Blue Banisters: Lana Del Rey canta sobre seu álbum de família

Blue Banister, oitavo álbum de Lana Del Rey, é um relato pessoal da vida em família (Foto: Universal Music)
Blue Banisters, oitavo álbum de Lana Del Rey, é um relato pessoal da vida em família (Foto: Universal Music)

Gabriel Gatti

As grandes divas pop sempre seguiram uma linha similar em suas trajetórias como cantoras. As músicas costumam ser agitadas, propícias para a pista de dança, os looks sempre extravagantes e as coreografias contagiantes levam os fãs a reproduzi-las. Nesse universo agitado surge Lana Del Rey, uma artista que vai na contramão do padrão para o mundo pop. Mesmo com um início de carreira conturbado, repleto de críticas pelo seu estilo sugar baby, a cantora conquistou seu lugar ao sol e lança agora, em conjunto com os produtores Gabe Simon, Drew Erickson e Barrie-James O’Neill, Blue Banisters, o oitavo álbum de estúdio, composto por 15 faixas.

Lana Del Rey, que, segundo a MTV, abriu caminho para outras cantoras pop, como Lorde, Billie Eilish e Halsey, transformou sua carreira ao longo de uma década desde que abandonou o nome Lizzy Grant. Ao lançar Born to Die, a cantora ganhou notoriedade e críticas negativas pelas letras que referenciam a cultura hollywoodiana dos anos 50, constantemente se mostrando com uma mulher submissa e melancólica. Após dez anos de carreira, seu amadurecimento é, inegavelmente, com melodias calmas. Lana exibe seu lado mais humano em Blue Banisters, que se modificou diversas vezes até seu lançamento. O sucessor de Chemtrails Over The Country Club teve Wildflower Wildfire, Text Book e o homônimo Blue Banisters como suas primeiras faixas divulgadas. As músicas permitem uma visão intimista da vida da cantora, que cita seus familiares durante as letras. 

Cena da versão alternativa do clipe de Arcadia mostra uma mulher branca de cabelos castanhos compridos bagunçados pelo vento, que usa um vestido branco, sentada em um balanço em um ambiente com árvores. Ela ajeita o cabelo com a mão direita enquanto olha para a câmera.
Composto por 15 músicas, Blue Banisters revela detalhes da vida pessoal da cantora, como sua relação com ex-namorados e o convívio problemático com a mãe (Foto: Universal Music)

Lana escolheu Text Book para abrir o disco dessa nova era. Com uma melodia que dá continuidade ao seu trabalho em Chemtrails Over The Country Club, a faixa dialoga os vocais ecoados com arranjos instrumentais simples. A letra, assim como as grandes músicas da cantora, faz referência a eventos da cultura norte-americana, como o carro Thunderbird, a canção The Old Man River de Paul Robeson e o movimento Black Lives Matter.

A faixa seguinte, Blue Banisters, dá nome ao álbum e nos convida a adentrar a vida da cantora. Com um clima de veraneio, Lana apresenta sua família em uma casa de campo enquanto pintam seu corrimão de azul, como referência à alegria expressa pela cor e a analogia de mudanças na vida por meio da alteração da cor de um objeto. O videoclipe, que expressa essa conexão da forma mais concreta possível, é quase um álbum de família, com a participação de seus cachorros Tex e Mex.

Seguindo para Arcadia, a faixa foi divulgada como quarto single de Blue Banisters e anunciada nas redes sociais da cantora antes destas serem desativadas, com a frase “ouçam a canção assim como vocês ouviram Video Games”. Com esse convite nostálgico nós somos apresentados a uma visão romantizada de Lana Del Rey sobre Los Angeles, no qual a cantora sente pertencimento e exibe como se cada ponto da cidade representasse um membro de seu corpo. Ainda no clipe dessa música, toca no final Interlude – The Trio, uma sequência unicamente instrumental para preparar os ouvintes para o que vem a seguir.

Cena do clipe de Arcadia apresenta uma mulher branca de cabelos castanhos compridos com imagens da cidade de Los Angeles sobrepostas em seu corpo e as mãos cruzadas embaixo do queixo.
Arcadia é uma declaração de amor a cidade de Los Angeles (Foto: Universal Music)

Os arranjos instrumentais escolhidos pela cantora a partir de Black Bathing Suit adotam um rumo diferente dos habituais empregados ao longo de sua carreira. Nessa canção, Lana chega ao ápice da melancolia promovida pelo isolamento social necessário para mitigar os danos do Covid-19. Além disso, Del Rey ainda revela a sua relação tumultuosa com sua mãe e a admiração pelo pai. Já com If You Lie Down with Me, somos apresentados a uma relação tempestuosa da cantora com um antigo namorado e segue com uma musicalidade similar à faixa anterior.

