Costanza Guerriero
Há cinco anos, The Marvelous Mrs. Maisel nos conta como é ser uma mulher comediante nos anos sessenta. Não apenas uma mulher, mas uma mulher divorciada que decide trabalhar. Não apenas trabalhar, mas trabalhar com comédia. O fim da série confirma que a produção sempre tentou trazer uma mensagem para além do que é conviver com o machismo, sendo sobre a possibilidade de quebrar as regras que a sociedade nos impõe – não porque se deve, mas porque se deseja. A produção conta uma história sobre ter coragem de fazer o que deve ser feito, para chegar nos lugares que se deseja, mesmo carregando um enorme fardo: ser uma mulher ambiciosa. Vencedora de vinte Emmys, este ano a produção chegou mais uma vez na premiação concorrendo a quatorze prêmios, incluindo Melhor Série de Comédia, e tornando-se uma das preferidas pelo seu brilhante desfecho.
A quinta e última temporada é agridoce e tem seu início com a protagonista à beira da morte. Após enfrentar duras verdades ditas por Lenny Bruce (Luke Kirby) e uma nevasca que a leva a hipotermia, a jornada final de Miriam Maisel (Rachel Brosnahan), é, na verdade, aquela que determina o ponto de virada de sua carreira no stand up. Sem mais se esconder na casa de shows de strip-tease, a comediante trata de voltar a perseguir seu sonho, para dar aos fãs seu merecido final. Ao longo dos nove episódios, a produção da Amazon descarta clichês e se reinventa na maneira de conduzir a narrativa, que, apesar de possuir uma atmosfera bem diferente das anteriores, jamais perde seu charme característico.
A temporada trabalha com longos monólogos, e claro, diálogos rápidos e inteligentes, peculiaridades dos roteiros de Amy Sherman-Palladino e seu marido, Daniel Palladino. Diferentemente da conclusão que deu para as Gilmore Girls, em Gilmore Girls: Um Ano para Recordar, que além de desagradar o público deixou muitas pontas soltas, a roteirista escreve Mrs. Maisel com mais cautela, e procura amarrar o maior número de tramas possíveis. Para que todas as histórias fossem contadas a tempo, foi utilizado o recurso de salto temporal, permitindo que o público vislumbrasse, já logo no primeiro capítulo, o futuro renomado reservado à Midge Maisel. Sherman-Palladino faz questão de construir uma protagonista imperfeita e relacionável, que vive o drama da mulher que prioriza sua carreira acima dos seus relacionamentos familiares, mostrando ao público as consequências, tanto negativas quanto positivas, da escolha de tomar as rédeas da própria vida.
É claro que diálogos tão complexos e ágeis não bastam apenas serem bem escritos, mas bem interpretados, coisa que Brosnahan continua fazendo sublimemente, rendendo sua quinta indicação ao Emmy de Melhor Atriz em Série de Comédia. A evolução de Maisel é acompanhada pelo crescimento de outros personagens. Da conturbada relação de sua agente, Susie Myerson (Alex Borstein) com a máfia e seus novos clientes até as epifanias dos pais de Maisel, os relacionamentos vão se intensificando ao longo de uma temporada que dá bastante espaço para cada ator brilhar.
Um dos personagens que mais se desenvolve ao longo da série é o pai de Maisel, Abe Wiseman, interpretado pelo carismático Tony Shalhoub (Monk: Um Detetive Diferente). Sua trajetória passa do patriarca da família judaica do Upper West Side, para o jornalista de esquerda, que compreende as injustiças da vida. Shalhoub entrega um dos monólogos mais marcantes da temporada, no episódio A princesa e o pedido, no qual entende como uma paternidade machista o impediu de reconhecer, durante tanto tempo, o talento e as conquistas de sua filha. Infelizmente, dessa vez, o ator não conseguiu o que seria sua quinta indicação ao Emmy de Melhor Ator Coadjuvante em Série de Comédia, uma arbitrariedade da Academia, já que apenas o monólogo do episódio oito em si já deveria render uma menção.
Além da forte presença do pai, é revelado que muitos homens ainda fariam parte da vida de Maisel. Por meio dos flashforwards, vemos que a vida futura de fama e sucesso da personagem também seria acompanhada por cinco divórcios e muitos namorados. Nesse quesito, a série gosta de enganar o espectador, flertando sempre com a ideia de algum possível romance em sua vida. Um relacionamento que já tinha passado do prazo de validade, mas que os roteiristas continuaram a insistir, foi o da protagonista com Joel (Michael Zegen), o ex-marido, além da constante expectativa de que algo poderia surgir entre ela e o seu chefe, Gordon Ford (Reid Scott). Essa insistência servia apenas para confundir quem assistia, passando essa falsa sensação de que o desfecho final de Maisel também deveria resolver seus relacionamentos amorosos, quando na realidade a história nunca foi sobre isso.
