Raquel Freire
Há um ditado popular que diz que mais vale um pássaro na mão do que dois voando, o que, em outras palavras, quer dizer que a garantia é melhor do que a expectativa. Até que ponto isso é real? Qual é o preço a ser pago por escolher contar com aquilo que já se tem e abrir mão da possibilidade do que se pode vir a ter? O futuro é incerto, claro, mas qual é o sentido da vida quando nos conformamos com a nossa realidade? Essas são questões que vivem no subconsciente de Tom Burgess (Harry Styles, em sua versão mais nova, e Linus Roache, na mais velha) em My Policeman, nova obra dirigida por Michael Grandage.
O melodrama, baseado no romance homônimo de Bethan Roberts, cuja narrativa se inspirou no triângulo amoroso vivido pelo romancista E.M. Foster, conta a história de uma professora, um curador de museu e o homem que ambos amam. Ambientado na cidade de Brighton em uma época em que a homossexualidade era considerada um crime, o roteiro de Ron Nyswaner não falha ao retratar o turbilhão de sentimentos que esses personagens carregam – esses que são frustrados no amor, censurados por lei e por suas próprias repressões emocionais, que os impossibilitam de pedir em voz alta o que realmente querem em seus relacionamentos.
O enredo de My Policeman tem como base a perspectiva de apenas dois dos três personagens principais, além de ser contado em duas épocas distintas: os finais das décadas de 50 e 90. O primeiro ato do filme é apresentado através do ponto de vista de Marion, uma professora aposentada interpretada por Gina McKeen. Através de suas lembranças, vemos como seu eu mais jovem (interpretado por Emma Corrin) conheceu e se apaixonou por seu marido, Tom (Linus Roache), um ex-policial vivido por Harry Styles na juventude. Essas memórias também dão a entender que a amizade do casal com Patrick, um curador de museu interpretado por Rupert Everett na velhice e David Dawson na juventude, é totalmente inocente.
No entanto, após a Marion de McKeen acolher o Patrick de Everett em sua casa, já com uma idade avançada, ela começa a secretamente ler alguns dos diários escritos por ele nos anos 50. Quando a personagem o faz, o filme muda o ponto de vista para aquele de Dawson e revela o relacionamento mantido em segredo que ele teve com Tom durante muitos anos. A partir daí, as múltiplas perspectivas de My Policeman começam a se misturar, revelando lenta e seguramente como a amizade entre os três acabou sendo destruída.
A inteligente estrutura do roteiro permite que a história se torne gradualmente mais estratificada e complexa ao longo de seus 113 minutos de duração. Essa cronologia nos leva ao passado e ao presente dos personagens, do início ao fim, sem revelar o que tem de mais importante no meio até que estes detalhes apareçam. O longa até mesmo mina uma surpreendente quantidade de tensão e intriga ao revelar as memórias de Marion sobre a relação de seu marido com Patrick, na maneira e no ritmo como é feita. Dessa forma, a narrativa previsível – fadada ao insucesso do casal gay devido aos regimes sociais da época – não passa a ser maçante de se acompanhar.
Isso também ocorre graças à ambientação caprichosa da obra. Desde a trilha sonora temporalmente marcante até as vestimentas de época, a homofobia e o sentimento de alerta que ela nos causa durante toda a trama destina nossa mente aos anos 50, de forma tão intensa que é capaz de gerar angústia e medo, ainda que estejamos são e salvos no conforto de nossas casas. O filme caminha a passos lentos e pequenos, nos apresentando aos personagens e às situações incômodas cuidadosamente, demorando a revelar a relação que uma pessoa tem com a outra.
A transição entre o elenco mais velho e o mais jovem convence e, nesse sentido, é possível afirmar que ambas as versões de Marion, Tom e Patrick foram muito bem alinhadas entre os atores fora das telas. O núcleo maduro de My Policeman entrega performances ao nível similar de intensidade, sem sobressair ou ceder grande parte dos holofotes aos atores mais jovens. Por outro lado, o mesmo não acontece entre Corrin, Dawson e Styles. Tom Burgess é um personagem muito complexo e com muitas camadas para ser interpretado por um ator pouco experiente, ainda mais quando esse atua ao lado de profissionais com mais estrada do que ele. Independentemente disso, não é exagero afirmar que o vencedor do Grammy apresenta melhores condições do que em seu último trabalho, mostrando uma conexão genuína com o seu personagem pela primeira vez desde o início de sua carreira como ator, no longa Dunkirk (2017).
Como citado por Styles durante a coletiva de imprensa do filme no Festival Internacional de Cinema de Toronto, My Policeman é sobre tempo perdido e sobre pensar no que poderia ter sido quando já é tarde demais. Nenhum personagem da história conseguiu ter o que queria e todos eles passaram uma vida tentando lidar com o arrependimento e com a culpa, sentimentos que são frutos de seus corações partidos. Às vezes, um pássaro na mão pode realmente valer mais do que dois voando, mas não podemos esquecer que nenhum pássaro sobrevive por muito tempo em um lugar que não lhe pertence. No fim, essa é uma obra sobre mãos vazias e pássaros que, contra vontade, voam em direções opostas para não deixarem de ser.