Nathalia Tetzner
Succession somente existe porque os filhos de Logan Roy, dono de um conglomerado de mídia, tiveram uma infância em que os jogos de poder ultrapassaram os tabuleiros e a imaginação. Como se ditasse a parlenda brasileira Uni, duni, tê, o patriarca da família sempre brincou com as ambições de Kendall, Siobhan e Roman, mas, depois do salamê, do minguê e do sorvete colorê, o escolhido para assumir o controle da Waystar Royco nunca é batizado. Em sua terceira temporada, a série do HBO Max finalmente une os irmãos e alonga a sua aclamação com 25 indicações ao Emmy 2022, sendo a líder absoluta da noite de premiações.
Diferente da sensação mística que a poesia infantil causa, a Música tema desperta o exato teor de Drama presente no enredo. Composta por Nicholas Britell, os graves acompanhados das notas estridentes no piano ressoam a narrativa de um núcleo clássico que constantemente se funde com o urbano das ruas de Nova Iorque. Nomeado ao Oscar por outras produções e vencedor de um Emmy pela faixa-título do seriado, Britell disputa o prêmio pela Melhor Composição Musical de Série (Trilha Dramática Original) com o episódio Chiantishire, um dos mais notáveis entre os nove exibidos devido ao desenvolvimento das personagens em cena.
Figura destoante, Kendall Roy continua a carregar o peso da traição ao seu pai e, no terceiro ano de Succession, o seu crescimento é a regressão. Dissimulado e dono do mundo quando os primeiros efeitos das substâncias químicas atuam, não é preciso de muito tempo para que Jeremy Strong entregue uma atuação vívida ao cair na emboscada dos delírios e da obsessão. Em Too Much Birthday, o público enxerga toda a ganância de um homem que se desmorona com a presença estritamente profissional dos seus familiares no seu aniversário, perdendo o rumo enquanto procura um presente estampado com coelhos dado pelos seus filhos.
Como em um reflexo de sua própria criação, ‘Ken’ carece de afeto, e os netos de Logan parecem seguir a linhagem hereditária de adultos destruídos por traumas quando crianças. O showrunner do seriado, Jesse Armstrong, não só geniosamente contrapõe as figuras de pai e filho, como também prova que sabe dialogar com a atualidade. Afinal, a ascensão do Judas bilionário como uma personalidade excêntrica no Twitter fielmente representa o cenário em que poucos caracteres podem decidir o futuro da política e economia mundial. Dono de dois Emmys, ele e a sua escrita novamente competem pelo Melhor Roteiro em Drama.
Na pele de Siobhan Roy, a única herdeira mulher, Sarah Snook brilha na eterna contradição de quem age para provar o contrário. Coadjuvante da polarização principal, ela cai nas graças dos fãs na mesma intensidade que tropeça em decisões feitas com o único intuito de desmentir as ideias dos outros sobre si. ‘Shiv’ não tinha interesse em fazer um democrata presidente dos Estados Unidos até seu amante a desafiar, ou pensou em assumir a Waystar Royco até o campo de batalha a engolir; porém, ainda que as suas ações digam sobre todos, exceto ela mesma, Snook é uma verdadeira girlboss na tela do streaming.
The Disruption, episódio dirigido por Cathy Yan, traz a essência característica da ruiva mais fashionista do HBO Max, que, em mais uma tentativa de impressionar o seu pai, toma frente do caso de abuso sexual sistemático da empresa. O ápice acontece sob a trilha da banda Nirvana, comumente referenciada na indústria cultural; no entanto, a montagem de Succession alcança um ato maior que arrancou os elogios de Courtney Love: a faixa Rape Me (Me Estupre, em tradução literal) soa nos altos-falantes enquanto Siobhan discursa. Fazendo jus ao feminino vingativo de Yan, ela divulga os problemas pessoais de Kendall no maior estilo Arlequina.
Quase um figurante durante os dois primeiros anos da série, Connor Roy enfim se impõe como o filho primogênito de Logan. Seja se alterando com Kendall ao negar tirar o seu casaco ou o corrigindo durante uma tarde ensolarada e italiana, os pequenos detalhes da linguagem corporal do ator Alan Ruck são suficientes para que o público perceba a tendência agressiva de alguém tão passivo no passado. Antes morador pacato de uma mansão no deserto, o agora candidato a líder da nação estadunidense com 1% dos votos teve a difícil missão de convencer Willa Ferreyra a aceitar o casamento.
Se ‘Con’ frequentemente exerceu a figura paterna na infância dos seus irmãos, ao desviar a atenção para a vinheta de abertura, produzida pela Picturemill, a junção entre as memórias da família Roy, filmadas em VHS, com alguns ângulos contemporâneos pontualmente revela prévias do que esperar a cada temporada. Dessa vez, o foco na sátira natural de Roman e nas tradicionais manchetes sensacionalistas da ATN News fazem sentido com os rumos de Succession, em que o caçula emerge aos olhos manipuladores do pai junto a Tom Wambsgans, marido de Siobhan e presidente da emissora do conglomerado de mídia.
