Já que Ninguém me Tira pra Dançar: eu também quero ser Leila Diniz

Cena do documentário Já que Ninguém me Tira pra Dançar. Ao centro está Leila Diniz. Uma mulher branca de cabelos curtos. Ela está de braços abertos. Veste um sutiã com lantejoulas e ombreiras também com lantejoulas e fios. Em segundo há dezenas de homens. A imagem está em preto e branco
Realizado em 1982 e remasterizado em 2021, o documentário inédito tem sua estreia na seção Mostra Brasil da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Nova Era Produções)

Ana Júlia Trevisan

“Toda mulher quer ser amada/Toda mulher quer ser feliz/Toda mulher se faz de coitada/Toda mulher é meio Leila Diniz.” Os trechos compostos por Rita Lee pressupõem toda a graça e grandiosidade de Leila Diniz. Atriz brasileira, Rainha das Vedetes e transgressora pela liberdade feminina, Leila é representante de Todas as Mulheres do Mundo. Com estreia marcada para acontecer durante a 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, Já que Ninguém me Tira pra Dançar é o documentário sobre Leila Diniz dirigido por sua amiga e também atriz Ana Maria Magalhães. 

Nascida em Niterói em 1945, Leila Diniz possuía um carisma único, uma espontaneidade natural e uma paixão pela liberdade que vinham do berço. Já que Ninguém me Tira pra Dançar reúne depoimentos saudosos sobre a estrela, as entrevistas foram realizadas em 1982, quando a partida de Leila completava 10 anos. Encontradas por Fábio Fraccarolli, ele convidou Ana Maria Magalhães para restaurar as gravações, complementar com novos arquivos e mais uma vez trazer à tona a memória de uma peça chave para a cultura brasileira.

Cena do documentário Já que Ninguém me Tira pra Dançar. Ao centro está o desenho de um beija flor azul. À esquerda há o desenho flores amarelas e folhas verdes. À direita temos o desenho flores rosas e folhas verdes. Na parte superior lê-se em azul ‘Para Leila Diniz’. Na parte inferior lê-se em azul ‘Todo amor, Ana’. O fundo do desenho é bege.
“As flores do jardim da nossa casa renascem como se fosse chegar de uma breve ausência” (Foto: Nova Era Produções)

O esquadrão que faz declarações para Leila é digno de frente de batalha. Nomes como Marieta Severo, Nelson Sargento, Betty Faria, Maria Gladys, Paulo José e Luiz Carlos Lacerda relembram com carinho o carimbo onipotente que Leila Diniz deixou em suas vidas. A atriz estava à frente de seu tempo, dando a cara a tapa com tabus que mal podiam ser levantados como pauta na época. Libertária, Leila precisou lutar contra duas forças que a oprimiam com fulgor: o machismo e a ditadura

Pelos colegas de ofício, Leila é descrita como uma profissional nata. Intensamente perfeccionista em seu trabalho, ela dominava a cena lidando com grandes diretores no auge de sua adolescência, e se tornando uma garotinha apenas depois do grito de “corta!”. À frente de seu tempo e conhecedora de si própria, ela valorizava o corpo e o gestual, sendo uma atriz que transcendia os ensinos de qualquer academia de atuação. Leila Diniz compreendia que a atuação era uma aventura e se entregava de corpo e alma para o ato.

Cena do documentário Já que Ninguém me Tira pra Dançar. À direita está Leila Diniz. Uma mulher branca de cabelos curtos. Ela sorrindo e sentada num banquinho. Sua mão direita está em sua cintura e sua mão esquerda está esticada em seu joelho esquerdo. Ela está usando um vestido longo de mangas longas e estampado. À esquerda está um homem usando camisa, calça e sapato social. Ele está numa câmera. O fundo é desfocado, vemos uma escada à direita e pessoas à esquerda. A imagem é em preto e branco.
“A liberdade sexual feminina é muito limitada, o que me entristece muito” (Foto: Nova Era Produções)

Mas, Já que Ninguém me Tira pra Dançar não se limita em mostrar apenas uma atriz, descansando o rótulo de sua profissão, o documentário mostra a mulher por trás da persona, um ser humano que fazia Cinema e por consequência fazia Arte. Leila não se prendia ao simples ato de atuar, ela era descontraída, gostava de se envolver em tudo que acontecia nos bastidores e na pós-produção, reconhecendo a imensa importância dos trabalhadores das respectivas etapas. Advérbios de intensidade não faltam para descrever a atriz. Leila Diniz era muito: muito aberta, muito sincera, muito viva.

Além da Leila atriz, quem ganha o maior espaço é a Leila amiga, a que aconselhava até alta madrugada e tinha o afeto como sentimento mais importante dentro de suas relações. Já que Ninguém me Tira pra Dançar transforma Leila Diniz em verdade absoluta, colocando a artista, por merecimento próprio, na coluna dos imortais. A serenidade da voz de Ana Maria Magalhães arrebata, dando um contorno sentimental intransmutável, envolvendo o espectador num enlace íntimo e resplandecendo de carinho à memória da amiga, que permanece viva nas lembranças mais bonitas do Rio de Janeiro.

Cena do documentário Já que Ninguém me Tira pra Dançar. Nela vemos Leila Diniz. Uma mulher branca de cabelos lisos na altura do ombro. Ela está com leve sorriso, seus olhos fixos na câmera. Sua mão direita está apoiada em sua cabeça na altura da orelha. Ela usa uma camisa. Na parte superior direita lê-se em branco VOZ NELSON PEREIRA DOS SANTOS. A imagem está em preto e branco.
Vieram os ataques orquestrados, revestidos de falso moralismo com o intuito de fragilizar-lá, testavam quão vulnerável seria uma mulher linda e livre como você (Foto: Nova Era Produções)

Uma mulher libertina feito Leila Diniz jamais passaria batida aos olhos sangrentos da ditadura. Entrevista pelo jornal O Pasquim, ela não poupou palavrões nas respostas, escancarando sua verdade particular sobre as pautas: relacionamento, sexo e fidelidade. Meses depois da entrevista, o Decreto 1.077, batizado com o nome da atriz, instaurava a censura prévia à imprensa em todo o país. Eram os Anos de Chumbo dando luz a uma de suas piores facetas. Leila sofreu duras penas por conta da ditadura, acumulando problemas dentro da Globo, que cortou a vedete de seus papéis.

Poética e apaixonada pela liberdade, Leila Diniz viveu intensamente seus 27 anos. Entre todos os entrevistados a ideia é unânime: ela era a personificação do amor. Leila Diniz faz parte de qualquer contexto que seja Brasil. Sua brasilidade e sua alma insubmissa abriu os caminhos para a revolução sexual no país. Os filhos da santa devem muito a essa mulher intensa, sagrada e profana que com sua feminilidade encarou a ditadura e a estrutura patriarcal da sociedade. “Leila, você acertou no tabu. A falta que você nos faz. Seu amor, força e encantado.”

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