Do Not Split: a liberdade de expressão agoniza em Hong Kong

Cena do curta Do Not Split. Ao centro, vemos um grupo de policiais prendendo um manifestante honconguês. O manifestante está sendo segurado por um homem de boné com um mata leão. Pessoas em volta estão gravando a cena utilizando celulares.
Do Not Split está indicado ao Oscar 2021 na categoria Melhor Documentário em Curta-Metragem (Foto: Field of Vision)

Jho Brunhara

Poder e território estão atrelados desde que o primeiro homem cercou um pedaço de terra e chamou de seu. Em meu texto mais recente publicado no Persona, discuti sobre os problemas que o nacionalismo gera. Coincidentemente, Do Not Split (不割席) é mais uma produção que retrata perfeitamente os perigos de nações soberanas e minorias execradas. Nesse documentário em forma de curta-metragem dirigido pelo norueguês Anders Hammer e produzido pela americana Charlotte Cook, acompanhamos os protestos de Hong Kong de 2019 e 2020 contra a tentativa de criação de uma Lei de Extradição entre a ilha e a China continental, que ameaçaria a autonomia e liberdade jurídica honconguesa. 

Eventualmente, as manifestações evoluíram para o lema “cinco demandas, nenhuma a menos”: retirar completamente o projeto da Lei de Extradição; não caracterizar os protestos como motins; retirar acusações contra manifestantes que foram presos; organizar uma comissão independente para investigar abuso de força policial; e a renúncia de Carrie Lam, atual chefe executiva, e a implementação de um sufrágio universal para eleição do Conselho Legislativo e chefe executivo.

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Colectiv é pauta quente

Cena do documentário Colectiv, nela vemos a jovem Tedy, uma mulher branca, de toca preta e rosto com cicatrizes de queimadura, manejando uma prótese manual robótica cinza. Ao fundo, homens vestindo camisetas laranjas estão desfocados.
Depois de 36 submissões, Colectiv é o primeiro filme da Romênia que conseguiu ser indicado ao Oscar (Foto: Alexander Nanau Production)

Vitor Evangelista

Em 30 de outubro de 2015, a boate Colectiv, situada em Bucareste, capital da Romênia, pegou fogo. 27 pessoas perderam a vida durante o concerto da banda Goodbye to Gravity, e mais 180 saíram feridas, queimadas e em situação crítica. O documentário de Alexander Nanau leva o nome da casa de shows, mas vai além do traumático evento, investigando uma crise política de corrupção na rede de saúde do país europeu.

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Dois Estranhos diz “basta”

Foto retangular que mostra um homem de pé. Joey Badass está à esquerda da imagem. Ele é um homem negro de 26 anos, possui cabelos curtos, crespos e pretos, usa uma calça preta, tênis brancos e uma jaqueta amarela. Sua mão esquerda está no bolso na jaqueta e ele posa com o queixo levantado. Joey está na frente de uma parede levemente amarelada onde podemos ver a frase NO JUSTICE pichada em vermelho.
Joey Bada$$ deslanchou na carreira de ator e protagoniza o curta-metragem indicado ao Oscar 2021 (Foto: Netflix)

Caroline Campos

Eric Garner, Breonna Taylor, George Floyd. Diga o nome deles. Quase um ano depois do assassinato de George Floyd, o ex-policial Derek Chauvin foi declarado culpado pelo júri popular. Exceção, claro, já que pouquíssimos agentes da polícia estadunidense são processados por matar alguém durante uma ação de trabalho. A decisão histórica calhou de acontecer alguns dias antes da cerimônia do Oscar 2021, em que Dois Estranhos, curta da Netflix que denuncia a violência sofrida pela população negra, está cotado como o favorito para levar a estatueta para casa.

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The Present: o nacionalismo é uma doença

Cena do filme The Present. No centro da imagem, há uma garotinha branca, de cabelos castanhos, que usa um casaco vermelho. Ela está atrás de uma grade de metal e apoia uma das mãos na grade. Seu semblante é pensativo. Atrás dela, podemos ver do peito para baixo de um homem, que veste casaco azul e calças marrons. Ele está em uma fila.
The Present está concorrendo ao Oscar 2021 na categoria Melhor Curta-Metragem em Live Action (Foto: Philistine Films)

Jho Brunhara

São quatro da manhã. Você, palestino e morador da Cisjordânia, toma seu café, se arruma para o trabalho e começa uma jornada de três a quatro horas para chegar em uma obra de construção civil em Jerusalém, território atualmente controlado por Israel. Os 32km, que poderiam ser percorridos em 1h30, parecem ter o dobro da distância. Em certa parte do caminho, você precisa atravessar a fronteira, e, para isso, enfrentar um dos pontos de checagem de Israel. Nesse checkpoint, palestinos são tratados como se fossem animais. Caminham em túneis cercados por grades, abarrotados em centenas. Alguns escalam como podem, para fugir da multidão sufocante. Outros chegam a ser pisoteados, ou saem com uma costela quebrada

Ao fim do funil, a única passagem é por uma catraca torniquete. Depois, um detector de metal, onde se tira qualquer vestimenta solicitada considerada suspeita. E, então, finalmente, um militar israelense verifica seu documento de identidade e seu visto de trabalho. A permissão para trabalhar em construções só é dada para homens maiores de 23 anos, casados, e que possuam pelo menos um filho. Ocasionalmente, um soldado entediado pode te humilhar antes de autorizar sua entrada no país, por pura ‘graça’. Essa é a realidade enfrentada por 70 mil palestinos, que necessitam dos empregos depois da fronteira para sobreviver, diariamente. Todos os dias. 

