Jho Brunhara
Em uma pequena casa simples no Havaí, somos introduzidos à uma vida de memórias, recheadas de significados familiares e culturais. Eu Era um Homem Comum repete diversas vezes ao longo de seus cem minutos a frase “morrer não é simples, não é?”, e enquanto faz uma conexão direta com o título original (I Was a Simple Man) e o principal tema do filme – a morte –, também se conecta indiretamente com os eventos realmente relevantes para a obra: as lembranças complexas de uma vida. O segundo longa de Christopher Makoto Yogi foi exibido na seção Competição Novos Diretores da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
A obra é uma expansão de seu curta entitulado Obake, de 2011, que, na língua japonesa, significa fantasma. Assim como na produção de uma década atrás, Eu Era um Homem Comum preenche a tela com fantasmas, de forma simbólica e literal. Simbólica, quando assistimos flashbacks de memórias de juventude do protagonista e do início de sua vida como pai; e literal, pela visita de Grace (Constance Wu), que estabelece sua estada até que chegue a hora de seu marido Masao Matsuyoshi (Steve Iwamoto), um senhor de idade com uma doença terminal, abandonar o plano terrestre.
Inspirado em vivências reais de Yogi, a sensibilidade em retratar uma pessoa idosa em estado terminal não deixa de lado um olhar honesto e sem medo de mostrar demais. Masao não é o melhor exemplo de pai ou avô, mas quando precisa da ajuda de sua família fragmentada e distante, é seu neto Gavin (Kanoa Goo) quem fica encarregado. Acompanhamos com ele os momentos mais delicados e doloridos do fim de uma vida, até mesmo o sangue na água da privada, e a expressão de Gavin de quem não queria estar ali, passando por aquilo. Mas, afinal, quem gostaria de ver um familiar próximo ou distante nesse estado?
Quanto mais o quadro de Matsuyoshi piora, mais intensas e vívidas ficam suas lembranças. A narrativa começa a delirar junto com ele, e ficamos confusos com o que é apenas uma memória e o que parece estar se manifestando no presente. A cronologia se altera a todo momento com pontos em comum: Grace, sua filha, e um cachorro, que parece ser o mesmo desde sempre. O Havaí se insere diretamente na vida das personagens, com o processo de integração como parte dos Estados Unidos sendo um evento comentado mais de uma vez, uma ilha que cresceu e se transformou com seus habitantes.
Ao mesmo tempo, Eu Era um Homem Comum complementa sua narrativa ao mostrar um Havaí com uma diversidade étnica não-branca maior que apenas seus habitantes nativos, Masao é descendente de japoneses e Grace, de chineses, um problema no início do relacionamento que culminou em decisões arriscadas por ambos os lados. Todos esses detalhes vão se encaixando para entendermos exatamente quem Matsuyoshi é, sua vida turbulenta, suas glórias e arrependimentos, e sua relutância em aceitar a morte. É muito difícil deixar para trás o que se é para que se torne o que se foi.
Eu Era um Homem Comum é fiel a sua origem: a expansão de um curta de menos de 15 minutos para um longa de 1h40. Os eventos estendidos acabam deixando a experiência um pouco cansativa, mas, mesmo assim, o saldo é positivo. De uma história extremamente autoral e recheada de sentimento, podemos nos conectar com o pouco que conhecemos das personagens, e entender suas vidas como reflexo de fatores muito além da personalidade. A morte, enquanto evento final do longa, parece vir no momento em que Masao percebe que não poderia ter vivido de forma diferente, pois só pode perceber seus arrependimentos por ter tomado as decisões que tomou, e no além não há nenhuma decisão ruim que não seja perdoada. Um homem comum é um homem que erra e acerta. Um homem que vive. Um homem que morre.