Mesmo 25 anos depois, Sussurros do Coração consegue dialogar e emocionar o público atual

“A pedra bruta está dentro de você. É seu dever achar e poli-la. Leva tempo e esforço.” – Shiro (Foto: Reprodução)

Anna Clara Leandro Candido

Os filmes do estúdio Ghibli são bem conhecidos por suas histórias cercadas de detalhes, reflexões sobre a vida e, principalmente, sobre os sentimentos que a compõem. Seja a trama sobre uma guerreira loba, um castelo animado ou o peculiar vizinho de duas garotinhas, é quase certeza de que, ao fim de cada filme, o espectador saia com um sentimento de paz e felicidade dentro de si. Segundo seu cofundador Hayao Miyazaki, o estúdio tem como principal objetivo demonstrar a beleza da vida através das pequenas coisas de nosso cotidiano. É por esse motivo que as obras marcam tão profundamente o espectador e os fazem carregá-las consigo por tantos anos. Com Sussurros do Coração não é diferente.

Por mais que não seja uma história com dragões, magos e magias, é um filme sobre amadurecimento, amor, sonhos e ambições. E é essa narrativa tão profundamente interligada com os sentimentos humanos que torna Sussurros do Coração uma obra atemporal. Mesmo após 25 anos de seu lançamento, o filme ainda é capaz de dialogar com a situação atual de muitos meninos e meninas, seja no Japão ou no Brasil.

Shizuku Tsukishima e Amasawa Seiji (Foto: Reprodução)

Lançado em 1995, Sussurros do Coração foi o primeiro filme do estúdio Ghibli não produzido por Hayao Miyazaki ou Isao Takahata, mas, sim, pelo aprendiz da dupla: Yoshifumi Kondô. A história deriva dos quadrinhos de Aoi Hiiragi e acompanha a estudante Shizuku Tsukishima, uma garota apaixonada por livros e com talento para a poesia. Certo dia, ela percebe um nome repetido em todos os cartões dos livros que pegava emprestado na biblioteca – Amasawa Seiji. O fato do garoto misterioso ter lido as mesmas obras que ela antes mesmo dela considerá-las como uma opção chama sua atenção e Shizuku fica curiosa em relação a ele.

Ambientado em uma Tóquio moderna, o filme começa sua trama apresentando as personagens, principalmente Shizuku. Ela está no último ano do fundamental e se vê cercada pelas expectativas de seus pais, amigos e professores de que passe nas provas de admissão e siga em seus estudos. Mas Shizuku não se sente motivada – ela quer apenas ler seus livros e viver um dia de cada vez. Ao olhar seus colegas e irmã mais velha se esforçando para conquistar seus objetivos, a garota se sente deslocada e insegura.

Cena na qual Shizuku fala sobre seus sentimentos (Foto: Reprodução)  

E esse é o principal tema no qual a trama se desenrola. A vontade de Shizuku em encontrar seu próprio caminho e a insegurança que a acompanha é uma realidade muito comum entre os estudantes. Mesmo atualmente, muitos jovens sentem-se cobrados, pela própria estrutura da sociedade em si, a escolher uma profissão e carreira “apropriada” e são apresentados a um só caminho como opção: o escolar. 

Em uma das cenas mais emocionantes do filme, Shizuku se pergunta o porquê de tantas mudanças estarem acontecendo em sua vida, diz que sente-se menos amorosa do que era antes, que seus livros não a emocionam tanto como antigamente e parece que há uma voz dentro de si dizendo “as coisa não são assim tão fáceis”. Quem já um dia não passou pela mesma situação? Quem nunca se fez essas mesmas perguntas?  São essas pequenas semelhança com a realidade e reflexões propostas ao longo do filme que o fazem um poço de aconchego e calma, propondo para o espectador uma meditação sobre a vida e os sentimentos a compõem.

Os pensamentos conflitantes de incerteza e ansiedade por seu futuro apresentados pela protagonista é um dos principais pontos de ligação no qual um jovem espectador pode se identificar com ela. Sussurros do Coração utiliza uma narrativa delicada e reflexiva  para  transmitir os sentimentos de Shizuku e tecer as inúmeras emoções que afligem um jovem estudante em busca de seu próprio caminho. Não é à toa que Shizuku se tornou a inspiração para a personagem de fundo dos vídeos de um dos canais de músicas mais ouvidos por adolescentes, jovens e estudantes no Youtube.

Cena do filme que inspirou a personagem do canal Lofi Hip-Hop Radio (Foto: Reprodução)

Mas a beleza da trama não só reside nos temas mais profundos da narrativa, pois ela cativa o espectador principalmente pela história de superação que se segue. Certo dia, quando Shizuku volta à loja de artigos antigos que havia conhecido recentemente, ela descobre, durante uma das mais icônicas cenas do filme, que o neto do dono da loja que a estava acompanhando é, ninguém menos, do que o garoto misterioso dos cartões da biblioteca, Amasawa Seiji.

O amor de Seiji por construir violinos e sua ambição de ir à Cremona, na Itália, para especializar-se na profissão inspiram sentimentos profundos de admiração e amor em Shizuku. Ela, então, começa a questionar seus desejos para o futuro, sobre o que é ou não capaz de fazer, sobre o que ela quer fazer. É, então, nesse momento, em que o amadurecimento de Shizuku se inicia.

Isao Takahata foi cuidadoso ao desenvolver o amor entre Shizuku e Seiji como um relacionamento saudável. Ao seguir os passos de seus mentores e desenvolver a independência de Shizuku, Takahata conta ao espectador uma história de amor baseada  não em dependência emocional, mas em admiração e auxílio mútuo. Shizuku utiliza a coragem de Amasawa em seguir os próprios sonhos como força para iniciar seu próprio projeto e criar seu primeiro livro.

Não há alguém capaz de não se emocionar ao acompanhar o esforço de Shizuku em colocar sua capacidade a prova. Cada decisão que a menina faz rumo ao seu novo objetivo é transmitida calma e detalhadamente para o espectador, que consegue sentir a ansiedade, o medo, a determinação e dedicação que Shizuku está passando no momento. Os pais de Shizuku a apoiam, mas ainda esperam resultados dela na escola; a irmã se preocupa com seu futuro, mas acaba por a pressionar ainda mais. Todos esses pequenos detalhes ajudam na hora de construir não só a narrativa, mas o retrato social da nossa realidade. 

Cena na qual Shizuku caminha para a biblioteca e se inspira na paisagem para compor o reino de seu livro (Foto: Reprodução)

Outro fator que agrega a narrativa da obra está no imenso cuidado da produção para com os detalhes e efeitos da animação que, alinhados com a delicada narrativa de Takahata, acrescentam profundidade à jornada de Shizuku. Com a o auxílio da ambientação, o espectador torna-se capaz de ver o mundo pelos olhos de Shizuku, perceber como a visão de Tóquio enquanto ela desce uma escada torna-se em sua mente um fantástico reino para seu livro.

As cenas são lindas, rodeadas de cores e detalhes, desde o design da lombada dos livros à louça na pia de seu apartamento. Tudo se torna um deleite para os olhos. Por isso, mesmo que passe mais vinte e cinco anos, Sussurros do Coração ainda é um filme capaz de tocar o coração de quem assiste. Ele sempre contará aos seus espectadores uma história humana, repleta de sentimentos, desafios, amor e superação. Perfeito para momentos angustiantes nos quais precisamos respirar e nos sentirmos confortados.

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