Davi Marcelgo
Ciclope, Jean Grey, Tempestade, Wolverine… a principal equipe da Marvel Comics, os X-Men, estreou seu primeiro projeto dentro da Marvel Studios no começo de 2024, quebrando recordes e conquistando a indicação ao Emmy de 2024 na categoria Melhor Programa de Animação. Escrita pelo showrunner Beau De Mayo, a série X-Men ’97 é a mutação do gene do estúdio que, por muito tempo, esqueceu a singularidade de seus personagens. A animação é recheada de cenas de ação incríveis, mas não deixa de fora os dramas, romances e ‘picuinhas’ do dia a dia dos mutantes.
Apesar de todos os desfalques da trilogia do Homem-Aranha encabeçada por Jon Watts, o cotidiano e personagens do núcleo pessoal de Peter Parker (Tom Holland) são parte fundamental do escopo da história. Isto é, em Homem-Aranha: De Volta ao Lar (2017), a amizade com Ned (Jacob Batalon), o romance com Liz Allen ( Laura Harrier) e a relação com sua Tia, May Parker (Marisa Tomei). Tal contexto polarizou com a importância esmagadora da história das joias do infinito sobre a pequena relevância da vida das personagens do UCM (Universo Cinematográfico Marvel).
O triângulo amoroso de Vampira (Lenore Zann), Gambit (A. J. Locascio) e Magneto ( Matthew Waterson), assim como os dramas de Scott (Ray Chase) e Jean Grey (Jennifer Hale) são tão importantes para a trama de X-Men ’97 quanto o plano genocida de Bastion (Theo James). A trama principal só tem o fervor dramático das mortes ocorridas no episódio, Lembre-se Disso, ou até da frase “A mim, meus X-Men”, proferida no primeiro capítulo, pela existência de um triângulo equilátero: conhecimento prévio, aproximação e direção.
A animação tem o privilégio de estar, de certa forma, escorada na popularidade dos mutantes já estabelecida há anos, seja por quadrinhos, duas décadas de filmes e pela prequel de 1992. Então, quando o espectador, mesmo aquele não tão ferrenho ao universo ficcional, vê o Magneto assumir a liderança da equipe, ele sente a intensidade do fato. A trama tira proveito da situação, é ágil e não dedica tempo a apresentar personagens, conceitos e acontecimentos com tanta veemência, as passagens ocorrem com sutilezas, feitas em diálogos.
Entretanto, isto não quer dizer que X-Men ’97 só triunfa pela consolidação de seu nome. Pelo contrário, a força dos acontecimentos se faz porque o roteiro cria reviravoltas em pontos chaves, a Música incorpora a cena e as lutas combinam os poderes de cada membro em um combo só (é o mais irado que se pode fazer com uma equipe de seres poderosos). O grau de importância ao atentado na mansão Xavier, ou mesmo à alegoria sobre intolerância com etnias, deficiências, LGBTQIAP+ e outras minorias são elevadas, justamente, pelo enredo aproximar os protagonistas de quem assiste.
Com o drama de Jubileu (Holly Chou) em querer comemorar o aniversário de 18 anos até as linhas de diálogo com Roberto da Costa (Guilherme Agustini), o Mancha Solar, sobre não querer admitir que é um mutante, porque ele mesmo odeia ser um, o público se envolve com a narrativa para além de uma boa cena de pirotecnia ou magnetismo. A mutação do gene se faz ainda mais presente aqui, quando o seriado evita fazer conexões com outras obras ou criar expectativa para um futuro, para um próximo filme ou temporada, como é de costume na Marvel.
Com dez episódios e disponível no Disney+, não é necessário assistir a série antiga para compreender a produção, cujo criador, Beau DeMayo, foi demitido após, em declaração oficial da Marvel, “violar contrato e ter comportamento inadequado”. Ele escreveu a segunda temporada, mas não estará envolvido com a produção. O primeiro ano de X-Men ’97 foi indicado ao Emmy 2024, competindo com Samurai de Olhos Azuis (Netflix), Bob’s Burgers e Os Simpsons, ambos da Fox, e o Planeta dos Abutres (Max). Porém, perdeu a estatueta.
X-Men ’97 aprimora o DNA da Marvel Studios, que precisa apresentar personagens desconhecidos ao público convencional e evita aprofundar-se em dinâmicas familiares e casuais. A animação tem cores berrantes e imita a estética de Televisão da década de 1990, com ruídos na imagem, cores salteadas e muita fluidez. Se o segundo ano será estonteante sem seu criador não dá para saber, mas seja como for, a nós, meus X-Men.