Love, Death & Robots: nada coeso, obrigatoriamente inovador, quase sempre divertido

Cena do episódio Atendimento automático ao cliente de Love, Death & Robots. Na imagem, uma animação, a frente de uma porta de vidro que revela um quintal com árvores, flores coloridas e palmeiras, uma mulher branca de meia idade, de cabelos curtos e brancos, blusa branca listrada e calça branca abre espacate no chão e aponta uma espingarda. Ao lado direito dela, vemos um cachorro pequeno e de pelos brancos.
Dois anos depois da aclamada estreia de Love, Death & Robots e das vitórias no Emmy 2019, a segunda temporada chegou em 2021 e foi novamente indicada em Melhor Programa Curto de Animação (Foto: Netflix)

Vitória Lopes Gomez

A sonhada adaptação da revista em quadrinhos Heavy Metal proposta pelos diretores David Fincher (Seven, Mank) e Tim Miller (Deadpool) ficou na gaveta por anos até a Netflix topar o desafio. No streaming, os dois se juntaram a Jennifer Miller e Joshua Donen (Mindhunter, House of Cards) na produção e a ideia virou Love, Death & Robots, inédita e inovadora na farofa de conteúdos originais da plataforma. O sucesso e a aprovação dos curtas metragens animados garantiram a continuação: mais curta, a segunda temporada da série volta para mais amores, mortes e robôs.

Seguindo o formato antológico, os oito episódios continuam completamente independentes e não limitam as possibilidades. A cada capítulo, universos, elencos e equipes, estilos visuais e até gêneros distintos obedecem à única regra de abordarem ou morte, ou amor ou robôs (ou mais de um no mesmo episódio). Os temas, que aparentemente são o único ponto em comum entre eles, usam da liberdade para explorarem suas próprias narrativas e técnicas e despertam a curiosidade não pelas semelhanças, mas justamente pelas diferenças.

Cena do episódio Gaiola de sobrevivência de Love, Death & Robots. Ao centro da imagem, do tronco para cima, vemos o personagem estrelado por Michael B. Jordan, um homem negro de cabelos pretos curtos e bigode ralo, com uma expressão séria e vestindo um traje espacial.
A revista em quadrinhos Heavy Metal, que serviu de inspiração para série, usa da ficção científica e da fantasia como pano de fundo em histórias destinadas ao público adulto (Foto: Netflix)

Transitando entre ficção científica, fantasia, terror, suspense e até comédia, têm capítulo, história e visual para tudo quanto é gosto. O instinto de sobrevivência marca a segunda temporada de LD&R, mas, entre distopias futuristas realistas e contos natalinos em stop-motion, nem o tema em comum torna a coletânea previsível. 

Episódios tensos e cheios de ação como Gaiola de sobrevivência, estrelado por Michael B. Jordan em um visual característico dos videogames, vêm na sequência de outros calmos e introspectivos, como O gigante afogado, que reflete sobre a natureza da vida e da morte. Ainda, enquanto alguns robôs fogem do controle e voltam-se contra os seres humanos, como em Atendimento automático ao cliente e seu estilo caricatural, em outros, as máquinas ajudam a humanidade e até se envolvem com ela, como no realista Snow no deserto.

Cena do episódio Pela casa de Love, Death & Robots. Ocupando toda a imagem, vemos um monstro em tons de rosa, com dentes afiados e mãos saindo dos cantos da boca.
O idealizador e produtor executivo de LD&R, Tim Miller, é fundador da empresa de efeitos visuais, animação e design Blur Studios (Foto: Netflix)

Mesmo que alguns conceitos e premissas não sejam inéditas – “inteligência artificial se volta contra seus criadores” é tema de incontáveis produções -, a relação entre humanos e tecnologia acaba sendo retratada de diversas formas em cada capítulo, como o idealizador pretendia que fosse. As diferentes equipes envolvidas na criação, inclusive de lugares distintos do mundo, tornam Love, Death & Robots um compilado de ideias e experimentações, nada coeso, obrigatoriamente inovador e quase sempre divertido – afinal, cada episódio é um. 

Para além das distopias em universos intergalácticos, cenários pós-apocalípticos ou com tecnologias avançadas roubando a cena, alguns dos curtas se destacam pela falta desses elementos. Em A grama alta, adaptada de um conto de mistério e terror, e Pela Casa, uma tenebrosa e divertida fábula natalina, as criaturas fantasiosas substituem as máquinas e fogem do óbvio dos robôs que dão nome à série. Ainda que a maratona não compense e a sequência dos capítulos não obedeça uma ordem, os diversos estilos de animação, gêneros e histórias dão fôlego à temporada, que também se beneficiou pela duração mais curta.

Cena do episódio Esquadrão de Extermínio de Love, Death & Robots. Em um laboratório médico aparentemente acima das nuvens, vemos armários com suprimentos, máquinas e, ao centro, um casal. À esquerda, um homem de cabelos curtos e vestido de preto está sentado em uma cadeira e olha para uma mulher, que, à direita da imagem, está deitada em uma poltrona médica.
Entre amores, mortes e robôs, em LD&R sobra espaço para reflexões filosóficas, questionamentos e dilemas morais (Foto: Netflix)

A continuação segue aproveitando a vantagem do formato antológico não só na hora de explorar as diferentes narrativas, que ficam sujeitas ao tratamento dos roteiristas e ao gosto do espectador, mas também nas técnicas de animação. De um episódio para outro, vamos do espaço hiper-realista e cheio de detalhes a uma sala de estar em stop-motion: os visuais são um show à parte e, por si só, já tornam Love, Death & Robots tão atraente e chamativa.

Não por menos, a série garante presença no Emmy nos dois anos em que foi exibida. Na edição de 2019 da maior premiação da TV, o capítulo A Testemunha (The Witness) rendeu à primeira temporada o troféu de Melhor Programa Curto de Animação, no Creative Arts Emmy, conhecido como o Emmy Criativo e que premia as categorias técnicas, como direção de arte, figurino, mixagem de som e outros. 

Além da conquista no nicho das animações que consagrou a estreia de Amor, Morte & Robôs, o nome traduzido da série, a produção teve mais quatro vitórias em categorias de desempenho individual. Artistas visuais, designers de produção, animadores e outros profissionais levaram para casa prêmios por seus trabalhos nos episódios A Testemunha, Sugador de Almas (Sucker of Souls) e Boa Caçada (Good Hunting) da primeira temporada. 

Cena do episódio A grama alta de Love, Death & Robots. Na imagem, do lado esquerdo e direito, vemos duas criaturas fictícias frente a frente. Elas são cinzas, sem cabelos, olhos ou nariz, e têm a boca aberta, mostrando dentes afiados. No meio das duas, ao fundo, um homem branco, de cabelos curtos, óculos redondo e terno, olha para os monstros com uma expressão assustada.
No Emmy 2021, Love, Death & Robots também foi indicada como Melhor Edição de Som em Série de Comédia ou Drama (Meia-Hora) e Animação (Foto: Netflix)

Na 73° edição do Emmy Awards, a antologia foi novamente indicada como Melhor Programa Curto de Animação com o episódio Gelo (Ice), da segunda temporada, e compete com novatas como Robot Chicken, da Adult Swim, Maggie Simpson: O Despertar com Força da Soneca e Era Uma Vez um Boneco de Neve, ambas do Disney+. A continuação de Love, Death & Robots repete os méritos que a concederam a vitória há dois anos e agora, conhecida da premiação, já chega como favorita ao Emmy 2021. Pelo menos nessa categoria, as apostas ficam fáceis.

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