Esse ritmo linear se rompe com o início de Beautiful, que apresenta uma das letras mais interessantes do álbum. Melodicamente a canção se assemelha a outras presentes na carreira da cantora, com o protagonismo do vocal guiado por instrumentos suaves ao fundo. Porém, Lana Del Rey usa da faixa como uma resposta a todos que sempre criticaram sua natureza melancólica com o trecho E se alguém pedisse a Picasso para não ser triste?/Eu nunca saberia quem ele era ou o homem que se tornou“. Por meio dessa analogia, a compositora se diz capaz de tornar a dor em algo belo.

Imagem em que há uma mulher branca de cabelos castanhos compridos com cara de plena, que usa um vestido branco e olha em direção a câmera. O fundo da cena é coberto por uma cortina branca.
Apesar de manter seu tom melancólico, Lana Del Rey se mostra agora como dona de sua própria vida (Foto: Universal Music)

Em seguida, com Violets for Roses, a compositora enterra por completo seu lado submisso que ganhou destaque em Ultraviolence. Lana Del Rey, que se recusa a cantar a canção atualmente, reescreve sua história ao afirmar que não suporta um relacionamento abusivo, no qual seu parceiro quer trocá-la de violeta para rosa. Essa mudança necessária fortalece suas raízes como uma das melhores compositoras estadunidenses da atualidade.

Após esse avanço nas composições da cantora, somos apresentados a Dealer (com a participação não creditada no título de Miles Kane) a faixa mais surpreendente do álbum, com vocais audaciosos e gritados, diferentes dos sussurros tradicionais. O ritmo quebra a sequência linear de piano com sons instrumentalizados por bateria, baixo e órgão. Outro ponto relevante é a letra, na qual Lana Del Rey nos conta a história de uma pessoa afundada nas dívidas com traficantes. A música seguinte, Thunder, regressa a linearidade melódica com um refrão repetitivo e pouco significativo diante das demais composições presentes em Blue Banisters.

Imagem retirada da revista Interview apresenta uma mulher branca de cabelos loiros compridos, que usa um roupão branco, sentada em uma cama olhando de frente para a câmera com os braços abaixados.
Com Blue Banister, Lana Del Rey adentra territórios nunca antes explorados por ela, com vocais arriscados e relatos familiares íntimos (Foto: Thomas Patton)

Já com Wildflower Wildfire, o álbum volta a girar em torno da intimidade de Lana. O trecho “meu pai nunca fazia nada quando a mulher dele brigava comigo, então acabei estranha mas doce” revela detalhes da sua vida em família, na qual relata um desentendimento com a mãe, sendo a madrasta sua figura materna mais presente. As canções seguintes, Nectar of the Gods e Living Legend, além de seguir a narrativa familiar, apresentam uma guinada para o folk, gênero que teve grande influência em Chemtrails Over The Country Club.

Logo em seguida, Cherry Blossom chega com a calmaria típica das músicas da cantora. Assim como outras canções do disco, a penúltima faixa de Blue Banisters foi composta originalmente para ser inserida no disco Ultraviolence de Lana Del Rey, mas que acabaram encontrando seu lugar no oitavo álbum da compositora. 

Após essa longa jornada por letras e melodias ousadas, Lana nos apresenta a sua última faixa, Sweet Carolina, composta em conjunto com seu pai e irmã. Com a música, a cantora chega ao nível máximo de profundidade emocional e utiliza dessa carga confessional para encerrar a audição.

Imagem retirada da revista Interview apresenta uma mulher branca de cabelos loiros compridos com as mãos juntas embaixo do peito, que usa um vestido longo, em pé ao lado de uma caminhonete preta. Ela está levemente direcionada para a direita, mas seu olhar é em direção a câmera.
A longa jornada de Blue Banisters se encerra não como o trabalho mais brilhante da cantora, mas, pelo menos, como uma experiência diferenciada (Foto: Thomas Patton)

Ao final da experiência trazida em Blue Banisters fica evidente que Lana Del Rey está renovada, mas ainda assim mantém em sua essência, a garota que se mudou para Califórnia e se tornou uma grande diva do pop alternativo. Apesar de não ser o trabalho mais forte da cantora, é interessante observar os efeitos das mudanças que os anos proporcionaram em sua forma de compor e interpretar suas canções.

Cheio de curvas melódicas, Blue Banisters costura entre erros e acertos 15 músicas repletas de histórias. O álbum dá continuidade ao trabalho que a cantora vem executando desde 2019, porém, agora, com uma pegada mais privativa e poética. Apesar da sonoridade do disco não se comparar ao do aclamado Norman Fucking Rockwell!, as letras adentram muito mais nas causas familiares de Del Rey, resultando em canções intimistas e audaciosas para os padrões habituais da compositora.

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