Persona Entrevista: Rian Córdova e Leonardo Menezes

Diretores de Luana Muniz – Filha da Lua detalham a importância da representatividade trans na Arte e as dificuldades do Cinema independente

Arte retangular horizontal de fundo vermelho. No lado esquerdo, foi adicionado o texto "PERSONA ENTREVISTA" na vertical, repetidas vezes. No centro, foi adicionada uma foto em preto e branco dos diretores Rian Córdova e Leonardo Menezes. No lado direito, foi adicionada uma imagem do poster de seu filme, Luana Muniz - Filha da Lua, e acima, foram adicionados seus nomes, "rian córdova e leonardo menezes".
Em dose dupla, o Persona Entrevista de hoje conta com os cineastas Rian Córdova e Leonardo Menezes, em uma conversa à respeito de seu mais novo longa, o documentário Luana Muniz – Filha da Lua (Foto: Reprodução/Arte: Jho Brunhara)

Caroline Campos e Vitor Evangelista

Quatro meses atrás, o Persona entrou em contato com o emocionante longa Luana Muniz – Filha da Lua. Naquele agosto, mês que celebra os documentários brasileiros, tivemos a oportunidade de, além de conferir as sutilezas e conhecer a jornada da personagem-título, entrevistar seus dois realizadores. Em uma breve conversa terça-feira antes do almoço, Rian Córdova e Leonardo Menezes relataram desde os processos de criação do filme até o que o futuro os reserva daqui para a frente.

A dupla, que já tem experiência na Arte de documentar a vida de ícones da comunidade queer do país, demorou um pouco para ver Luana Muniz nas telonas, visto que o filme estreou de fato em 2017, no atual Festival LGBTQIA+ do Rio de Janeiro, mas só pôde ser apreciado pelo público em 2021. “A gente sabe um pouco das questões que envolvem o descaso da Secretaria de Cultura Federal em relação a processos da Cultura – o incêndio da Cinemateca é um dos exemplos mais recentes – e a gente fica muito feliz que finalmente o filme vai poder chegar nos cinemas”, conta Leonardo. 

Foto retangular. Luana Muniz, uma mulher branca, com batom vermelho, maquiagem dourada e unhas vermelhas olha no espelho, com as mãos no rosto.
Sobre o futuro da representatividade trans na Arte, Leonardo foi enfático: “que elas sejam protagonistas de novela, que elas sejam o que elas quiserem ser, porque talento está aí em todo mundo” (Foto: Guaraná Conteúdo)

Apesar dessa demora para a concretização do sonho de colocar Muniz no posto de estrela de Cinema, os diretores revelam felicidade diante do crescente número de pessoas trans e travestis em posição de poder no Brasil de 2017 para cá. “Faz a gente relembrar a importância de ter histórias sobre travestis e transgêneros como protagonistas no Cinema nacional”, complementa o cineasta. E se tem algo que Luana Muniz se qualifica como, com certeza é no papel de protagonista. A mulher, que faleceu em 2017 devido a complicações de uma pneumonia, infelizmente não chegou a ver sua trajetória nas telonas, mas, como os relatos que compõem o filme mostram, sua presença será sentida enquanto sua mensagem for compartilhada.

Luana Muniz era comprometida com a verdade, define Rian. A dupla conheceu a artista por conta de sua aparição no Profissão Repórter – onde ela esbravejou pelas ruas cariocas que “travesti não é bagunça!” –, mas eles se aproximaram mesmo no processo de criação do filme Lorna Washington: Sobrevivendo a Supostas Perdas, que colocava foco na jornada da transformista e amiga próxima de Muniz. “A luta dela era por esse reconhecimento de tratamento digno, que por conta do Brasil ser uma sociedade machista e homofóbica, elas passaram, especialmente Luana, por todo esse processo de opressão que as travestis passam no Brasil”. De fato, Luana construiu sua história da maneira que quis.

Sua potente rede de proteção ganha foco ao longo dos quase oitenta minutos do documentário, e como ilustra a direção, foi fundamental para a construção da imagem da mulher. Essa característica se torna até estética, ao passo que Muniz primeiro nos é apresentada por terceiros para só então dar as caras na telona. O cuidado em ouvir esses personagens, em sua maioria mulheres trans e travestis, foi primordial para a produção. Sendo dirigido por dois homens cis, Luana Muniz – Filha da Lua teve o tato de iluminar as mulheres que, assim como a protagonista, batalham por uma vida digna. “Criar uma história coletiva, claro que é sobre a Luana e a vida dela, mas de certa forma é uma história compartilhada pelo fato da Luana ter sido essa referência na vida de tantas e tantos”.

Foto de Luana Muniz, um mulher loira e idosa, usando roupas intimas estilo cabaret, vermelhas e pretas, e com uma perna levantada, em frente a uma cortina brilhante. Ela está de lado, piscando com o olho direito e segurando plumas vermelhas ao lado corpo. A sua frente, vemos a cabeça de várias pessoas que assistem ao espetáculo.
“A travesti precisa se impor, senão a sociedade a engole” (Foto: Guaraná Conteúdo)

Assim, o que era para ser um filme para homenagear uma vida em plena atividade, se tornou um documentário póstumo que não se acanha em celebrar a trajetória controversa de sua estrela. Como Luana faleceu na reta final das filmagens, Leonardo Menezes e Rian Córdova mudaram os rumos da produção e abriram uma nova leva de gravações para trazer especialmente esse “olhar para trás” das vidas que foram fortalecidas pela artista e, de quebra, não deixar o nome Luana Muniz se perder no limbo da frágil memória brasileira – até porque, para Rian, o interessante é contar histórias novas pouco visibilizadas, e não reproduzir biografias batidas.