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Quo Vadis, Aida? e a impotência perante um genocídio

Cena do filme Quo Vadis, Aida?. Nela vemos Aida, uma mulher branca, de olhos claros e cabelo castanho curto. Ela veste roupa azul claro e um crachá azul escuro. Ela está olhando fixamente para frente. Na sua frente há grades marrons. O fundo é desfocado em tons de azul.
A potente atuação de Jasna Djuricic nos coloca em movimento mesmo assistindo a tela estáticos no candidato da Bósnia ao Oscar 2021 (Foto: Condor Distribution)

Ana Júlia Trevisan

O que seria das premiações sem os filmes de guerra? Em 1971, Patton venceu a categoria de Melhor Filme do Oscar; em 1994 foi vez do genial A Lista de Schindler levar a estatueta, e em 1999 O Resgate do Soldado Ryan garantiu a indicação no prêmio mais importante da noite; já em 2018, dois filmes bateram ponto no tapete vermelho: Dunkirk e O Destino de uma Nação. Em 2020, o Globo de Ouro até tentou emplacar os soldados de 1917, mas não ficou nem com cheiro perto do imbatível Parasita. No atípico 2021, temos escassez nos filmes de confronto armado, mas Quo Vadis, Aida? vem pra cobrir essa lacuna e impactar a quem assiste. 

Baseado em fatos reais, a história se passa em Srebrenica, uma pequena cidade do leste da Bósnia e Herzegovina onde, em 1995, houve um massacre de civis. A produção faz um recorte focado nesse genocídio que ocorreu no município. Não há breve introdução ao assunto, somos colocados no meio da guerra e podemos esperar o pior, com famílias completas se refugiando na base da Organização das Nações Unidas, para escapar da ameaça de morte da Sérvia, que militarizava várias regiões do país.

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O debate importante criado com o filme Better Days

Aviso: esse texto pode conter gatilhos de suicídio e bullying

Cena do filme Better Days. Na imagem vemos os atores da esquerda para direita Jackson Yee, um homem jovem amarelo e Zhou Dongyu, uma mulher jovem amarela. Jackson veste uma blusa amarela xadrex e está com o rosto machucado. Ele possui cabelo preto liso e está preso em um rabo de cavalo. Zhou veste um casaco cinza claro e possui cabelo curto preto liso. Eles estão em cima de uma moto e Zhou apoia a cabeça no ombro de Jackson. O fundo da imagem é uma ponte e há vários pretos desfocados.
Better Days concorre no Oscar 2021 na categoria de Melhor Filme Internacional (Foto: Shooting Picture)

Ana Beatriz Rodrigues

A escola dificilmente é um lugar tranquilo. A pressão e a preocupação são sentimentos que cercam os jovens durante o Ensino Médio. Além disso, o bullying ainda é presente e muitas pessoas ainda sofrem com isso. Better Days (少年的你) retrata esse momento e as consequência desses atos. O longa é uma adaptação de Li Yuan, Wing-sum Lam e Xu Yimeng do livro Young and Beautiful, de Jiu Yuexi, e ainda explora a questão do vestibular chinês e a violência das ruas. Com essa história, a produção de Derek Tsang repreenta Hong Kong no Oscar 2021, junto com o curta documentário Do Not Split, por mais que a premiação tenha sido boicotada na região

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O Homem que Vendeu Sua Pele e a mulher que não negocia sua visão

O Homem que Vendeu Sua Pele (The Man Who Sold His Skin) é a primeira indicação da Tunísia ao Oscar (Foto: Cinétéléfilms)

Raquel Dutra

O nome dele é Sam Ali e o nome dela é Kaouther Ben Hania, e a riqueza metafórica de O Homem que Vendeu Sua Pele (الرجل الذي باع ظهره) é o lugar perfeito para criatura e criador se aproximarem, ao mesmo tempo em que se distanciam completamente. É algo realmente complexo, porque o terceiro longa-metragem da cineasta tunisiana cresce em muitas direções enquanto suscita reflexões críticas sobre cultura, política, sociedade, ética e arte, traz visibilidade para o Cinema do eixo Oriente Médio – Norte da África e faz história no Oscar 2021.

