Mariana Nicastro
Plena Idade Média. Um casal de camponeses e suas crianças curiosas. Um lenhador. Uma casinha ao lado de um bosque e uma bruxa que o habita. Parece mais um conto de fadas dos Irmãos Grimm, certo? Bom, na verdade trata-se de A Bruxa, lançado no Brasil em março de 2016. Inventivo, misterioso e incômodo, o filme de terror utiliza da temática das bruxas para compor uma trama bem elaborada e assustadora. Com isso, ele tornou-se capaz de se destacar notoriamente no gênero e ainda ser alvo de discussões e elogios 5 anos após sua estreia.
Escrito e dirigido por Robert Eggers, também conhecido pela sua obra mais recente O Farol (2019), A Bruxa é um filme incomum, que divide opiniões desde sua aparição nos cinemas. Esse fator ocorre devido a escolha de Eggers em fugir de histórias de terror convencionais e optar por uma trama lenta, que intriga com sua estranheza e depende da imersão do telespectador para total aproveitamento. Dessa forma, ela pode decepcionar quem recorre à obra em busca de um terror físico, repleto de sangue e sustos.
Contudo, mesmo que desvie das convenções do gênero que entregam um terror mais óbvio e instantâneo, o cineasta ainda consegue desenvolver excepcionalmente bem uma atmosfera aterrorizante. Assim, o filme flui de forma misteriosa, alimentando aos poucos o medo de quem o assiste. Ele, de fato, sempre sugere muito mais do que expõe, mas elabora crescentes situações bizarras, que se encaminham para um desfecho arrepiante.
Ambientado em uma Nova Inglaterra do século XVII – com direito a cenários e figurinos realistas da época, que contribuem para a imersão na história –, o filme retrata o deslocamento forçado de uma família para um novo lar. Ela é composta por William (Ralph Ineson), Katherine (Kate Dickie) e seus filhos Caleb (Harvey Scrimshaw), Mercy (Ellie Grainger), Jonas (Lucas Dawson), o bebê Samuel e a filha mais velha (e protagonista) Thomasin (Anya Taylor-Joy). Anya, antes mesmo de viver Beth Harmon no sucesso da Netflix O Gambito da Rainha, já brilhava em sua estreia em longas-metragens como A Bruxa.
Após uma breve ambientação e introdução dos personagens e do local onde a história acontecerá, a obra embarca em uma sequência de eventos perturbadores que jamais entregam o que está por vir, tornando inesperado e imprevisível o futuro da trama. The Witch aborda os pavores e crenças da época, na qual a bruxaria era fortemente temida e combatida pela religião cristã e pelas autoridades. Por sua vez, a baixa saturação na fotografia de Jarin Blaschke, os cenários escuros da floresta e da casa, e o isolamento dos personagens constroem com maestria um ambiente inquietante e desconfortável, que se perpetua por todo o longa.
Além desses fatores, há também diversas referências em segundo plano e mensagens subentendidas que permitem interpretações diversas e dão uma identidade única ao filme. Algumas podem passar despercebidas e assim valem uma nova assistida à obra, sob outras perspectivas. Sem entregar demais e sem estragar a experiência de quem ainda não o assistiu: A Bruxa se torna ainda mais rico ao inserir alguns detalhes que remetem a histórias antigas de bruxas, contadas através dos séculos, e outros que aludem à Bíblia e simbologias cristãs.
Quanto às interpretações que surgem diante desse olhar mais aprofundado sobre o filme, cabe citar suas críticas ao comportamento da sociedade baseado em dogmas religiosos e às intolerâncias decorrentes disso. Isso é feito ao representar a repressão de desejos e vontades de alguns membros da família em contraste com a heresia, ousadia e liberdade do paganismo, que ganham destaque no terceiro ato.
Assim, A Bruxa fornece elementos marcantes e rios de pequenos acontecimentos macabros que deságuam em um mar de tensão e medo conforme ele avança. O filme se consagra como uma memorável criação do gênero, fornecendo 93 minutos de inquietação, curiosidade e horror. Logo, torna-se essencial na lista de quem é um admirador do terror e de histórias de bruxas, e merece ser lembrado como um clássico.
Texto maravilhoso!!! Muito bem posicionado pela escritora. Congrats!