Mariana Nicastro
HUZZAH! A Rússia é de Catherine na segunda temporada de The Great (ou A Grande, em seu título original). Proveniente do Hulu e disponibilizada no Brasil pelo Starzplay, a série chegou de mansinho, sem muito alarde. Porém, basta uma olhadinha na premissa instigante da ascensão do poder feminino na monarquia russa do século dezoito somada a um tom satírico, divertido e muito atual para conquistar o público com um equilíbrio incrível entre Comédia e Drama, e atuações dignas de um Emmy.
Escrita, na maioria dos episódios, pelo também showrunner Tony McNamara, roteirista do futuro Cruella 2, The Great foi lançada em Maio de 2020 e explora a história – bastante representada no Cinema e na Televisão – da monarquia de Catarina II da Rússia. Na primeira temporada, Catherine (Elle Fanning), ou Catarina Segunda, nos livros de história brasileiros, foi apresentada a Peter (Nicholas Hoult), ou Pedro Terceiro, aquele que ela acreditava ser seu príncipe encantado. Vinda da Prússia, mal sabia ela que, ao pisar em solo russo, seu grande amor seria seu reino, sua corte, seu povo e o que viria a ser o seu império.
Mas não se engane! The Great não é uma série histórica e política com compromissos com a realidade, fidedigna aos fatos e personagens como a famosa The Crown. Recheada de sarcasmo, humor sórdido, palavrões e noções bem contemporâneas, e uma brutalidade que deixaria The Boys orgulhosa, a produção brinca com a temática e cria uma atmosfera bastante surreal, cheia de exageros e personagens caricatos pela corte, como o próprio Peter.
Afinal, a situação é tão absurda quanto se propõe: Catherine chega em território russo tão encantada e apaixonada como uma princesa encontrando seu príncipe. Porém, tamanha é sua decepção ao descobrir que o então Imperador, seu mais novo esposo, é um boy lixo, com a mentalidade de uma criança de dez anos e a violência de um líder cruel de um exército impiedoso. Além dele, toda a corte é formada por indivíduos que festejam todos os dias e se limitam a preocupações fúteis. Todos são brutais, práticos, alienados e mal educados, e a futura Imperatriz se vê desolada.
Entretanto, como uma boa sonhadora interminável, a protagonista se recompõe e se remodela diante dos desafios. Não demora muito para ela perceber que seu destino nunca foi se casar com Peter, e sim tomar seu trono e comandar a Rússia. Sua criada Marial (Phoebe Fox), o conselheiro Orlo (Sacha Dhawan) e o general do exército russo Velementov (Douglas Hodge), então, unem-se a Catherine em um plano de assassinar o incompetente Imperador e colocá-la no poder. Junto deles, ela conta com o apoio de seu amante Leo (Sebastian de Souza, diretamente de Skins).
Durante a primeira temporada, a estratégia da monarca sofre com altos e baixos, tudo dá certo e, no fim, dá errado. Enquanto ela cresce pessoalmente e representa uma determinação incansável, unida a suas brilhantes e inovadoras ideias, precisa lidar com os contra-ataques do seu mais novo arqui-inimigo, Peter, e seus apoiadores (a grande maioria do reino). No fim das contas, Catherine toma seu reinado, mas se descobre grávida de seu rival, perde Leo para a morte – em uma decisão política –, é traída pela amiga Marial e sofre com as densas consequências de um povo abalado e descontente.
A segunda temporada então se inicia com uma guerra travada entre Peter e Catherine. A última, impassível, aprende da forma mais dura que precisa ser feroz se quiser ter a admiração do povo e o controle do marido derrubado. Ele, por sua vez, demonstra uma compaixão cada vez maior pela esposa ao observar seu destemor e inteligência, agora feito de prisioneiro por ela, em seu próprio castelo.