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Existem educadores melhores que o bendito Professor Polvo

Cena do filme Professor Polvo. Nela, vemos a imagem subaquática do polvo do título, de cor avermelhado e preso à uma pedra. Ao fundo, desfocado e fora de cena, vemos os contornos do mergulhador, vestido todo de preto.
Favorito ao Oscar 2021 de Melhor Documentário, Professor Polvo encanta, mas também engana (Foto: Netflix)

Vitor Evangelista

O efeito Netflix alavanca produções, populariza obras e abre espaço para um reconhecimento, tanto de crítica quanto de público, que seria impensável fosse qualquer outro nome envolvido se não a gigante de streaming. Sem trajetória em festivais, Professor Polvo vem arrematando elogios e congratulações desde que foi lançado. O documentário, focado na amistosa relação entre um mergulhador e uma polvo-comum na África do Sul, sensibiliza, mas deixa de lado seu papel de conscientização e respeito, largando às traças a responsabilidade do Cinema.

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Fantaspoa XVII: os filmes e curtas do Festival Fantástico

Arte em amarelo-mostarda. À esquerda, o símbolo do persona está distorcido acima do texto "Os filmes e curtas do fantaspoa XVII". À direita, a arte do festival está numa moldura dourada.
Com arte oficial de Renan Santos, o XVII Fantaspoa foi sucesso de público (Arte: Vitor Tenca)

E foi no meio da loucura da maratona do Oscar 2021 no Persona, que trombamos com o maior festival de cinema fantástico da América Latina. Chegando na sua 17ª edição, o Fantaspoa, Festival de Cinema Fantástico de Porto Alegre, foi realizado entre os dias 9 e 18 de abril, acumulando mais de 160 filmes entre longas e curtas para os amantes do gênero fantástico – que abrange o horror, o thriller, a ficção-científica e a fantasia. Pela segunda vez, o festival foi virtual, em decorrência da interminável pandemia de coronavírus, e gratuito, para que todos pudessem assistir as obras provenientes de mais de 40 países do globo. 

Em um mundo pré-apocalíptico, o Fantaspoa ocorria anualmente na cidade de Porto Alegre desde o ano de 2005. Em 2021, quase completando a maioridade, o festival ofereceu debates com cineastas, discussões sobre a inclusão no audiovisual, exposição a respeito do trabalho de mulheres no mundo do fantástico e até uma festa online. A arte da vez, utilizada para a própria arte desse post, foi criada pelo artista Renan Santos como uma referência aos 17 aninhos do festival, intitulada Reflexo. Já o lettering foi desenvolvido pelo diretor de arte Thalles Mourão, que também usou um aspecto refletido para retomar o gênero do evento.

Através da plataforma Wurlak/Darkflix, assistimos um pouco de tudo: filmes nacionais, internacionais, animados, psicodélicos, bizarros, medonhos e hilários. A curadoria trouxe peças singulares, inclusive a tão esperada disponibilização da obra Entrei em Pânico ao Saber o que Vocês Fizeram na Sexta-Feira 13 do Verão Passado, a quase folclórica produção de Felipe M. Guerra que, no seu aniversário de 20 anos, ganhou uma reedição só para o festival. Entre os premiados, O Cemitério das Almas Perdidas recebeu do júri a consagração de Melhor Diretor para Rodrigo Aragão dentro da Competição Ibero-Americana e História do Oculto levou Melhor Filme e Melhor Roteiro. 

A cobertura foi singela – cerca de ¼ do Fantaspoa está registrada abaixo pelas palavras de Caroline Campos, Vitor Evangelista e Vitor Tenca. O material disponível sobre as produções é escasso, então angariar informações se tornou uma parte extra da cobertura na hora da realização dos textos. O resultado, no entanto, foi divertido e satisfatório, especialmente pela oportunidade de se deparar com tantas obras únicas, sejam elas maçantes ou extraordinárias. Abaixo, você confere um pouquinho da grandiosidade criativa da 17ª edição do Festival de Cinema Fantástico de Porto Alegre.

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Meu Pai é um retrato fiel sobre velhice, perda de memória e cuidado

[Foto retangular de divulgação do filme Meu Pai. À esquerda temos Olivia Colman. Uma mulher branca, de cabelo curto, na altura da orelha e preto. Seus olhos são castanhos e ela veste uma blusa azul escuro. À direita temos Anthony Hopkins, um homem branco, de 83 anos, seu cabelo é branco e seus olhos azuis. Ele veste paletó preto e camisa xadrez de azul e branco. Na parte central lê-se em branco THE FATHER. O fundo é uma janela com cortinas abertas e ao lado direito um quadro. Todos com tons de azul.]
Adaptado do teatro, dirigido pelo estreante Florian Zeller e com a melhor atuação de Anthony Hopkins, Meu Pai concorre a 6 categorias no Oscar 2021 (Foto: Sony Classics)
Ana Júlia Trevisan

A perda de memória a curto prazo, problemas cognitivos, esquecimento do local onde guardou objetos de valor, repetição da mesma frase ou pergunta, esquecer o nome de parentes, esses são alguns dos sintomas característicos das fases iniciais do mal de Alzheimer, doença que foi respeitosamente retratada em Meu Pai (The Father). Adaptação da premiada peça de teatro O Pai, o filme tem a direção brilhante de seu dramaturgo Florian Zeller, considerado pelo The Times: “o mais emocionante do nosso tempo.”

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