Bruno Andrade
Das séries de antologia dos últimos anos, Fargo está na lista das melhores. Indicada ao Emmy 2021 nas categorias de Melhor Fotografia, Melhor Composição Musical e Melhor Edição de Som em Série Limitada ou Antologia, a 4ª temporada mistura a história do crime com a história racial dos Estados Unidos, numa linha tênue entre o trágico e o cômico, e traz, pela primeira vez, um protagonista negro.
No novo ano do seriado, viajamos para a década de 1950 — marcada fortemente pela segregação racial —, em Kansas City, e acompanhamos a disputa de poder entre dois grupos criminosos. De um lado, estão aqueles que parecem os primeiros membros da máfia italiana, os Fadda; do outro, os membros da gangue Cannon, uma espécie de sindicato do crime, no qual indivíduos da comunidade negra vão em busca de empréstimos e acerto de contas.
A série mantém os Irmãos Coen na produção executiva — diretores do filme de 1996 de mesmo nome, um dos melhores já feitos —, e esse dado é interessante para enxergar o cuidado em se manter fiel à obra original. Como de costume, a produção traz um elenco de peso, com Emyri Crutchfield, Ben Whishaw, Jason Schwartzman e Chris Rock nos papéis principais. A enfermeira Oraetta Mayflower, personagem de Jessie Buckley, rouba a cena em diversas ocasiões e até auxilia o enredo a seguir em frente, nos fazendo esquecer que se trata de uma personagem secundária.
As tramas de Fargo giram em torno de coincidências, que levam ao desenrolar de eventos fatídicos, e trazem um típico humor de quebra de expectativas nos momentos de tensão. Nessas circunstâncias, a escolha de Chris Rock como um dos personagens principais não é tão esquisita. Ele interpreta Loy Cannon, líder frio e calculista de uma gangue que está começando a ganhar espaço. Como contraste à gangue dos Fadda, os Cannon priorizam o domínio regional, e querem conquistar aos poucos, mas sem abrir mão do respeito.
No mundo ficcional da série, a calamidade acompanha o desastre, e Fargo sempre foi interessante pelo virtuosismo estilístico, deixando a substância do seriado presa ao filme de 1996. As boas atuações soam quase como um clichê, e toda nova temporada tem a responsabilidade de se manter à altura das anteriores. Em sua quarta edição, Rock impressiona em seu drama, no entanto, deixa evidente tratar-se de um turista no gênero, principalmente nas falas de Cannon contra opressão racial, cujo tema é levantado mas nunca, de fato, desenvolvido. Em uma das cenas, Loy Cannon diz não estar somente lutando contra os italianos, mas contra “500 anos de um modo de pensar”.
Na produção, que já acumula 55 indicações ao Emmy, vencendo 6 delas, nenhuma nomeação por atuação ocorreu nesta edição, e ela concorre somente em categorias técnicas. O episódio responsável por todas as indicações em 2021 é East/West, onde acompanhamos o irlandês Rabbi, personagem de Ben Whishaw que vive com os italianos. Ele recebe dos Fadda um tratamento sub-humano, e, embora tenha demonstrado sua lealdade diversas vezes, não é encarado como um semelhante. Em uma ocasião, Loy Cannon pergunta a Rabbi se ele veio de “Dublin, Italia”, apontando que ele está mais próximo da gangue dos Cannon do que pensa estar da máfia italiana. Os personagens recebem, de modo geral, interpretações primorosas, mas não mantém o brilho de temporadas anteriores, transformando os novos componentes da trama em adaptações dos antigos.
Quando a primeira temporada surgiu, em 2014, os olhares duvidosos que caíram sobre o criador, Noah Hawley, diziam respeito à insegurança em se adaptar à TV um dos novos clássicos absolutos. Já no início, Hawley mostrou a que veio e conseguiu manter a aura misteriosa que Fargo carrega, cuja máxima “aceite o mistério”, proferida pelos Irmãos Coen, faz-se valer. Mas, o que parece, ao chegar no quarto ano, é que Hawley enxergou a necessidade de, às vezes, guiar o telespectador nesse cenário misterioso. O fato é que, no mundo ficcional de Fargo, conviver com o mistério é penoso, mas trata-se da gasolina para todo o seu humor.
A verdade inconveniente é que Fargo não é mais a mesma. Embora envolta da mesma fórmula de sempre — pessoas simples envolvidas em crimes em uma cidadezinha no interior dos Estados Unidos —, o comum ganha destaque, e as esquisitices que dominaram os anos passados soam como uma caricatura do próprio seriado. Mesmo que ambientada em um mundo satírico, a temporada ainda é um pastiche dos clássicos filmes de gângsteres.
Em um esforço para trazer o seriado à realidade cotidiana, argumentos contra opressão racial e xenofobia são levantados durante seus 11 episódios, mas não avançam e perdem-se no emaranhado do enredo. Uma das premissas da temporada é mostrar que a história dos Estados Unidos está marcada por diferentes povos e culturas, e que suas raízes são os imigrantes. Contudo, a mina de ouro da temporada — que poderia propiciar outras indicações no Emmy 2021 — recebeu um tratamento superficial. De qualquer modo, Fargo continua interessante — principalmente pela recente comemoração do 25º aniversário do filme —, e ainda é melhor que a maioria dos dramas criminais convencionais. A série vale o esforço, porém, conhecendo seu potencial, a 4ª temporada poderia ter sido um pouco melhor.