O pé de guerra inicialmente travado entre os dois se dissolve por parte do Príncipe, conforme ele abre mão de qualquer tentativa pelo trono a favor da esposa e seu futuro filho Paul. É estranho e cômico a forma como um personagem tão odiado como ele começa a perder a compostura diante de sua Rainha e cai nas graças do público, tamanho o carisma de Nicholas Hoult. Com o passar do tempo, então, o ódio dá lugar a uma complexa amizade com benefícios. Catherine se vê dividida em detestar o marido e reconhecer mudanças progressivas em seus comportamentos e sua personalidade, enquanto aprecia sua companhia.
A linha tênue entre amar e odiar Peter é uma constante – para o telespectador, para a própria protagonista e para os amigos do ex-Imperador na Corte. Todos ora se chocam com seus atos hediondos, ora se divertem com sua maluquice e presunção. E cada vez mais há uma subversão de papéis conforme os episódios da série avançam, as conquistas da Imperatriz ficam mais evidentes e Peter melhora como pessoa, enquanto se apaixona por ela e se contenta em ser apenas o pai do futuro bebê.
Em contrapartida à comédia, os dramas vivenciados por Catherine são críveis, enfrentados com muita emoção, e criam um laço e conexão do público a ela desde a sua primeira aparição. Agora, o trono é seu e a Imperatriz precisa aprender a ser uma figura política, a lidar com a gravidez cujo pai ela destronou e a dançar conforme a música, em uma corte que tem vontades distintas daquelas que ela considera ideais.
Assim, a força de Elle Fanning transborda das telas. A atriz equilibra com maestria a delicadeza e paixão de Catherine com sua imponência e orgulho. Ela não abre mão do trono tomado e luta por ele com unhas e dentes, mesmo que tenha que fazer escolhas difíceis no caminho. Quanto a isso, a czarina sente, ao longo da temporada, o luto pela perda de seu amado Leo e desafia os próprios sentimentos ao precisar manter-se emocionalmente firme para lidar com uma Rússia instável, louca e em guerra.
Conhecida por papéis como Mary Shelley (Mary Shelley, 2017), a princesa Aurora (Malévola, 2014) ou a doce Alice, em Super 8 (2011), Mary Elle Fanning coleciona obras incríveis em seu currículo, provando ser uma atriz maleável e uma das mais talentosas de uma nova geração de Hollywood. The Great surgiu para comprovar que o protagonismo lhe cai perfeitamente, com uma personagem que exige uma carga dramática intensa, exalando determinação e coragem, mas que também se encaixa perfeitamente nos arcos cômicos e excêntricos da produção.
Já seu parceiro de cena, Nicholas Hoult, é um show à parte com o caótico e complexo Peter. O eterno Tony de Skins (2007) e Tolkien, no longa de mesmo nome de 2019, aqui interpreta o mimado Príncipe que cresceu exposto à violência desde a infância, rejeitado pelos pais e sempre submetido aos deveres e expectativas do reinado. Juntos, os dois criaram uma dupla dinâmica em tela com uma química impecável.
Personagens excelentes não faltam em A Grande. Além dos amigos e braços-direitos da Imperatriz já mencionados, Marial, Orlo e Velementov, há Elizabeth (Belinda Bromilow), tia de Peter, mas uma grande aliada de Catherine, o enigmático e interesseiro Archie (Adam Godley), arcebispo da corte, e os melhores amigos de Peter, Grigor (Gwilym Lee) e Georgina (Charity Wakefield), que temem por suas vidas privilegiadas.
Marial é uma coadjuvante de peso na história, com tanta coragem quanto Catherine. Nesta temporada, ela retorna à nobreza, com seus benefícios e sua alta posição ao lado da Imperatriz. Entretanto, viver como serva no palácio lhe rendeu maior consciência, responsabilidade e empatia. Georgina também tem um novo arco e cresce ao demonstrar sua inteligência e estratégia, prometendo trazer problemas para o reinado no futuro.
