativa consegue conciliar o objetivo principal com sua própria mitologia dos mortos-vivos. Talvez seja impossível inovar completamente em um gênero tão explorado: da pioneira Trilogia dos Mortos de George Romero, que introduziu os caminhantes lentos e irracionais e os evoluiu até formas de organização e lideranças políticas, os zumbis já ganharam praticamente todas as características possíveis e plausíveis. Passado monstros que correm, infecções causadas até por nuggets de frango, ataques coordenados em grupo, diferentes categorias de mortos-vivos e até habilidade de amar, Snyder não inventa a roda em Army of the Dead, mas sabe acrescentar ao universo que cria.
Mesmo com diálogos expositivos demais, que ficam por conta da intrigante Lilly (Nora Arnezeder), acostumada a entrar na zona de quarentena e consultora do grupo no assunto zumbi, entendemos que a ameaça é maior do que monstros lerdos e doidos por cérebro. Eles são espertos, rápidos e organizados. Liderados pelo primeiro infectado, Zeus (Richard Cetrone), que não mais mata às cegas, mas aumenta sua horda de seguidores aos poucos, os desmortos aceitam até sacrifícios (humanos, óbvio) em troca do ingresso de entrada em seu território.
Inexplicavelmente (ainda bem), os mortos-vivos conseguem até procriar entre si. Se na estreia de Snyder uma das personagens, que já estava grávida antes de ser infectada, dá a luz a um zumbizinho, em Army of the Dead eles podem se reproduzir depois de transformados. Ainda, um tigre-zumbi, um deleite de efeitos especiais, ronda a zona de quarentena e mostra que animais também podem voltar à vida. Um novo leque de possibilidades é aberto com essas divertidas bizarrices, como quanto a uma hierarquia ou formas de organização em sociedade, mas a narrativa não se estende mais do que necessário e ainda não explora os zumbis em si.
De mãos dadas com a ação e não se limitando ao espetacular mascote zumbi, os efeitos especiais também não falham. Sequências de lutas e tiros, acrobacias, golpes sangrentos e mortes marcantes, que não temem em recorrer aos esguichos de sangue e cair no trash dos filmes de terror, são garantidos com a computação gráfica da produção. Não só intensificando as cenas e toda a agitação da obra, o trabalho dos artistas visuais também foi responsável por uma das personagens mais importantes da história, a piloto de helicóptero Marianne.
A personagem vivida pela comediante Tig Notaro foi uma adaptação do papel anteriormente interpretado por Chris D´Elia, que, após acusações e investigações por assédio sexual e pedofilia, foi demitido da produção. Não é a primeira vez que escândalos e as decisões cabíveis, ainda que não duradouras, acontecem em Hollywood (apesar de serem a minoria dos casos): acusado e tendo admitido casos de pedofilia, assédio e agressão sexual, o ator Kevin Spacey foi substituído de última hora por Christopher Plummer em Todo o Dinheiro do Mundo, que o rendeu uma indicação ao Oscar de 2018 como Melhor Ator Coadjuvante. Também tendo entrado para o elenco após o final das gravações, Notaro atuou sozinha em frente a telas verdes e foi inserida no filme através do CGI, imperceptível para os desavisados e mais um dos feitos da equipe de efeitos especiais.
Em conjunto com o ritmo em que a narrativa é conduzida, que toma tempo demais, mas não chega a enjoar, o visual de Army of the Dead intensifica a atmosfera despretensiosa e divertida do longa. A ambientação também distrai de alguns diálogos intragáveis e furos na narrativa, e torna a experiência completa envolvente justamente pela mistureba que faz, ora com o uso de elementos realísticos e câmeras desfocadas, ora com o digital abusando das cores e do lúdico. Afinal, entrar em uma zona de quarentena para invadir um cassino e roubar milhões de um cofre impenetrável é um verdadeiro cenário de jogo.
Com interações e personagens descartáveis, como a própria trama não hesita em provar, mas com sequências de ação dignas do gênero e uma premissa despretensiosamente bem executada, Army of the Dead: Invasão em Las Vegas é divertido justamente por reconhecer e abraçar seus absurdos. E, às vezes, um filme só precisa ser divertido e nada mais do que isso.