Laís David
Com centenas de lançamentos por mês, é cada vez mais fatigante encontrar uma série adolescente interessante na Netflix. De clichês entediantes até os cancelamentos iminentes, a plataforma luta para conversar com esse público da maneira correta. Um dos maiores acertos dos últimos anos, no entanto, foi a excelentíssima Sex Education. Com sua despretensiosa narrativa teen e complexa gama de personagens, a obra conseguiu conquistar seu espaço na lista de melhores produções do streaming e, em 2021, entrega sua terceira temporada com ainda mais encanto.
Se as duas primeiras temporadas de Sex Education representam a introdução ao universo divertidíssimo de Otis (Asa Butterfield), Maeve (Emma Mackey) e Eric (Ncuti Gatwa), a terceira dá espaço a todos os outros personagens de forma igualitária e conexa. O início do primeiro episódio nos traz de volta ao infame colégio de Moordale, agora conhecido nacionalmente como Escola do Sexo. A célebre clínica sexual de Otis e Maeve e o inquietante surto de clamídia na escola causaram um escândalo midiático, que, como sempre, desagradou os superiores do local.
É aí que o problema começa: na tentativa de reverter a reputação da instituição, os investidores de Moordale resolvem demitir o irascível Michael Groff (Alistair Petrie) e contratam uma nova diretora para substituí-lo. Apresentada inicialmente como uma líder feminista e intuitiva, Hope Haddon (Jemima Kirke) tenta convencer os jovens a se renderem a regras milenares com sua personalidade jovial e leviana.
Em poucos momentos, já é possível enxergar as verdadeiras cores da diretora. Hope se revela uma mulher racista, homofóbica e preconceituosa. Seja ao assumir que Adam Groff (Connor Swindells) era o líder estudantil apenas por ser branco ou ao reprimir a individualidade dos alunos do colégio, as microagressões de Hope nos fazem até sentir falta do carrasco Michael Groff. Quem diria que Sex Education conseguiria captar as nuances problemáticas do feminismo branco de forma tão simples?
A terceira temporada de Sex Education também introduziu Cal, a primeira personagem não-binárie da série. Cal (Dua Saleh) é artística, liberal e independente. Seu romance com Jackson Marchetti (Kedar Williams-Stirling) trata de dúvidas importantes sobre pronomes, gênero e orientação sexual de maneira leve e delicada. É raro encontrar representações tão justas e respeitosas na mídia, e a série acertou em cheio. Outro momento enternecedor da temporada é a cena íntima entre Maeve e Isaac (George Robinson): narrativas que retratam pessoas com deficiência como sexualmente ativas são quase inexistentes, e a equipe de roteiristas repara esse histórico com cuidado e compostura.
O impacto do abuso sexual em Aimee (Aimee Lou Wood) também é formosamente trabalhado ao longo dos oito episódios. Longe de reduzir a personagem a seu agressor ou apagar o problema de sua existência, Sex Education dialoga com as consequências psicológicas de um assédio e também prova que, no final do dia, Aimee é muito mais do que seu trauma.
Os episódios também serviram para desenrolar excelentes tramas que não tinham tanto espaço no passado. O verdadeiro destaque da temporada vai para Ruby (Mimi Keene), que desconstrói o arquétipo de Queen Bee da melhor forma possível. Sua perversidade unilateral nunca a representou por completo; pelo contrário, sua identidade fascinante finalmente teve tempo de ser desenvolvida. Impossível não se emocionar ao ver a jovem se declarar para Otis, para, então, ser rejeitada.
Se Eric foi o grande destaque das primeiras duas temporadas, aqui ele fica de escanteio. No entanto, sua narrativa não deixa de ser cativante: a viagem familiar de sua família até a Nigéria reflete muito bem sua necessidade de liberdade, atributo que seu atual relacionamento não tem nada. A dualidade entre a recente descoberta da bissexualidade de Adam e a extensa experiência e aceitação de Eric como homem homossexual é deslumbrante, e, ao mesmo tempo, desastrosa.
A série também não se reduz a tramas adolescentes, e isso a eleva a um outro patamar. Os dilemas da gravidez de risco de Jean (Gillian Anderson) ou a independência recente de Maureen Groff (Samantha Spiro) encantam tanto quanto qualquer problema dos estudantes de Moordale. Gillian é excepcional e rouba todas as cenas – por aqui, fingimos que seu recente prêmio Emmy de Melhor Atriz Coadjuvante em Série de Drama foi também pela sua impecável atuação como a matriarca e terapeuta sexual de Sex Education.
O que deixa a desejar é a necessidade persistente do romance intragável de Otis e Maeve. O casal até era interessante nas primeiras temporadas, mas agora ele é nada mais que o resultado da narrativa incessante que os colocou ali. Os anos 2000 já se foram, e ninguém mais espera por um relacionamento de idas e vindas como Ross e Rachel ou Lorelai e Luke: a dualidade de Otis e Ruby, por exemplo, entretém muito mais do que o relacionamento maçante do jovem com Maeve.
O que mais encanta em Sex Education é a graciosidade em seus personagens. Se afastando da dicotomia entre pessoas bons e ruins, ela trata dos piores assuntos da forma mais humana possível. A desestigmatização de diversas pautas identitárias não soa como um plot device involuntário, mas sim uma narrativa natural e coesa.
Depois de três excelentes temporadas, ficou claro que Sex Education é uma das melhores produções originais da Netflix. Sexualmente positiva e insanamente irreverente, a série se equilibra entre o humor e o drama e entrega um excelente produto final: um excerto fantástico e agridoce do melhor que uma série adolescente tem a oferecer.