Ana Júlia Trevisan
60 segundos. Esse é o tempo definido pela FIFA para a execução do hino nacional, mas, naquele 12/06/2014, a torcida brasileira parecia não ligar para as determinações. A emoção transbordava na Arena Corinthians, palco de Brasil x Croácia, jogo que abriu a Copa do Mundo de 2014, e a plenos pulmões a arquibancada gritou os versos mandando apoio aos jogadores de nossa seleção. Apesar de todo espírito da Copa transmitido na televisão, os bastidores eram muito diferentes para inúmeros brasileiros afetados diretamente pelo megaevento. Os Donos da Casa, exibido na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, traz a história de quatro deles, impactados positiva e negativamente pela FIFA World Cup.
Mesmo estando na Competição Novos Diretores, Os Donos da Casa não traz o frescor de uma estreia, muito menos um tema atual ao ponto de ser cativante em seus 80 minutos de duração. Para a construção do documentário, quatro famílias são desproporcionalmente colocadas em voga. Elas, claro, têm histórias válidas para a produção, mas toda a introdução ao tema “Copa do Mundo de 2014” gasta os mesmos 45 minutos do primeiro tempo de uma partida de futebol, levando toda a energia do espectador que não sabe em qual dos temas abordados concentra sua atenção.
Para ilustrarem a figura de especialistas foram convidados jornalistas esportivos e investigativos, o ex-líder do comitê de governança da Fifa Miguel Maduro e o ativista Argemiro Almeida. Entre os jornalistas, quem tem voz ativa são os brasileiros Juca Kfouri e Jamil Chade. Fernanda Gentil, coitada, foi apenas peça ilustrativa do documentário, recebendo só duas falas do roteiro. Levantamentos importantes e datados feito pelos dois brasileiros se perdem em 2021, quando estamos mais próximos da Copa do Catar (2022) do que da Copa da Rússia (2018).
Quando o juiz apita o coração do brasileiro bate em um só ritmo, é como se não houvesse tristeza quando a bola começa a rolar em campo, no entanto Os Donos da Casa mostra que isso não é verdade absoluta. No documentário, quatro brasileiros contam suas vivências em espera do megaevento que foi sediado em 12 cidades do território nacional. Matheuzinho é morador de uma comunidade no Rio de Janeiro, com vista para o Maracanã, e carrega o sonho de ser jogador. Ivanildo Lopes, residente de Fortaleza, teve a casa destruída para a construção das obras de infraestrutura que não ficaram prontas a tempo da Copa. Marta Gomes trabalha como ambulante e, com o lucro gerado nos jogos, quer realizar o sonho de comprar um carro. Daniel Leon, um dos fundadores da torcida canarinho, leva fãs para todas as Copas.
A história de Ivanildo é de longe a mais emocionante. Denunciar o sofrimento de famílias, assim como a Lopes, que tiveram suas casas desapropriadas para obras que nunca ficaram prontas renderia um documentário único, mas, infelizmente, é nesse ponto que a produção se perde. A falta de delimitação em qual assunto seria abordado faz com que Os Donos da Casa fale sobre tudo e sobre nada ao mesmo tempo. A denúncia de um dos eventos mais importantes do mundo estar na mão de monopólio, os protestos de 2013 que mudaram definitivamente o rumo do Brasil e as narrativas pessoais: os pontos se misturam mas não se conectam, deixando uma carência de profundidade nas perspectivas da produção.
De lá pra cá, a pátria amada se metamorfoseou na enlutada pátria armada, o governo não é capaz de oferecer segurança alimentar aos filhos deste solo e Os Donos da Casa soa como um documentário atrasado. A diretora Clara Dauden acerta no alvo só depois da flecha já ter enferrujado. Cheia de boas intenções, a data de lançamento e a falta da anunciada visão panorâmica dá um caráter leviano ao filme, que tem uma boa história a entregar. Sua tentativa de trazer narrativas cíclicas não completa a volta e o atraso na produção junto com sua estreia em tempos infernais tiram o tom de urgência na denúncia das pendências que 2014 deixou.