Dentre os casos amorosos que tentaram forçar a Maisel, um que de fato ganhou espaço no coração do telespectador foi o slowburn com Lenny Bruce (Luke Kirby). O que encantou o público com essa dinâmica é a maneira como ele sempre reconheceu que a carreira de ambos era mais importante do que qualquer eventual relacionamento que poderia florescer entre eles. O personagem de Lenny serviu sempre como uma bússola para protagonista, o talento dele a impulsionava, enquanto a sua comédia o inspirava. Com toda certeza, as poucas cenas dedicadas aos dois deixaram todos com um gostinho de quero mais, contudo, é de se admirar como uma personagem com tão pouco tempo de tela, como foi com ele na última temporada, conseguiu deixar sua presença marcada por todos os episódios. Isso é dado ao inegável magnetismo de Kirby, indicado mais uma vez ao Emmy de Melhor Ator Coadjuvante em Série de Comédia.
O tamanho da falta de importância dada à necessidade de Maisel ter o seu ‘felizes para sempre’ com um marido foi equivalente à importância atribuída à amizade entre ela e Susie. Os altos e baixos dessa relação são mais bem explorados no episódio zombenagem, inteiramente dedicado a aprofundar como seria essa amizade no futuro, e não à toa, a última cena de toda a série é reservada a apenas elas duas. A combinação explosiva de Brosnahan e Alex Borstein consegue tanto nos arrancar lágrimas quanto gargalhadas histéricas, e são juntas o núcleo da narrativa, nas suas potencialidades femininas, cada uma à sua maneira, e ‘peitos empinados’. No Emmy 2023, Borstein recebeu sua quinta indicação a Melhor Atriz Coadjuvante em Série de Comédia, fato importante para o ano no qual finalmente recebemos a confirmação de que Susie é, de fato, uma personagem queer.
Dessa forma, a maioria das trajetórias são bem finalizadas. O enredo de Rose Weisman (Marin Hinkle), mãe de Maisel, já estava encaminhado nas temporadas anteriores, nas quais a personagem teve maior desenvolvimento. Com certa inspiração na filha, perseguiu seus sonhos e conquistou uma carreira que desejava no ramo das casamenteiras. O núcleo que ainda teve bastante tempo em tela foi o de Moishe (Kevin Pollak) e Shirley Maisel (Caroline Aaron), ex-sogros da protagonista, que alegram a série com suas trapalhadas na loja de tecidos e vivências matrimoniais. Contudo, enquanto tantos arcos foram tão bem pensados, outras participações não foram nem ao menos desenvolvidas, como a conclusão da comediante Sophie Lennon (Jane Lynch) e a breve e esquecida participação do personagem interpretado por Milo Ventimiglia (This is Us).
Como é perceptível, The Marvelous Mrs. Maisel coleciona indicações ao Emmy 2023 e arrebata a todos com qualidade de roteiro, atuações, design de produção, e claro, figurino. Este último ponto, assinado por Donna Zakowski, sempre foi muito potente na série, e a evolução de Maisel é espelhada nas suas vestimentas. Na temporada final, ela já abandonou há muito tempo os robes e bobs na cabeça para agradar o marido. A relação que Maisel tem com a moda sempre foi bem explícita, mostrando como seus vestidos rodados e conjuntos vibrantes são elementos fundamentais para que a comediante consiga se expressar e se sentir confiante. No episódio final são dedicados bons minutos a respeito do vestido perfeito, que ela planeja usar nos seus grandes quatro minutos no show televisivo de Gordon Ford.
Four Minutes é o último dos nove episódios e o mais bem construído de todas as temporadas – e quem sabe de toda a produção. Após tentar e tentar, Maisel finalmente consegue sua tão aguardada aparição no programa de TV que trabalha. A atmosfera do palco do The Gordon Ford Show é palpável dos sofás de nossas salas. Vemos a mesma tensão entre Maisel e o microfone que existiu no primeiro capítulo da série, quando ela fez seu primeiro show no speak easy. Cada segundo arrepia na expectativa de assistir ao último ato de stand up de Midge Maisel. Em meio às piadas inteligentes e afiadas, o monólogo fala daquilo que guiou toda narrativa da protagonista: a independência. A comediante discorre, ali nos seus quatro minutos, sobre o que isso significa para ela, para sua filha e para todas as mulheres daquele auditório.
The Marvelous Mrs. Maisel se encerra deixando um grande legado para as produções da Amazon, não apenas pela sua presença marcada em todas as edições do Emmy desde 2018, mas pela bela mensagem que nos deixa. “Ser covarde só e fofo no Mágico de Oz”. Enquanto a sociedade, não a dos anos sessenta, mas a atual, impõe todo tipo de regras para dominar as mulheres, cabe a nós termos a ambição como estrela guia de nossas escolhas, sejam elas quais forem. A série também deixa uma difícil tarefa para suas sucessoras, ao tentarem equiparar com a qualidade da produção, em todos os aspectos. Mesmo que a última temporada não tenha sido a mais memorável, o último “thank you and good night” de Mrs. Maisel perdurará por muito tempo.
Senhoras e senhores, fazendo sua primeira, mas não última, aparição, eu apresento a magnífica, a mágica, a maravilhosa Sra. Maisel