Uma mensagem explícita enviada por engano e pronto: Kieran Culkin entrega expressões dignas de saudação. Sem a necessidade de se apoiar em falas complexas e em atmosferas dramáticas ao extremo, ele coloca a decepção no primeiro plano. ‘Rome’, o Gato de Botas do império Roy, é inteligente e ágil como um felino, porém, são os seus meios duvidosos que o caracterizam e auxiliam a injetar a dosagem ácida de comédia encontrada no seriado. Anteriormente, Kendall e Siobhan protagonizaram a grande Tragédia Grega, por isso, nada mais justo do que assistir mais um filho perder a sua glória diante do patriarca.
“Você não é uma pessoa de verdade”: os problemas internos enfrentados por Roman, ponto pouco abordado para além das piadas autodepreciativas, continuam uma incógnita. Depois de amadurecer o suficiente para se tornar o diretor de operações da Waystar Royco, já está mais do que na hora de Succession permitir a sua vulnerabilidade em frente às câmeras. É sua parceria com a CEO provisória Gerri Kellman que faz o show fluir, pois J. Smith-Cameron e Culkin dinamicamente dividem o frame com uma química obscena, característica natural do mundo vil desses bilionários.
Completamente alucinado por uma infecção de urina no episódio Retired Janitors of Idaho, a insistência para que retirassem um gato morto imaginário debaixo de sua cadeira somente demonstra o tamanho da imponência de Logan Roy, que mesmo não sendo nitidamente capaz de tomar decisões conscientes, permanece a figura mais imponente do ambiente. Em seu terceiro ano, Brian Cox fornece o melhor de uma mente manipuladora e sem escrúpulos. Sem vergonha de ser cruel e brincar com sentimentos, os olhos açucarados apenas convencem o afeto com os filhos até o momento de apunhalá-los pelas costas.
Grisalho e com a saúde instável, devido a sua idade avançada, o patriarca teimosamente mantém o punho firme à frente de um dos maiores conglomerados de mídia da ficção. Em Succession, a tensão em torno do seu futuro e de sua sucessão é agonizante; sem perceber, o público passa a ser um torcedor. Quando tentam derrubá-lo, Cox veste a carapuça da resiliência de Logan, o tornando não só imbatível nos negócios da família, mas também em cena. É assim que se prova a ótima escolha do elenco, que consegue dialogar no mesmo tom, sem sair prejudicado por uma atuação insolente.
Inicialmente tido como uma mera peça de tabuleiro, Tom Wambsgan aprendeu a arte do calculismo com a esposa Siobhan. Desde que adotou o primo invisível dos Roy, Greg Hirsch, como o seu animal de estimação, ele passou a aderir aos mesmos jogos mentais dos herdeiros. Velado, a sua iniciativa de ser o bode expiatório do acobertamento de abusos sexuais na ATN News não foi em vão, e, em uma grande reviravolta, se livra da cadeia e toma parte do lado mais forte: o da venda da Waystar Royco por Logan. Por nunca ter visto o velho reinado perder, Wambsgan é um aliado a menos de Shiv, contrária à compra.
A verdade é que o casamento do ano foi o de Wambsgan e Hirsch, ou melhor, o de Nero e Sporus, conto romano ditado no quarto episódio, Lion in the Meadow. Metaforicamente, há similaridades entre o imperador matando a sua esposa para se casar com um escravo e o acordo feito entre os executivos. Segundo Tom, nos minutos mais desconfortáveis de Succession, ele castraria e casaria com Greg em um piscar de olhos e, de certa forma, foi isso que aconteceu. Ao levantar-se o véu, a relação dos dois é tão bizarramente construída por Matthew Macfadyen e Nicholas Braun quanto a de Roman e Gerri.
As dedicações viscerais dos atores conquistaram atenção em 2022. No Globo de Ouro, Jeremy Strong e Sarah Snook foram premiados, e no SAG Awards o prestígio veio como o Melhor Elenco da noite. Com a chegada do Emmy em Setembro, Succession quebrou o recorde de indicações em categorias de atuação, com 14 nomeações. Brian Cox e Jeremy Strong disputam a estatueta de Melhor Ator em Drama enquanto Kieran Culkin, Matthew Macfadyen e Nicholas Braun fazem a maioria entre os Coadjuvantes. Para as mulheres, Snook desponta com J. Smith-Cameron em Melhor Atriz Coadjuvante em Drama.
Na premiação das Artes Criativas do Emmy, o seriado, satisfeito com participações especiais excelentes, teve Alexander Skarsgård, Arian Moayed, James Cromwell e Adrien Brody na corrida por Melhor Ator Convidado em Drama. Também a fim de levarem a mulher e o átomo, Hope Davis, Sanaa Lathan e Harriet Walter batalharam na categoria feminina. Entretanto, não houve vencedores. Skarsgård na mente de Lukas Matsson, por sua vez, deve ser o elo entre a terceira e a quarta temporada, que já está em produção e tem na sinopse as movimentações da possível venda da Waystar Royco para o visionário da tecnologia.
Faltando pouco para a coroação principal, o prêmio mais cobiçado de Melhor Série de Drama parece ser uma realidade. É difícil explicar o motivo pelo qual o público ama odiar os bilionários mais miseráveis da Televisão – talvez seja a Música tema, que se recusa a sair da cabeça de quem escuta; talvez seja a urgência de estar ali por Kendall, que nunca teve ninguém genuinamente ao seu lado; a curiosidade de descobrir quem é Roman por trás das muralhas; ou, talvez, acompanhar Siobhan e toda a sua sagacidade. Uma coisa é certa: a terceira temporada de Succession age como Logan Roy, prendendo a todos no seu Uni, duni, tê.