Protagonizado pelas figuras femininas, o roteiro de McNamara, Tami Sagher, Fiona Seres e Gretel Vella também abre ainda mais espaço para Tia Elizabeth, seus dramas e descobertas intensas sobre a perda de seu filho no passado. Ela tem ferrenhas discussões com Joanna (Gillian Anderson), a mãe de Catherine, que surge no meio da temporada para gerar discórdia e abalar ainda mais o psicológico da Rainha ao sentir que precisa mascarar seus problemas para a exigente progenitora.
A série acerta no tom exagerado e se leva pouquíssimo a sério diante do caos que é a corte de Catherine. Há referências extremamente divertidas, como ao surgimento do drink Moscow Mule e de montanhas-russas. E, é claro, The Great tem um olhar de século vinte e um, com uma protagonista muito à frente de seu tempo, progressista, que luta pelos direitos femininos e preza pelo bem de todos no reino, com grandes mudanças e incentivo a educação e liberdade de expressão. Até mesmo Voltaire retorna à trama com participações pontuais.
Quanto a detalhes técnicos, os episódios são longos e têm mais de quarenta minutos; contudo, os acontecimentos se desenrolam de forma rápida e objetiva. O tempo passa depressa na série e rixas políticas que se resolveriam normalmente em décadas, se solucionam felizmente em poucas horas. Já a ambientação se resume majoritariamente ao castelo e seus grandes aposentos, luxuosos e cobertos de ouro, ainda que tenham cenas no campo, na praia e na floresta. Os cenários e o visual são atrativos, com cômodos exuberantes do palácio e seu entorno, assim como seus belos e marcantes figurinos de época.
Com tantas qualidades e destaques, principalmente no quesito atuações, era de se esperar The Great sendo reconhecida em premiações. Fanning foi indicada merecidamente ao Emmy 2022 na categoria Melhor Atriz em Série de Comédia, enquanto Hoult foi nomeado à categoria de Melhor Ator em Série de Comédia. Diante da dedicação impecável e desempenho absurdo de ambos os artistas, o troféu é mais do que justo.
A protagonista concorre com as talentosíssimas atrizes Rachel Brosnahan (The Marvelous Mrs. Maisel), Quinta Brunson (Abbott Elementary), Kaley Cuoco (The Flight Attendant), Issa Rae (Insecure) e Jean Smart (Hacks). Já o intérprete do ex-Imperador disputa com nomes de peso como os comediantes Jason Sudeikis, com a nomeadíssima – e também prevista para levar Melhor Série de Comédia –, Ted Lasso, Donald Glover (Atlanta) e Bill Hader (Barry), e os queridíssimos Martin Short e Steve Martin, de Only Murders in The Building.
O fato é que não faltam atores e atrizes indicados que deem vida a seus personagens com mais do que veracidade e paixão, a exemplo de Hacks, do HBO Max, com a contemplada Jean Smart, ou de Ted Lasso, da Apple TV, que ganhou o público e a crítica. Porém, The Great não fica para trás nesse quesito, tratando-se de um dos maiores – senão o maior – papel de Fanning até agora, dando-lhe grandes chances de coroar a Imperatriz, desta vez pelo prestígio de sua intérprete.
O brilhantismo da obra do Hulu se estende a todos os aspectos e, felizmente, a mais uma temporada, confirmada em Janeiro deste ano. Sua abordagem cômica dá uma leveza ao gênero, como acontece em Bridgerton (2020). Mas aqui, a luta pelo poder feminino e o anseio da monarca revolucionária em ver seu país brilhar gera discussões mais políticas e dramáticas. Uma série cuja história se inspira no século dezoito nunca foi tão atual, com desafios tão contemporâneos para uma mulher na política, um espaço que continua majoritariamente dominado por homens. O universo ainda carece da elegância, estratégia, inteligência e paixão que apenas governos de Catarinas são capazes de proporcionar ao mundo.