E quando se trata de Luana, ambos os realizadores se recordam de sua figura com muito carinho. “Ela não mudava pelo fato da câmera estar ligada ou desligada. Ela era quem ela era, quer você goste ou não”, relembra Leonardo, enquanto Rian complementa: “Eu acho que ela ficaria orgulhosa e feliz de ver que a força dela inspira tantas pessoas ainda. A Luana vive de fato uma saga de heroína onde a gente fica torcendo para que ela vença no final”. Seja pela alcunha de Filha da Lua, Rainha da Lapa ou Guardiã das Travestis, o fato é que resgatar a memória de Luana Muniz em pleno 2021, no país que mais mata pessoas trans do mundo, é um ato de coragem e uma reafirmação da importância histórica da dona daquele Casarão rosa na avenida Mem de Sá.

Foto vertical de um grafite. Nele, vemos a representação de Luana Muniz com uma coroa, vestido preto, sentada no trono e com um balão de fala "TRAVESTI NÃO É BAGUNÇA". Ao redor, várias palavras completam o desenho como "LAPA" "DIGNIDADE" e "RESPEITO"
“Evidenciar quem você quer ser é uma mensagem muito poderosa” (Foto: Guaraná Conteúdo)

 

Pesquisando, a gente se deparou com o documentário Lorna Washington: Sobrevivendo a Supostas Perdas, também dirigido por vocês dois. Como funciona esse trabalho em equipe? Como vocês separam as tarefas?

Leonardo: “É um trabalho complementar, eu assumo as partes técnicas, gravação, montagem final, e o Rian faz a parte de idealização do roteiro, contatos, pré-entrevistas. Nos dois filmes, Rian ficou mais com o roteiro, e depois nós comentávamos como seria a narrativa presente no filme, com se encaixam os momentos. Fazer a Luana aparecer no filme um pouco tarde depois das pessoas falarem sobre ela; fazer esse recorte cronológico no filme, primeiro conhecer ela e depois sua história e ver os impactos na vida dos outros. Nos dividimos, sempre alguém está fazendo algo mas enquanto cinema independente nós dividimos tarefas”.

 

Se vocês pudessem escolher alguma outra figura marcante para documentar, qual seria e por quê?

Leonardo: “Vou misturar um pouco das duas na resposta. Agora, a gente está olhando para projetos que retratam mais coletivos e grupos do que especificamente uma pessoa. A gente está olhando, por exemplo, para um projeto sobre relação entre gerações LGBT, então a gente está retratando isso com filmes, e a gente já captou grande parte do material. Até porque a pandemia deixou isso um pouco mais difícil. Então a gente gravou tanto no La Cueva, era a balada mais antiga do Brasil, que a gente espera que reabra, está fechada há quase um ano e meio, é uma balada que existe desde 1964 aqui no Rio e era majoritariamente frequentada por pessoas mais idosas, LGBT, então claro é um espaço que requer todo um cuidado nessa reabertura que a gente espera que reabram. Lá, aconteceu as primeiras edições da festa V de Viadão, uma festa majoritariamente mais jovem, com pessoas em torno de vinte e poucos anos, mas as primeira edições foram no La Cueva, então tinha essa mistura entre pessoas de vinte e poucos anos com pessoas de sessenta, setenta anos, na mesma festa, e a gente achava isso muito interessante, de poder retratar essa intergeracionalidade LGBT, até porque pouco se fala sobre a terceira idade LGBT. Então mostrar isso numa conexão com frequentadores mais jovens.”

Cena do documentário Luana Muniz - Filha da Lua. A foto é dentro do camarim e mostra Luana Muniz sentada, gesticulando e com uma expressão de sorriso no rosto. Ela veste um vestido prata brilhoso, tem cabelos castanhos modelados alto na cabeça e as unhas estão pintadas de vermelho. Ao fundo, vemos espelhos e produtos de beleza desfocados.
“Do Rio a Belém, de São Luís a Porto Alegre, você via que as pessoas realmente choravam junto, davam gargalhadas até em momentos tensos (…) Tanto dentro quanto fora do Brasil, é curioso como as pessoas se conectam a figura dela” (Foto: Guaraná Conteúdo)

 

Quais são seus próximos passos, em dupla ou individuais?

Leonardo: “Outro que a gente também está olhando é para a cena transformista do Rio de Janeiro na época pré-pandemia, faz uma relação também intergeracional entre a Turma OK, que é um clube LGBT muito antigo, desde a década de 50 existe aqui no Rio, ainda em funcionamento, depois da estreia vamos para lá foi vai ter uma apresentação da Lorna em homenagem a Luana Muniz, e ao mesmo tempo a gente vai mostrar o Drag-se que é um movimento de drags que começou no início da década passada aqui no Rio e elas também se apresentavam muito no a Turma OK, então a gente vai cruzar essas histórias, e o movimento entre as drags mais antigas e as drags mais recentes. 

E a gente está também tocando um projeto sobre a revista Sui Generis, que foi uma revista LGBT que estreou na década de 90, ficou dez anos publicando e teve diferentes personalidades na capa, como Renato Russo, Marina Lima, Cássia Eller, Pedro Almodóvar, por aí vai, então a gente quer retratar um pouco desses bastidores da cena LGBT dos anos 90, que se fala muito, já tem filmes que retratam cena LGBT dos anos 60, São Paulo em Hi-Fi, a década de 70, Dzi Croquette, anos 80, mas sobre os anos 90 ainda tem poucos então a gente está tentando mais esses projetos”. 

 

Luana Muniz – Filha da Lua passou pelos cinemas brasileiros no segundo semestre de 2021.

Deixe uma resposta