Jho Brunhara
“Você achou que os vampiros de Crepúsculo eram diferentões? Espere até conhecer as figuras de O Que Fazemos nas Sombras. As trapalhadas dessa turma vão fazer você rir até o sol nascer!” Essa poderia ser a chamada de What We Do in the Shadows se fosse um filme da sessão da tarde, e acredite, existem momentos dignos do lendário programa da Rede Globo. Aliás, a série da FX é na verdade um spin-off do longa de mesmo nome, lançado em 2014. O filme, criado, escrito, dirigido e atuado por Jemaine Clement e Taika Waititi é tão genial quanto seu desmembramento para TV.
No filme, o falso-documentário acompanha a vida de Viago, Vladislav, Deacon e Petyr, quatro vampiros que moram juntos em uma casa na cidade de Wellington, Nova Zelândia. Já na série, Jemaine e Taika abandonaram o elenco para focar apenas na produção executiva, roteiro e direção. A brilhante dupla agora escreve sobre as histórias de quatro criaturas que moram em Staten Island, Nova Iorque. Apesar das novas caras, as personalidades não perdem para os residentes da Oceania, e os dramas e trapalhadas são tão divertidos quanto dos camaradas neozelandeses.
Nandor, o Implacável (Kayvan Novak) é o vampiro mais velho do grupo. Com 758 anos de experiência e auto-proclamado o líder do bando, é ele quem mais interage com seu familiar, Guillermo (Harvey Guillén). Familiars são como serviçais na série, humanos que fizeram um trato com algum vampiro para servi-lo por um período de tempo até que sejam também transformados, e assim recebam a graça da vida eterna.
O grupo também é formado pelo casal Nadja (Natasia Demetriou) e Laszlo Cravensworth (Matt Berry). Nadja tem por volta de 600 anos de idade, e foi ela quem transformou Laszlo em seu amante eterno (literalmente), cerca de 300 anos atrás. Para fechar o time, vampiro de energia Colin Robinson (Mark Proksch) é um ponto fora da curva na mitologia vampiresca do audiovisual. Colin, diferentemente de seus colegas de casa, não se alimenta de sangue, e sim da energia de humanos e até mesmo de outros vampiros, por conversas fiadas.
A segunda temporada, que acabou em junho desse ano, recebeu oito indicações ao Emmy Awards 2020, sendo quatro dessas na premiação principal. Como uma das fortes concorrentes para a categoria de Melhor Série de Comédia e três episódios indicados em Melhor Roteiro em Série de Comédia, a genialidade da trama faz jus às nomeações
What We Do in the Shadows sabe ser boba quando necessário e tirar aquele riso gratuito do público, como o escorregão de uma personagem. Mas também sabe ser extremamente inteligente, com piadas sutis sobre o racismo nos Estados Unidos e autorreferências ao tema vampiresco. Aliás, em um ano que estamos debatendo tanto a importância da presença de atores não-brancos na TV e no cinema, Shadows mostra que de vampiros pálidos o audiovisual já está cheio.
Kayvan, que interpreta Nandor, é descendente de iranianos. Natasia, que dá vida à Nadja, tem pai cíprio. E Harvey é hispânico, tema recorrente a sua personagem, Guillermo. Taika Waititi, produtor da série, é descendente de maoris e já deu a palavra em um discurso: “o grande sonho é ir tirando aos poucos os papéis de pessoas brancas”. Sarcasmo a parte, sabemos muito bem que esse é um cenário quase impossível para Hollywood.
A mente fantástica de Taika garantiu à ele um Oscar de Melhor Roteiro Adaptado por Jojo Rabbit em 2020, e assegura para What We Do in the Shadows o posto de uma das melhores comédias para se assistir atualmente. O segundo ano da série continua brincando com o humor absurdo, ao inserir nossas queridas criaturas amadas em situações mundanas. Após o gancho da primeira temporada, quando Guillermo se descobre descendente de Abraham Van Helsing, o famosíssimo caçador de vampiros e arqui-inimigo do Conde Drácula, os novos episódios continuam o dilema de seguir seu destino ou proteger seus amigos.
Enquanto não toma a decisão, Gizmo permanece sendo uma das melhores personagens, sempre colocando ou livrando o grupo de enrascadas. Maltratado por Nandor, porém igualmente amado, o familiar acaba cuidando também de Laszlo e Nadja. Nandor também é apaixonante. Apesar de seus ataques de pelanca e seu tamanho, o ex-líder do reino de Al-Quolanudar deixa escapar sua vulnerabilidade e fofura quando abaixa a guarda.
Nadja e Laszlo continuam sendo o melhor casal de vampiros da TV. O par não perde a oportunidade de soltar uma piadinha sexual, e mesmo com seus leves conflitos, a química dos dois é tão boa que até esquecemos que são apenas atores. Aliás, essa é uma constante em What We Do in the Shadows: é fácil esquecer, ainda mais nesse modelo de mockumentary e encaradas de câmera, que aquelas personagens cativantes não existem na vida real. Bom, pensando bem, até que é um alívio que não existam, né?
O quinto elemento é ele: Colin Robinson. Você talvez conheça esse rosto se já assistiu The Office, e talvez também conheça um Colin Robinson da vida real. No segundo ano da série, o vampiro que enfraquece suas vítimas de chatice ainda é um dos adendos mais legais de WWDITS. Seu monólogo sobre trollagem online não poderia ser mais cirúrgico, e por mais que seu objetivo na série seja entediar suas comidas, é um dos que mais diverte o espectador.
Mark Proksch não foi o único rostinho conhecido nessa temporada. Craig Robinson (Darryl em The Office, Doug Judy em Brooklyn Nine-Nine) brilhou como sempre, ao lado da maravilhosa Abigail Savage (Gina Murphy em Orange Is The New Black). Quem voltou da primeira temporada também foi Simon, interpretado pelo incrível Nick Kroll (Big Mouth), em mais peripécias com o chapéu amaldiçoado de Laszlo. E claro, também tivemos o lendário Mark Hamill (Star Wars), fã declarado do universo de Shadows.
A segunda temporada de What We Do in the Shadows também explorou mais a mitologia da série, com novas criaturas: zumbis, fantasmas e bruxas. Um dos pontos altíssimos desse ano (pois aqui só temos pontos altos) foi o episódio Ghosts, quando Nadja usa seus poderes para invocar os espíritos dos três sugadores de sangue da casa, para descobrir seus assuntos mal resolvidos. Aliás, esse é um dos roteiros que foram indicados ao Emmy, junto aos episódios Collaboration, a briga entre Guillermo e Nandor, e On The Run, a fuga de Laszlo.
Apesar de empilhar cadáveres em todos os capítulos, esguichar sangue à torto e direito, e tratar de criaturas da escuridão, WWDITS é uma comédia divertida e leve para se assistir até mesmo antes de dormir. E se podemos encontrar tamanho alívio e conforto nas entidades do sobrenatural, como também mostra a encantadora Ghosts (BBC), a realidade já é suficientemente assustadora.
O gancho final do segundo ano de What We Do in the Shadows é uma mensagem clara de como se faz televisão: de nada adianta uma série eterna que não faz seus sacrifícios. Não sabemos onde todo aquele sangue derramado irá nos levar, mas com certeza vamos rir no caminho. E o que vamos fazer nas sombras? Essa é fácil, ligar alguma tela e assistir à terceira temporada.