Há 5 anos, Margot Robbie fez tudo ser sobre ela em Eu, Tonya

Cena do filme Eu, Tonya. Na imagem, a atriz Margot Robbie olha diretamente para o gelo sob os seus pés. Ela é uma mulher branca de olhos e cabelos claros. A câmera capta a protagonista de baixo para cima, com apenas os seus ombros e face aparecendo. Robbie veste um figurino de patinação no gelo preto com listras e outros detalhes em dourado. Ao fundo, o cenário é o teto de um rinque de patinação escuro.
No ano de 2022, o longa I, Tonya celebra o seu quinto aniversário (Foto: Neon)

Nathalia Tetzner

Em 1991, Tonya Harding entrou para a história da patinação no gelo ao se tornar a primeira mulher estadunidense a cravar o salto triple axel em competição. Porém, o brilho dos troféus e o estouro dos confetes logo foram apagados e silenciados. No imaginário popular, ela não está marcada pelo momento de maior glória de sua carreira, mas pelo ato hediondo cometido contra a sua principal rival dentro do rinque, Nancy Kerrigan. Há 5 anos, o diretor Craig Gillespie enxergou em Harding uma jornada de anti-herói digna de filme e, em Margot Robbie, a atriz perfeita para eternizá-la. Assim, (re)nasceu Eu, Tonya

Afiada como as lâminas dos seus patins, Tonya Harding sempre foi tida como o Patinho Feio do universo de movimentos graciosos. A sua força e músculos somente deixaram de ser um problema quando a congelaram no ar durante três rotações e meia, pela primeira vez derretendo os corações dos jurados e de sua nação, ambos extremamente contaminados pelo tradicionalismo. De certa forma, a responsável por interpretá-la mostrou ter o mesmo olhar cortante; Robbie nunca tentou quebrar a perna de outra atriz para além do desejo de boa sorte, mas em cena, carregou consigo um bastão invisível que fez tudo ser sobre ela.

Cena do filme Eu, Tonya. Na imagem, a atriz Margot Robbie aparece sentada nos bastidores de uma competição de patinação no gelo. Ela é uma mulher branca de olhos e cabelos claros que veste um collant e meia-calça rosas. Na pela de Tonya, ela se posiciona com as pernas abertas e uma postura desajeitada. Os patins brancos estão ao seu lado no chão. A câmera captura todo o seu corpo e o cenário, composto por uma longa parede branca.
Margot Robbie treinou por três meses para viver a patinadora nas telas do Cinema (Foto: Neon)

Durante 117 minutos, Eu, Tonya comparou as figuras opostas da protagonista e de Nancy Kerrigan a partir do histórico de violência vivido por Harding, um ambiente nem um pouco favorável à jovem inserida em um esporte elitizado; para os Estados Unidos, amar Kerrigan e o ideal retrógrado que ela representava foi bem mais fácil, e para “a América, você sabe – ela quer alguém para amar, mas ela quer alguém para odiar.” O roteiro assinado por Steven Rogers trouxe a infame patinadora em uma posição diferente da deixada pela mídia, afinal, ainda que haja a inclusão dos diferentes pontos de vista, a presença da versão dela foi um feito inédito.

Já o baixo orçamento do longa da LuckyChap Entertainment, produtora fundada por Margot Robbie e focada em narrativas comandadas por mulheres, acarretou em filmagens rápidas e poucos recursos para os efeitos visuais utilizados nas rotinas de saltos no gelo, assim, o resultado doloroso eliminou a imersão do público nas cenas. Em contrapartida, outros elementos técnicos retomam a primazia da obra, são eles: ordem quase não cronológica, incrível similaridade com gravações reais, quebra da quarta parede, caracterização fiel da equipe de maquiagem, a trilha sonora envolvente de Peter Nashel e a fotografia precisa de Nicolas Karakatsanis.

Cena do filme Eu, Tonya. Na imagem, a atriz Allison Janney interpreta a mãe de Tonya Harding. Ela, uma mulher branca de olhos claros e cabelos escuros, fuma um cigarro em pleno rinque de gelo. Em sua face, Janney usa um óculos de grau com armação vermelha. A câmera captura apenas os seus ombros e face. O cenário é composto pelo branco da aula de patinação de gelo que a coadjuvante invadiu.
Allison Janney venceu o Oscar 2018 de Melhor Atriz Coadjuvante pelo seu papel no longa (Foto: Neon)

Se Craig Gillespie assumiu o compromisso de ressuscitar Tonya Harding através de suas lentes, a pungente Allison Janney deu novamente à luz na pele de LaVona Golden, mãe da atleta. Mais do que florescer uma personagem, o filme conduziu a polinização de algo devastado e, até então, perdido: a origem da anti-heroína, uma vez trajada de vilã. Por meio de ironias e contradições, Gillespie não idealizou o indefensável, apenas pôs em xeque os argumentos de quem acreditou na maldade de Harding como inata e espontânea, quando, de fato, houveram uma série de fatores. 

