Nathália Mendes
Submerso nas águas de uma piscina qualquer, Pedro Miguel (Nuno Nolasco) abre os olhos e enxerga um azul sem fim. A vastidão do desconhecido é iluminada por feixes de luzes brilhantes vindas de um mundo acima do seu, enquanto as bolhas de seu oxigênio flutuam ao redor e ele só está ali, existindo. Não há como imaginar que esse momento é mais uma tentativa do protagonista em enfrentar sua aquafobia, mas sim que o mesmo estaria tão intrinsecamente conectado com a premissa de Mar Infinito. O longa estreou na Competição Novos Diretores na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo como um filme de ficção intergalático em que um jovem luta por um lugar com a humanidade fora do planeta, mas é, na verdade, a solidão de uma geração sem rumo, afogada por uma incerteza esmagadora.
Esse é o primeiro longa-metragem escrito e dirigido por Carlos Amaral, conhecido pelo curta Longe do Éden. A sua produção portuguesa transformou o baixo orçamento, que nunca alcançaria um audiovisual mediano de viagem pelo universo, em uma reflexão sobre a parcela da sociedade que é deixada de fora quando os ricos aventureiros decidem saltar para fora do planeta Terra. Em Infinite Sea, Pedro Miguel tenta hackear o sistema que o reprovou por fobia de água, para, assim, poder embarcar na Proxima Centauri e se juntar à colonização de um astro desconhecido. Sua rotina monótona mostra um mundo completamente habitável e saudável, mas abandonado, e os humanos que ficaram vivem em um ciclo de desesperança e melancolia. Depois de tantos meses frustrado, o protagonista conhece Eva (Maria Leite) e, compartilhando um desgaste existencial, a jovem se torna a única motivação para continuar.
Acompanhado de uma trilha sonora prazerosa e esporádica, o filme desenha uma obra de solidão completa. O casal não desiste de alcançar o futuro na Proxima Centauri, e, no ritmo deles, assistimos o mundo numa paleta de tons azuis e violetas, com personagens mais velhos enfurnados em buracos abandonados e afirmando que suas existências foram descartadas. Persistindo, o casal descobre-se a si próprio e ao outro, como, por exemplo, quando Eva ensina Miguel a nadar e ele a ensina a andar de bicicleta, conhecimentos simples que pertencem à infância. Isso mostra a proporção do sentimento de abandono que ambos apresentam, uma contrapartida com os filmes futuristas famosos no Cinema.
A personagem de Eva é consistida na pura adição de frases narrativas sobre o peso existencial, todas clichês, e, ainda assim, dolorosas ao peito. “Às vezes sinto que já fomos embora e estamos a caminho, flutuando no espaço enquanto sonhamos com a vida no destino” é uma das falas na voz deleitável de Maria Leite que são um soco no estômago, pois exemplifica como a geração millennial parece se encontrar: andando num infinito espaço-tempo, sem a certeza de, se ao cruzar a ponte, encontrará alguma vida. Em conjunto com isso, Miguel entende que eles são descartáveis; os escolhidos possuem seu lugar, mas há futuro para eles?
Após os jovens conseguirem embarcar no programa, o longa mostra o seu tom mais reflexivo e confuso. O casal entra em um sono induzido debaixo d’água até chegar ao destino prometido, mas quando acordam Miguel está sozinho. Ele segue seu caminho em uma terra lamacenta, se mantendo com a promessa de procurar Eva “depois do mar infinito”, e sua realidade mistura-se ao devaneio. Não sabemos se toda a trajetória realmente aconteceu, ou se Eva é a voz na mente de Miguel que o compele a não desistir em um futuro que mais se assemelha a um pesadelo. Assim, com uma estética visual perfeita e um tom calmo demais que anda e não chega em lugar algum, Mar Infinito pauta na Mostra de São Paulo o temor paralisante em ver o mundo avançando, mas tudo o que se enxerga do lado de cá é um horizonte aguado, sem esperança de alcançar terra firme. É como se estivéssemos submersos, assistindo o resto do mundo num azul infinito.