Clara Sganzerla
Moby-Dick, ou The Whale, é um famoso romance publicado em 1851 pelo escritor estadunidense Herman Melville, que conta a famosa saga do capitão Ahab atrás da baleia que arrancou sua perna. A semelhança com A Baleia, um dos filmes mais comentados do Oscar 2023, não é apenas no nome. A nova obra do diretor Darren Aronofsky nos leva em uma triste trajetória de um outro protagonista atrás de algo que vai além da forma física: uma redenção para si mesmo.
Na aclamada produção do estúdio A24, somos apresentados a Charlie (Brendan Fraser), um professor universitário que passa seus dias corrigindo redações e suprindo sua falta de perspectiva, afeto e esperança com compulsão alimentar. Em uma jornada acelerada para o seu inevitável fim, acompanhamos o personagem em seus suspiros finais: consumido pela culpa de ter abandonado sua filha para viver um romance, Charlie tira tudo o que resta em si para dar à Ellie (Sadie Sink), uma adolescente submersa na contradição de sentir-se injustiçada pelo abandono paterno e, ainda assim, querer o que lhe foi arrancado tão nova.
Ao dizer tudo de si, é de forma literal. Sobrevivendo com severas consequências de uma condição de obesidade mórbida, o personagem recusa-se a procurar ajuda médica para, no lugar, destinar todas as suas economias ao futuro de sua filha. O que parece ser uma crítica ao sistema de saúde público dos Estados Unidos acaba por ser, na verdade, a solução mais plausível que Charlie encontra – uma conta bancária com mais de 100 mil dólares a fim de colocar um curativo em cima das feridas que ele mesmo causou, mas tentou evitar. Ellie torna-se, então, uma jovem problemática que se esforça para ser apática com toda a sua situação familiar, mas acaba por cair na grosseria e raiva como maquiagem para sua enorme carência.
Enquanto isso, vemos nos olhos de Liz (interpretada brilhantemente por Hong Chau) o desespero palpável de não conseguir salvar seu amigo de sua jornada de autodestruição para vê-lo afundar em uma dor que também é sua: o luto pelo seu irmão Alex, namorado de Charlie. O motivo da morte acende uma importante e dolorosa discussão sobre a aversão de determinadas igrejas ao grupo LGBTQIAP+. Isso porque a recusa do relacionamento homoafetivo entre os dois pela família foi um dos motivos para o suicídio de Alex, que fugiu de um casamento arranjado pelo pai para viver seu verdadeiro amor.
A direção de Aronofsky, como de costume, divide opiniões. Desde a maneira de retratar os episódios de compulsão alimentar até o próprio olhar ao protagonista, entramos em uma linha tênue. Para uns, faltou sensibilidade e respeito ao retratar Charlie. Para outros, não haveria outra forma de tê-lo tornado mais humano do que mostrando tudo aquilo que ele quer esconder. No entanto, talvez essa tenha sido a intenção do diretor: polemizar o suficiente para pensarmos sobre o assunto, para a discussão perdurar além dos cinco minutos após o fim de A Baleia – o que, com certeza, funcionou.
O impacto do longa deu-se muito antes de chegar ao público nos cinemas. Em quase uma década recluso após ser vítima de assédio por Philip Berk, Brendan Fraser voltou às telas recebendo o reconhecimento que merece: teve sua primeira indicação ao Oscar na categoria de Melhor Ator. Além disso, The Whale esteve presente em outras modalidades, como Melhor Maquiagem e Cabelo, pelo trabalho de Adrien Morot, e pela sensível atuação de Hong Chau, na categoria Melhor Atriz Coadjuvante.
E estamos ansiosos: em uma disputa acirrada com Austin Butler, fica a dúvida sobre quem receberá a estatueta de ouro. Após Fraser vencer a categoria de Melhor Ator no Critics Choice Awards e, surpreendentemente, no SAG Awards, tivemos também o intérprete de Elvis Presley sendo destaque no Globo de Ouro, no prêmio BAFTA e no Satellite Award na mesma posição de Brendan – a competição para o Oscar, que estava quase que decidida para Butler, agora, segue indefinida.
De qualquer forma, entre polêmicas e emoções, a incrível performance de todo o elenco torna inesquecível a experiência de A Baleia. Apesar de ser doloroso, longo e sofrido, o que vale a pena na obra é enxergar a bondade nos olhos de Charlie e emocionar-se com o retrato sincero, dentro de todos os nossos defeitos e arrependimentos, sobre tudo aquilo que nos faz humanos.
Ótimo texto!!