Vinícius Siqueira
Uma das muitas coisas que alguém busca ao ler um livro, escutar uma música, olhar pela janela, ler os jornais ou, no caso, assistir um filme é simplesmente ganhar para si uma boa história. Uma história não necessariamente com finais felizes ou tristes, amargos ou cruéis, simples ou complexos. Mas, simplesmente, uma história bem contada e que segure sua atenção por alguns momentos, lhe fazendo esquecer do que se passa ao seu entorno. O que o espectador, muitas vezes, não se dá conta é do poder inerente à uma história bem contada. E é esse tipo de influência que tece a trama primorosa de Relatos do Mundo (News of the World, no original).
Lançado no ano de 2020 nos cinemas americanos, mas chegando ao Brasil (e ao resto do mundo) apenas em 2021 após ser comprado pela Netflix e passar a ser exibido no mundo pelo streaming, a obra é dirigida por Paul Greengrass. E ela lida com alguns clichês relacionados ao gênero de western (faroeste), pinceladas políticas e pontadas de realismo já características do diretor.
A trama em si é bem redigida e traz uma ambientação e personagens que relembram os clássicos da categoria, ao passo que também apresenta um ponto de vista diferente do cenário clássico do Velho Oeste. A obra é inspirada no romance homônimo escrito por Paulette Jiles em 2016, e é protagonizado por Tom Hanks e pela estrela em ascensão Helena Zengel. Paul Greengrass faz bom uso de sua herança como documentarista ao trazer um certo realismo ao filme e abordar temáticas como racismo e preconceito no Velho Oeste americano.
Diferentemente do que se esperaria de um filme pertencente ao gênero de western, Relatos do Mundo não é uma narrativa de ação, e sim um drama que visa desconstruir levemente a imagem do público de um protagonista de faroeste e demonstrar o valor de uma história em um cenário abalado. O enredo se passa em 1870 no Texas, logo após a Guerra Civil Americana, uma época e um meio ainda extremamente abalados pelo confronto entre o Norte e o Sul dos Estados Unidos e também pelas resoluções desse.
A obra tem seu início com uma das cenas que marcam a sua essência: Capitão Jefferson Kyle Kidd (Tom Hanks) se preparando para ler as notícias para as pessoas no condado de Wichita Falls, uma região de herança confederada antes de ser anexada pela União. Ele é um veterano confederado que perdeu tudo na Guerra Civil – trabalho, negócio, esposa, fé e propósito – e que passou a ganhar a vida viajando de cidade em cidade para realizar essa leitura.
A trama em si tem início após o personagem de Hanks levar um golpe do acaso em uma de suas viagens: ele se depara com Johanna Leonberger (Helena Zengel, indicada ao Globo de Ouro e ao SAG Awards com apenas doze anos de idade), uma criança de uma família alemã que foi tirada de casa por nativos Kiowa, crescendo entre os mesmo e adotando seus costumes antes de ser “resgatada” por soldados da União. E esse encontro força ambos a buscar um propósito para suas respectivas histórias. Kidd quer encontrar um motivo para continuar a sua própria narrativa, e a garota quer uma maneira de lidar com a perda de sua família biológica e sua adotiva.
Relatos do Mundo segue a mesma linha de realismo fino já característico da direção de Paul Greengrass, e é a segunda obra que o diretor e Tom Hanks trabalham juntos – sendo a primeira o filme Capitão Phillips (2013) -, e a estreia do ator no gênero de faroeste. No entanto, apesar do peso do nome de Hanks, e do mesmo apresentar o auge de uma atuação paternal, o seu protagonismo é colocado em cheque pela atriz mirim com quem contracena.
Ainda, a produção arrecadou cerca de 11,4 milhões de dólares em bilheteria nos Estados Unidos antes de ser lançada na plataforma de streaming. Apesar de possuir vários clichês, a narrativa nos presenteou com uma história bem consistente e até emocionante; com Tom Hanks demonstrando um bom relacionamento com o gênero de western e Helena Zengel como uma artista talentosa e em crescimento no mundo do cinema.
A construção da narrativa de Relatos do Mundo segue um ritmo razoavelmente lento, dando tempo para o espectador absorver a gama de sentimentos e reflexões implícitas e explícitas no roteiro adaptado por Paul Greengrass e Luke Davies. O ponto alto do enredo, e a base para todos os acontecimentos, é o desenvolvimento da consciência do Capitão em relação à Johanna e sobre suas atitudes com a mesma, que está em um estado quase de anomia diante da sociedade. No fim, ele encontra em seu relacionamento uma oportunidade para dar um sentido à sua própria trajetória e às histórias que conta de cidade em cidade.
Um dos possíveis erros cometidos pelo espectador ao assistir Relatos do Mundo é a comparação do mesmo com o filme dos Irmãos Coen, Bravura Indômita (2010), pelo fato de ambas as produções se fundamentarem no desenvolvimento de uma relação paternal entre um homem martirizado pelo tempo e uma jovem perdida no mundo – no caso da obra de Ethan e Joel Coen, Mattie Ross e Rooster Cogburn. No entanto, enquanto o personagem de Jeff Bridges buscava um fim para a sua história e a personagem de Hailee Steinfeld dava sentido para a sua na busca por vingança, Kyle Kidd quer encontrar um motivo para continuar sua própria história e Johanna procura um porto seguro para se apoiar em frente à um mundo cruel.
Alguns outros aspectos da obra valem ser mencionados, criticados e elogiados, por exemplo, a própria presença dos clichês – especialmente aqueles relacionados à construção do personagem de Tom Hanks como um homem marcado pelo tempo e por memórias terríveis mas que ainda possui um forte sentimento paternal em si – que enriquecem a narrativa somente até certo momento, antes de se tornarem uma simples falta de inovação. Outro ponto que merece ser citado é a Trilha Sonora Original que, apesar de incorporar o enredo de forma extremamente natural e adicionar um elemento que dá riqueza à paisagem, poderia estar mais presente durante algumas cenas.
Ela é assinada por James Newton Howard, que já compôs as trilhas de filmes como O Sexto Sentido (1999) e Batman: O Cavaleiro das Trevas (2008). E, finalmente, a composição da paisagem e do cenário como um todo, que, apesar de não ser tão vivo quanto em obras como A Balada de Buster Scruggs (2018), ainda se vale de pequenos detalhes oferecidos em pequenas medidas para o espectador, mas que ajudam a construir a tensão e o drama da época.
Relatos do Mundo teve boas avaliações nas críticas mundiais e nas bilheterias, com nomes de peso na direção, produção e no elenco, além de ter apontado os holofotes para uma das mais jovens e promissoras atrizes no mundo do cinema: Helena Zengel. O filme, ao todo, acumulou sete indicações ao Critics Choice Awards, duas ao Globo de Ouro, mais duas no SAG Awards e quatro para o Satellite Awards. Por causa de sua quantidade de nominações, valor de bilheteria e composição de elenco, Relatos do Mundo se mostra como um nome forte para a temporada do Oscar 2021.
Enfim, apesar de seus pequenos deslizes, Relatos do Mundo visa mostrar o valor de uma história bem contada e sobre como esse tipo de atividade afeta até os corações assombrados por memórias horrendas. Não sendo um filme de ação ou suspense, mas sim um drama muito bem construído e trabalhado por meio da soma de elementos como elenco, enredo, música, paisagem, uma boa história e bons ouvintes. Uma amálgama de alguns clichês que resultam em um enredo emocionante de um veterano de guerra e uma garota sozinha no mundo que tem de enfrentar os perigos do Texas e dos homens para darem motivo às suas vidas.