Brutal e sem escrúpulos, Golden se classificou como a momager (em tradução livre: mãe-agente) de uma época em que o termo ainda não havia sido popularizado. No rol dos pais que sacrificaram tudo pelo sucesso dos filhos, inclusive a saúde mental dos herdeiros, ela gabaritou quase todos os requisitos que caracterizam uma infância traumática e, por isso, nada mais justo do que ter sido a responsável pela fala de abertura de I, Tonya (título original da produção). Em 2018, o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante foi para a intérprete Allison Janney que, ao lado de Sebastian Stan na mente do ex-marido Jeff Gillooly, dividiu a dosagem de violência física e verbal.

Cena do filme Eu, Tonya. Na imagem, Sebastian Stan e Paul Walter Hauser estão interpretando os seus personagens. Ambos são homens brancos de olhos e cabelos escuros. A câmera captura em primeiro plano Stan inclinado em uma poltrona e, em segundo plano, Walter falando ao pé do ouvido do amigo. O cenário é a casa de uma família tradicional estadunidense dos anos 90 com artefatos em cores barrosas, variando entre os tons de marrom.
O roteirista Steven Rogers consultou Tonya Harding, que acabou aceitando a cinebiografia (Foto: Neon)

O triple axel não somente foi um divisor de águas na carreira e vida pessoal de Tonya Harding, como também serviu de estopim para o desenvolvimento da trama biográfica e o crescimento de Margot Robbie frente às câmeras. Habituada à hostilidade da agressão, a personagem se moveu pela vontade de provar errado quem duvidou de sua capacidade. E, a cada linha desenhada no gelo, Robbie reuniu em sua expressão o caos interno de Harding, liderando a narrativa de um outro ‘Eu’ com maestria. “Nancy apanha uma vez…e o mundo inteiro entra em colapso. Para mim, é o que acontece o tempo todo”.

‘Incidente’ é o termo dito pelas personagens ao descreverem o evento que marcou drasticamente o esporte. Com o avanço do enredo, a participação da protagonista de Eu, Tonya, na tentativa de lesionar sua rival, se dissolveu e deu espaço para outros dois elementos: o seu ex-marido Jeff Gillooly e seu guarda-costas Shawn Eckardt (Paul Walter Hauser). Obsessivo, Gillooly jurou vingança após Harding receber ameaças. Já Eckardt, mentiroso compulsivo, enxergou a oportunidade exata para ser o mandante de um crime de enorme repercussão. A dinâmica vital entre os atores provaram que todo dia, um bobo e um esperto saem de casa.

Cena do filme Eu, Tonya. Na imagem, Margot Robbie dá vida a uma Tonya Harding angustiada com os laços de seus patins. Ela, uma mulher branca de olhos e cabelos claros, veste um figurino de patinação no gelo preto com listras e outros detalhes em dourado. A câmera captura Robbie de lado, sentada em uma cadeira e inclinada até os seus patins. O cenário é o camarim de uma competição, composto por cadeiras roxas, paredes brancas e chão azul.
Robbie, atriz e produtora de I, Tonya, enfrentou uma hérnia de disco durante as gravações (Foto: Neon)

Satiricamente, ao contrário da fantasia nuclear estadunidense, a família e valores quebrados de Tonya Harding a configuraram como o maior símbolo dessa nação condenada à hipocrisia. Sentados à frente da televisão, o público agiu como jurado e condenou a atleta ao escárnio eterno das piadas de mal-gosto. Já no tribunal, a punição também relacionou medidas não equilibradas: enquanto Jeff Gillooly e Shawn Eckardt cumpriram suas penas e voltaram para as suas vidas, Harding foi banida permanentemente de competições e, desse modo, arrancaram dela a única coisa que algum dia soube fazer.

Lançado em 2017, Eu, Tonya assopra as velas do seu quinto aniversário. Entre os seus méritos, a quantidade avassaladora de indicações e vitórias nas principais premiações do Cinema se consagrou como um mero detalhe, pois o primor do longa residiu no (re)nascimento de um ícone da patinação no gelo. A direção de Gillespie atravessou a história de origem de anti-herói e acertou em cheio no seguinte despertar: “Não existe verdade…todos têm a sua própria verdade e a vida apenas faz o que bem entender”. Margot Robbie, por sua vez, andou divinamente sobre as águas congeladas, saltou para longe e fez tudo ser sobre ela.

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