Ana Júlia Trevisan e Laís David
Por vezes amada, e em outros momentos odiada, a Nova MPB é um inegável acontecimento no cenário musical nacional. Diariamente surgem artistas novos, trazendo sonoridade contemporânea nas infinitas possibilidades que existem dentro do gênero. O que ninguém poderia imaginar era que uma mera estudante de Ciências Políticas iria se tornar uma das referências do pop independente brasileiro. Em 2018, ela assumiu o nome artístico de DUDA BEAT e lançou seu aclamado álbum de estreia, Sinto Muito. Após três anos de espera, ela se aventura novamente entre fusões rítmicas e composições românticas com seu segundo disco, Te Amo Lá Fora.
Foi limpando pisos e pintando paredes que a artista custeou, com muito sufoco, seu álbum de estreia. Com o sucesso do debut, ela não precisou dos antigos bicos para garantir a elaboração de Te Amo Lá Fora, mas continuou com o selo independente. Lux Ferreira, grande amigo de DUDA, e , seu namorado, são as geniais mentes por trás da produção do disco. Conhecidos como Lux & Tróia, a dupla de produtores conseguiu evoluir drasticamente desde Sinto Muito.
Os preparativos para o que seria o segundo trabalho de DUDA BEAT começaram com a mais pura delicadeza da pernambucana em nos dar um tapa da cara, pegar no ombro, sacudir e ainda gritar: ACORDA! – e isso foi com o carro-chefe de Te Amo Lá Fora, Meu Pisêro. Respeitando seu regionalismo, DUDA referencia a pisadinha nordestina, gênero musical que vem ganhando cada vez mais destaque nos últimos anos. Além de ser bem radiofônica, ela tem uma ótima construção de versos e uma quebra de expectativa no último refrão, que nos coloca a par do sentimentalismo da cantora.
O álbum inicia esbanjando brasilidade. Tu e Eu abre o disco com os vocais da figura pernambucana e cantora Cila de Coco. Sob os samples dos inesquecíveis sambas Lá Vem Ela Chorando e Coração de Papel, Tu e Eu é a homenagem certeira à terra natal da artista, Pernambuco. O samba de coco guia a canção, que, logo em seu começo, mostra a intenção de DUDA BEAT com o trabalho. É impossível continuar parado, afinal, quem não se arrepia ao ouvir as palmas ritmadas em forma de roda?
A exploração rítmica da cantora é feita por completo. Te Amo Lá Fora não se apega só a instrumentos elétricos ou sintetizadores, mas também inova ao utilizar sons diversos e pouco trabalhados em produções de estúdio. Mais Ninguém tem a participação marcante da flautista Aline Gonçalves em um solo cativante, e a faixa Melô de Ilusão carrega um certo sabor psicodélico. O compasso minimalista contrasta com um lirismo melancólico, sensual e quase assustador: ‘‘Queria controlar os seus pensamentos/Para não ter dúvidas se você gosta de mim’’.
As músicas conversam entre si e DUDA conversa com seus convidados. O cantor baiano Trevo é participação mais que especial em Nem um Pouquinho, uma mistura irresistível de trap e o pagode baiano. Em uma das melhores composições do LP, ela lastima: ‘‘Quando eu vi/Eu fui piada/Você ria/E eu chorava”. Enquanto isso, 50 Meninas é um caldo do deboche brasileiro combinado com um reggae intrigante. Seguindo a vibe do sofrimento adolescente, DUDA BEAT cria de forma lúcida a velha história da ilusão amorosa com o garoto popular. Com um olhar maduro, o difícil é não reconhecer, ou até mesmo se identificar, com a narrativa.
O disco explora quase todas as vertentes do pop possíveis: GAME é um sucesso electropop imediato. A pernambucana traduz muito bem o jogo de desinteresse que ocorre dentro de relacionamentos amorosos: ‘‘Eu perguntei por que o amor não conquista o amor/Eu perguntei por que o desprezo conquista o amor’’. Parece que DUDA BEAT está decidida a desestabilizar o psicológico do ouvinte, e ela faz isso com destreza. Já Tocar Você é a fantástica imersão da cantora dentro do house, em um som que parece mais uma viagem rápida até Chromatica.
Nem tudo é sofrência: Decisão de Te Amar consegue conquistar, com maestria, logo em suas primeiras notas. Entre respingos de reggae, a coprodução do baterista Patrick Laplan quebra os vícios composicionais da tracklist e mostra uma DUDA mais vulnerável e apaixonada. Romântica, ela se declara: ‘‘Te digo mil vezes/Que o nosso amor/ultrapassou as estrelas’’. Quem comove também é a balada Meu Coração, que leva um eu-lírico masculino e é o maior destaque de evolução da dupla Lux & Tróia, que já havia experimentado o desapego ao lado da cantora.
A produção de um segundo disco é sempre desafiadora, principalmente quando músicas do primeiro se tornam hits. A pernambucana mergulha de cabeça e sem medo de se afogar em uma mistura de culturas e sons: Te Amo Lá Fora é uma carta de amor à música brasileira. Coeso, ele atinge todas as expectativas, não decepcionando nem em suas faixas mais inconsistentes. Assim como Jaloo, MC Tha e Johnny Hooker, ela consegue mesclar pop e MPB de uma forma majestosa, fazendo com que até os mais céticos ao gênero comprem o trabalho.
Em relação a seu primeiro álbum, Te Amo Lá Fora só se compara à originalidade. DUDA BEAT consegue se renovar, mantendo sua destra essência e integridade. A cantora é uma caixinha de boas surpresas dentro de seu mundo musical – após seu recente trabalho com Nando Reis. O LP tem ela por completo, com um disco linear, palpável e memorável. Ouvir as faixas nos faz sentir amigas próximas de DUDA, que responde a qualquer dúvida que ainda poderia ter ficado sobre sua posição dentro da Nova MPB.