Caio Machado
Um homem e uma mulher estão parados em um campo. A grama verde reluz ao sol. Pela distância, não conseguimos ver direito o rosto de nenhum dos dois. Parecem estátuas paradas em um palco e conversam, imóveis. Esses são os minutos iniciais de Higiene Social, filme francês exibido pela 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
Em cada um dos cinco segmentos, o protagonista, Antonin (Maxim Gaudette), é confrontado por uma mulher diferente: sua irmã, Solveig (Larissa Corriveau); sua esposa, Eglantine (Évelyne Rompré); seu interesse amoroso, Cassiopée (Ève Duranceau); uma coletora de impostos (Kathleen Fortin); e uma vítima de um de seus roubos, Aurore (Éléonore Lorselle).
Vencedor do prêmio de Melhor Direção na seção Encontros no Festival de Berlim, Hygiène Sociale não é um filme “agradável” de se assistir. A produção canadense dirigida e roteirizada por Denis Côté é rígida, lenta e exige paciência. Passa uma sensação de frieza extrema ao colocar seus atores longe da câmera, de forma que é possível vê-los de corpo inteiro. Além disso, eles mal se mexem ou olham nos olhos um do outro enquanto conversam, o que torna a experiência ainda mais incômoda.
Aos poucos, os longos diálogos de Higiene Social revelam informações sobre a vida do personagem principal: é um homem inteligente, criativo e que poderia ter seguido uma carreira artística, como cineasta ou escritor. Em vez disso, jogou essa oportunidade fora e tornou-se ladrão para conseguir sustentar seu estilo de vida boêmio. É problemático, difícil de lidar e o filme tenta fazer uma investigação profunda de sua personalidade.
As mulheres de Higiene Social aparecem em cena com uma função: expor cada defeito do personagem principal. Pela forma como se comportam, assemelham-se aos fantasmas que atormentam o rabugento Scrooge em Um Conto de Natal, de Charles Dickens. No entanto, diferente da história clássica, aqui não há possibilidade para um final feliz, com uma lição de moral emocionante. Só existe o confronto verbal, onde tentam fazê-lo sentir as consequências de sua visão de mundo tão egoísta.
A direção de Côté transforma a natureza onde o filme se passa, tão verde e linda, em um tribunal impiedoso onde Antonin é o réu. Por mais que tente escapar dele com a lábia ou andando sem rumo, é impossível sair. Somos obrigados a acompanhar um teatro verborrágico e pedante. Pelo fato da maioria das interações reduzirem-se à fala, quando um personagem faz um movimento mais complexo, como dançar ao som de uma música lenta, o choque sentido pelo espectador é grande. Dentro daquele universo, de expressividade corporal quase nula, soa como um alívio. Um desafio à monotonia. É uma pena que dure tão pouco.
O outro impacto vem quando o filme finalmente quebra o distanciamento da câmera e se aproxima dos personagens, para que vejamos seus rostos. Cada mulher tem uma expressão de satisfação, de vitória perante aquele homem que faz parte de suas vidas. Ele, por sua vez, tem uma expressão desoladora. Nessa hora, Social Hygiene consegue transmitir outro sentimento além da pura apatia. Depois de ter sido encurralado pelas cinco mulheres, só conseguimos sentir pena. A impressão é a de que, para esse homem que desperdiçou o próprio potencial, o que resta é a solidão. Uma vida sem dignidade. Não há como consertá-lo e será assim até o fim. O que resta agora é lidar com os resultados dolorosos do passado.